Banco Central mudará o tom sobre juros? Uso de plural (ou não) pelo Copom gera debate

Em janeiro, o Comitê sinalizou reduções de 0,50 p.p. “nas próximas reuniões", mas risco de inflação cresceu desde então; economistas divergem sobre momento de retirar esse plural do "guidance"

Roberto de Lira

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Um pequeno pedaço da comunicação do Banco Central (BC) na sua decisão de política monetária concentra toda a expectativa do mercado financeiro nesta quarta-feira (20). Com a decisão de cortar os juros para 10,75% já dada e a convicção de que a mensagem principal do Copom ainda será de cautela, a incerteza está na sinalização para as reuniões futuras.

A decisão de reduzir em 0,50 ponto percentual a taxa Selic nesta reunião foi antecipada pela própria autoridade monetária no último encontro, em janeiro  ao manter na comunicação a sinalização de que os membros do Copom estavam antevendo uma redução de mesma magnitude ( 0,50 p.p.) “nas próximas reuniões”. Assim, o debate hoje no mercado é sobre quais impactos que a retirada ou não desse plural no comunicado podem trazer para as expectativas.

Isso não significa nem um preciosismo nos detalhes ou apenas uma questão de semântica. Essa sinalização, ou “forward guidance”, no jargão dos economistas, foi defendida recentemente pelo diretor de Política Monetária do BC, Gabriel Galípolo, como crucial para a redução da volatilidade e para a ancoragem em torno da comunicação do Copom, melhorando expectativas para a inflação deste ano e gerando efeito positivo na curva de juros.

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O ponto que os economistas estão divergindo é que os últimos dados de atividade e do mercado de trabalho já interferiram na inflação de curto prazo e começam a colocar em risco as expectativas da tendência do IPCA em direção à meta. Assim, poderia ser arriscado “contratar” novamente duas quedas da Selic de 50 pontos-base.

Por outro lado, existe uma ala de economistas alertando que retirar o “guidance” de uma vez pode gerar incertezas sobre o tamanho e a duração do ciclo de cortes de juros.

Para a XP, por exemplo, essa discussão é relevante e o Copom manterá o “forward guidance” no plural uma última vez, mas poderá optar por explicitar no comunicado oficial que a sinalização depende da evolução do cenário.

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O relatório da XP destaca que alguns membros do BC têm enfatizado, em discursos públicos, que o “guidance” não deve ser confundido com determinação de juros. “Caso os riscos mencionados se concretizem, o Copom poderá ajustar a comunicação na reunião de maio e sinalizar um ritmo mais lento antes do esperado”, diz o texto.

“Mas acreditamos que isso não precisa ser feito agora, já que pelo menos três cortes adicionais de 0,50 p.p. – incluindo o desta semana – parecem, de longe, o cenário mais provável”, diz o relatório, que aposta ainda na inclusão do risco do mercado de trabalho aquecido.

Para Rodrigo Azevedo, economista chefe da GT Capital, “sem dúvida um ajuste na linguagem utilizada pelo Comitê é o principal ponto a ser analisado pelo mercado, pois desde o início dos cortes, em agosto, o discurso vem sendo o de ‘antecipar’ pelo menos as duas próximas reuniões.”

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Prudência

Leonardo Costa, economista da ASA Investments, também defende que alterar essa parte do comunicado neste momento pode ter repercussão negativa nas apostas do mercado sobre o atual ritmo de queda de juros.

“Nos últimos meses tivemos o núcleo da inflação de serviços rodando em nível bastante elevado e dados de atividade indicando ritmo forte no começo do ano, o que é lido como sinal de resistência ou desaceleração gradual da inflação em direção à meta. Deste modo, acreditamos que seria mais prudente esperar mais um pouco para efetuar a alteração”, explica.

Para a Kínitro Capital, o Copom tem condições de manter o “guidance” atual, no plural, sem prejuízos à condução da política monetária.

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“No entanto, o mais importante é ajustar a sua comunicação de modo a preservar a natureza condicional de suas sinalizações, seja no plural ou no singular, esclarecendo que ela é válida com o cenário-base deles se materializando. Isso evita uma volatilidade desnecessária nos preços dos ativos e revisões nas taxas terminais da Selic”, defende a gestora.

Chance de mudança

Mas o Goldman Sachs avalia em relatório que há uma probabilidade significativa de que a sinalização será ajustada ou até mesmo totalmente abandonada.

