Crise imobiliária na China. Será que pode piorar?

Problemas com o setor imobiliário chinês vieram à luz em 2022, mas crise teve fatores estruturais e conjunturais; temor atual é que grupos como Country Garden e Vanke se juntem à Evergrande, hoje em liquidação

Roberto de Lira

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A crise imobiliária da China pode piorar? Essa pergunta tem sido feita por especialistas nos últimos dias, após notícias nada animadoras. A já problemática incorporadora Country Garden reportou nesta semana o atraso no pagamento de juros de um título e a Vanke teve sua classificação de crédito rebaixada para “junk” pela Moody’s na segunda-feira (13). O maior temor é que as duas se juntem em breve à outrora gigante Evergrande, que está em liquidação.

Isso tudo em meio a declarações do ministro da Habitação da China de que o governo manterá sua decisão de não resgatar os enrascados promotores imobiliários do país.

“As empresas imobiliárias que estão gravemente insolventes e perderam as suas capacidades operacionais devem ir à falência e ser reestruturadas, de acordo com os princípios do Estado de Direito”, disse Ni Hong, em entrevista coletiva na semana passada.

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Soma de problemas

Na verdade, a crise imobiliária chinesa  já dura anos e tem aspectos tanto estruturais quanto conjunturais, lembra um estudo da Swiss Re. Houve tanto fatores cíclicos – como o abrandamento do crescimento do rendimento durante a pandemia de covid-19 – como fatores estruturais, incluindo a redução da população em idade ativa, a diminuição dos retornos dos investimentos e o crescimento mais lento da produtividade.

O modelo de negócios das incorporadoras chinesas é de pré-venda de moradias, estratégia arriscada, mas que funcionou bem durante a bonança dos tempos em que o país crescia a taxas de mais de 10% ao ano e com crédito farto.

Com empresas fortemente alavancadas, o ciclo global de subida das taxas de juro de 2022-2023 desencadeou vários incumprimentos na China, especialmente na dívida denominada em dólares, incluindo parte de grandes promotores imobiliários.

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Os efeitos são imensos: calcula-se que existam centenas de milhares de chineses que compraram casas e apartamentos dessas incorporadoras e agora não têm a menor ideia se os projetos serão concluídos. Imagens de grandes esqueletos de prédios são frequentes na imprensa local e global.

Crise de confiança

A crise atingiu a confiança das famílias e das empresas, travando o crescimento interno e aumentando o risco de uma armadilha de liquidez. “Os efeitos de repercussão na economia resultaram principalmente da queda do investimento e do consumo, que se estima afetar cerca de 24% das cadeias de valor relacionadas com o setor imobiliário que constituem o PIB”, diz o relatório da Swiss Re.

A seguradora global estima uma redução do investimento no setor imobiliário chinês 0,5 pontos percentuais e 0,7 p.p. do PIB em 2024. Isso para uma previsão de crescimento anual da economia em 4,5%.

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Ainda assim, especialistas acreditam que o risco de incumprimento sistêmico é limitado, dada a estrutura da dívida do setor imobiliário e os esforços do governo para ajudar a desalavancagem nos últimos anos.

As dívidas pendentes dos proprietários e dos promotores imobiliários atingiram o pico em 2020. No terceiro trimestre de 2023, já haviam diminuído para 30,8% e 13,0% do PIB, respetivamente. E as taxas mais baixas em nível mundial também deverão aliviar as pressões financeiras.

Mão do governo

Ainda que não queira passar a mensagem de que podem ajudar os especuladores, o governo tem se mexido em busca de soluções. O recente relatório de trabalho apresentado na reunião “Duas Sessões” apelou à aceleração da promoção do que foi chamado de “um novo modelo de desenvolvimento imobiliário”, destacou a agências de notícias estatal Xinhua.

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Essa intenção vem se somar a medidas adotadas no ano passado, que incluíram condições hipotecárias favoráveis, taxas de juro mais baixas e benefícios fiscais, tudo para tentar reforçar a confiança e neutralizar os riscos no setor.

Para este ano, a China promete se concentrar no planeamento e construção de habitação a preços acessíveis e no avanço da construção de infraestruturas públicas e na renovação de 50 mil antigas comunidades residenciais urbanas.

Devem ser modernizados ainda mais de 100 mil quilômetros de dutos subterrâneos para gás, água, esgotos e aquecimento. O governo acredita que essas medidas vão aumentar a demanda pelo setor imobiliário.

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Especificamente sobre a Vanke, Sok Yin Yong, analista de renda fixa para a Ásia na Julius Baer, acredita não ser do interesse do governo deixar a empresa quebrar. Ele destaca que a empresa tem fortes ligações com a rica província costeira de Shenzhen e que há uma previsão oficial que os fundos geridos pelo governo local aumentem 0,1% este ano, impulsionados pelas vendas de terrenos.

“Não seremos, portanto, surpreendidos por ver um resgate liderado pelo estado para Vanke. É do interesse do governo garantir que alguns promotores, especialmente os maiores e mais fortes, sobrevivam a esta crise imobiliária para ajudar a atingir a meta de receitas.”