CPI dos EUA desacelera, mas núcleo resiliente fortalece tese de que o Fed vai optar por pausa nos juros

Preços de moradia voltam a trazer preocupação sobre prazo necessário para a inflação convergir para a meta de 2%

Roberto de Lira

(Shutterstock)

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O índice de preços ao consumidor (CPI, na sigla em inglês) dos Estados Unidos voltou a apresentar em maio o comportamento já observado em abril, com o indicador cheio do mês indicando desaceleração, mas com a leitura qualitativa do núcleos e de alguns grupos de produtos e serviços apontando para uma resiliência que favorece o discurso de cautela por parte do Federal Reserve. Entre os pontos de atenção, economistas destacam a reaceleração do grupo de moradia (“shelter”) no mês.

O CPI variou 0,1% na comparação entre maio e abril e desacelerou de 4,9% para 4,0% na leitura acumulada em 12 meses. Mas o núcleo da inflação teve a mesma variação de 0,4% no mês e recuou apenas de 5,5% para 5,3% em 12 meses.

Matheus Pizzani, economista da CM Capital, destaca em seu comentário exatamente a disparidade entre o que sugere o dado puramente quantitativo e a realidade da inflação lida a partir da composição qualitativa do indicador.

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Ele lembra que a desaceleração do índice cheio foi impactada de maneira significativa por itens voláteis, como os preços de energia, que tiveram a terceira deflação mensal (-3,6%) seguida, puxados pela queda de gasolina (-5,6%) e óleos combustíveis (-7,7%). Esses preços, reforça, geram efeitos indiretos para grande parte dos grupos que formam o CPI.

Ainda no campo dos itens mais voláteis, ele cita o grupo de alimentação, que teve alta de 0,2% após dois meses sem apresentar variação. Os preços da alimentação no domicílio subiram apenas 0,1% no mês, enquanto a alimentação fora do domicílio avançou 0,5%.

Mas o economista da CM Capital classifica como preocupante a estabilidade de 0,4% no núcleo do CPI norte-americano pelo quarto mês consecutivo, desta vez fortemente afetado pela manutenção da alta de 4,4% nos preços de veículos usados.

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“Desempenho ainda pior foi visto no caso das métricas subjacentes, com destaque para mais um avanço dos preços de habitação (+0,6%) e da retomada do crescimento dos preços dos serviços de transporte (+0,8%), que voltaram ao patamar positivo de forma robusta após uma deflação de 0,2% no mês anterior”, alerta Pizzani.

Ele comenta ainda que chama atenção o fato de o resultado acumulado em 12 meses de ambos os índices se encontrar em patamar extremamente elevado para a conjuntura atual, com o grupo de habitação fechando maio com alta de 8%, enquanto os serviços de transporte registraram expansão de 10,2%.

“Considerando que os membros do comitê de política monetária do Fed levarão em consideração o conjunto de dados divulgados no intervalo das reuniões para sua tomada de decisão, o cenário passa a ser cada vez mais pessimista ao incorporarmos a divulgação do CPI de hoje”, analisa.

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Sobre os preços da habitação, Pizzani destaca que o grupo possui uma característica muito peculiar dentro do universo da inflação, refletindo simultaneamente o impacto da memória inflacionária dos agentes e os aspectos de oferta e demanda do momento presente, o que significa maior pressão inflacionária em economias com bom nível de atividade, que é o caso dos Estados Unidos.

No caso dos serviços de transporte, o economista comenta que eles têm grande capacidade de refletir aspectos conjunturais da economia, uma vez que são demandados especialmente quando há melhor nível de atividade econômica. Assim, a perspectiva de desaceleração acentuada da economia dos Estados Unidos, condição tida como necessária pelo Fed para finalização do ciclo de aperto monetário, parece ainda não se concretizar quando se analisam esses dados.

Essa leitura, diz Pizzani, reforça a perspectiva da CM Capital de que o Fed poderá fazer um novo reajuste de 25 pontos-base na taxa de juros na reunião desta quarta-feira (14). A opinião destoa do consenso de mercado, que aposta numa pausa. O cenário de um mercado de trabalho ainda demasiadamente apertado e de benefícios de inflação colhidos majoritariamente a partir da queda nos preços de energia, sem melhora do núcleo, justificam essa visão, segundo o economista.