“Ajustar a orientação daria ao Copom graus extras de liberdade para calibrar o ritmo da flexibilização, dado um cenário de inflação interna ainda complexo e um ambiente externo incerto. Na nossa avaliação, o custo da alteração da orientação só aumentaria à medida que se avançasse no ciclo de flexibilização”, diz o banco de investimentos.

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Em termos de probabilidade, o Goldman Sachs ainda coloca como maior a chance de o BC manter a orientação de “ mesmo ritmo para as próximas reuniões”, porém reforçando que a  natureza condicional dessa sinalização. a orientação. Ou seja, o compromisso estaria atrelado à materialização do cenário de referência.

Mas o banco vê como possível um encurtamento da orientação, eliminado o plural de “ reuniões ”. Com isso, o mercado passaria a esperar condicionalmente outros 50 pontos-base apenas para a próxima reunião. A última opção, de o BC abandonar de vez o “guidance” tem chance muito menor.

Passou do ponto?

O BC teria estendido demais essa orientação? Gustavo Sung, economista chefe da Suno Research, acredita que sim. “Esperávamos que essa alteração já tivesse ocorrido. Agora, diante de declarações recentes de membros do Copom, a expectativa é de uma mudança nas sinalizações futuras no comunicado desta semana”, afirma.

Segundo ele, se a mudança ocorrer agora, é provável que a incerteza e os riscos para a autoridade monetária estejam aumentando. Mas ele pondera que isso não significará necessariamente que os membros já enxergam uma piora do cenário, que vão alterar o ritmo de cortes na taxa de juros ou prevejam uma Selic terminal maior. “Estão apenas se desamarrando e dando mais liberdade para entender os dados e atuar de forma mais cirúrgica sobre a economia”, explica.

No entanto, Sung afirma que, se o BC mantiver  o plural “próximas reuniões”, vai sinalizar estar confortável com os rumos da inflação, além do cenário doméstico e do externo. Isso implicaria em cortes de 50 pontos-base já programados até a reunião de junho deste ano.

Sendo assim, por que o BC optaria por retirar essa parte de sua comunicação? Cláudia Moreno, economista do C6 Bank, tenta responder essa questão. Para ela, quando o BC colocou essa frase, a ideia era segurar um pouco o mercado em relação à expectativa de aceleração no corte. “Isso já morreu, já não é mais necessário e seria um motivo para ele querer retirar a frase”, comenta.

Ela lembra ainda que dois diretores do BC comentarem sobre esse “guidance” das próximas reuniões muito recentemente, o que sugere que talvez eles já estejam tentando tirar um pouco do valor dessa orientação, para conseguir fazer a mudança sem causar um impacto muito forte no mercado.

“Acho que o principal receio seria ele tirar esse ‘guidance’ e o mercado começar a esperar uma trajetória de Selic mais alta para frente, de alguma forma”, destaca.

Ponderando esses impactos, a economista do C6 Bank conclui que a autoridade monetária vai retirar o “guidance” de duas próximas reuniões. “Primeiro, a gente está já chegando perto do fim do ciclo, então faria sentido tirar isso para dar um pouco mais de flexibilidade na atuação de política monetária. E, segundo, porque de fato a gente está vendo uma persistência da inflação de serviços”, comenta.

Luis Cezário, economista chefe da Asset 1, concorda e afirma que, no atual contexto mais incerto, seria prudente que o “guidance” fosse alterado para indicar que o Comitê vê como adequada a manutenção do ritmo de redução da taxa de juros na próxima reunião.

“Ao colocar a expressão do ‘guidance’ no singular, o BC ganharia mais flexibilidade para reagir a eventuais mudanças no seu cenário base. Por ora, estimamos que o banco central reduzirá a taxa Selic para 9.0% no final do ciclo. Contudo, avaliamos que o balanço de riscos tem piorado e isso pode resultar em uma taxa terminal um pouco mais alta.”

Para o Itaú, o mais provável é que a prescrição seja mantida nesta reunião, ainda que com ressalvas, exatamente para evitar um aumento da volatilidade em relação às expectativas para decisões futuras. “Um tom significativamente diferente entre o comunicado e a ata poderia prejudicar a compreensão, por parte dos agentes, da estratégia de política monetária”, alerta o banco.