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Claudia Rodrigues, economista do C6 Bank, acredita que a composição do núcleo do CPI mostra que a inflação de bens já não é mais uma preocupação, mas concorda que a inflação de serviços continua sendo um desafio. “O setor segue pressionado por um mercado de trabalho ainda aquecido. O preço dos aluguéis tem se mostrado resiliente, mas deve começar a desacelerar à frente”, afirma.

Mesmo observando que o núcleo da inflação segue persistente e bem acima da meta do Fed de 2% ao ano, Claudia acredita que a autoridade monetária dos EUA deve optar por uma pausa na reunião desse mês, conforme sinalizado na reunião anterior, para avaliar o impacto da política monetária já implementada até o momento sobre a economia. “Essa provável pausa não deve significar, no entanto, o fim do ciclo de alta de juros”, ressalta.

“Acreditamos que o Fed indicará na reunião de amanhã que mais aumentos podem ser necessários à frente, em razão da inflação persistente e elevada. Em nossa visão, a taxa de juros no fim do ciclo deve alcançar um patamar pouco acima do atual. Além disso, acreditamos que os juros devem permanecer elevados por um longo período para desacelerar a inflação. Não prevemos cortes nos juros até meados de 2024.”

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Andressa Durão, economista da ASA Investments, também diz não acreditar que o resultado do CPI de hoje possa mudar a perspectiva para o Fomc, pelo fato de o indicador ter vindo basicamente em linha com as projeções.

“Ou seja, a decisão de amanhã deve ser de pausa, com o Fed indicando que está dependente de dados para as próximas reuniões. Então, os próximos dados de mercado de trabalho e inflação pesarão mais na decisão de julho”, prevê.

Preços de moradia preocupam

Gustavo Cruz, estrategista-chefe da RB Investimentos, também crê que o CPI de maio trouxe informações suficiente para dar ao Fed tranquilidade na decisão de pausar o ciclo de alta amanhã, enquanto acompanha os dados de atividade econômica e de variações de preços.

No entanto, ele vê sinais desafiadores na abertura dos dados divulgados hoje. “A parte de moradia, que dá quase um terço da inflação americana, voltou a acelerar. Tinha desacelerado no mês anterior para 0,4% na comparação mensal e foi para 0,6% de novo. Em 12 meses, foi para 8%”, comenta.

Para Cruz, isso talvez seja uma grande pedra no meio do caminho do Fed na batalha para levar a inflação para a meta de 2%.

Ele diz que os preços de energia estão devolvendo o choque de alta do ano passado – caíram 3,6% no mês e 11,7% em 12 meses. Já os preços de alimentos subiram 0,2%, ficando em 6,7% em 12 meses, o que ainda é um patamar alto.

Mesmo com a surpresa ruim dos preços de moradia, especialmente dos aluguéis, o estrategista da RB afirma que o Fed tem tempo para buscar a convergência para a meta de 2% na inflação. “O banco central está falando para o mercado que vai entregar a inflação na meta no final do ano que vem ou em 2025. Tem um ano e meio para fazer esses preços caírem, um tempo relevante”, diz.

Para este ano, a RB está mantendo a expectativa de uma inflação em 3,5%. “Desde que bateu o pico de 9,1% em junho do ano passado, exatamente um ano atrás, a gente está vendo uma queda considerável da inflação”, afirma.

Ele lembra que o CPI havia se estabilizado no primeiro trimestre deste ano, caindo em ritmo menor, mas agora começa a recuar num ritmo mais forte.

Alexandre Lohmann, estrategista-chefe da Constância Investimentos, destaca que o núcleo da inflação de bens subiu 0,43% na variação trimestral, enquanto o núcleo de serviços teve uma ligeira queda de 0,06% e que essas duas variações se compensam. “O que temos é uma resiliência da medida da inflação subjacente nos EUA, o que deve limitar o ajuste das expectativas da política monetária”, comenta.

Lucas Zaniboni, economista da Garde Asset Management, afirma que o dado de inflação de maio trouxe boas notícias para o Fed. “Apesar de uma variação mensal ainda forte, principalmente nos núcleos, em geral ela foi pressionada por itens que devem desacelerar nos próximos meses, como métricas de aluguéis e carros usados”, pondera.

“Para a reunião de amanhã, acreditamos que o número sacramenta uma ‘pausa hawkish’, em que o Fed mantém a taxa de juros constante, mas sinaliza que o ciclo ainda não acabou, provavelmente subindo suas projeções de juros para o fim do ano. Acreditamos também numa última alta em julho, com esse ciclo de juros se encerrando no intervalo entre 5,25% e 5,5%.”