Copom decide sobre juros em meio a incertezas a respeito do ritmo de cortes

Avaliação de economistas é que cenário se deteriorou, especialmente no campo externo e que não vai haver sinalização sobre reuniões à frente; mas há divergências sobre o tamanho do corte hoje

Roberto de Lira

Sede do BC, em Brasília - 22/03/2022 (Reuters/Adriano Machado)

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Pela primeira vez em muitos meses, o Comitê de Política Monetária (Copom) se reúne para definir a taxa básica de juros (Selic) sem que exista um consenso entre os economistas sobre a decisão a ser tomada. O diagnóstico é que a comunicação da última reunião, em março, quando os diretores do BC disseram antever uma redução de mesma magnitude do corte de 0,50 ponto percentual, pode ter perdido força. O motivo é que o cenário traçado se deteriorou, tanto no campo doméstico como, especialmente, no exterior.

Na reunião de 20 de março já existiu um tom de alerta por parte do BC, com a constatação de que a incerteza havia aumentado, tornando o processo de desinflação mais lento. Por isso, houve alteração na sinalização – o chamado “forward guidance” – com a expressão de cortes de igual magnitude “nas próximas reuniões” passando para o singular “na próxima reunião”.

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Agora, vários economistas acreditam que o corte anunciado de 0,50 p.p. definitivamente subiu no telhado. E quase todos apostam que não haverá sinalização no comunicado nessa quarta-feira.

Essa é a opinião da equipe da XP, revela o economista Rodolfo Margato. “Nossa interpretação é de que, como houve ampliação adicional das incertezas, especialmente no cenário internacional, aquele ‘forward guidance’ entregue pelo Copom na última reunião e nos últimos documentos não vale mais. Ou pelo menos perdeu peso à luz dos últimos desenvolvimentos”, analisa.

Entre esses desenvolvimentos piores que o esperado, Margato lista a demanda doméstica ainda sólida, expectativas inflacionárias mais altas – especialmente para 2025 -, nível de taxa de câmbio mais depreciado e a reprecificação de juros do Fed, uma vez que o corte de juros nos Estados Unidos projetado para junho foi adiado, no mínimo para algumas reuniões à frente.

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Claudia Moreno, economista do C6 Bank concorda. “Houve alguma deterioração do cenário. A gente está vendo o câmbio um pouco mais depreciado, uma piora das expectativas de inflação e essa expectativa de uma taxa Selic mais alta por parte do Boletim Focus”, lembra.

Assim, tanto a XP como o C6 Bank esperam que o BC faça um corte de 0,25 p.p. nessa reunião, levando a Selic para 10,50%.

Visão diferente

Mas mesmo assumindo que o cenário piorou, alguns especialistas alinda veem margem para o Copom “manter a palavra” e fazer um corte de magnitude igual ao das últimas seis reuniões. É o caso da Suno Research.

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O economista chefe da Suno, Gustavo Sung, adverte que há muita volatilidade no curto prazo e diz não acreditar que o BC deva mudar ou alterar seu comportamento diante desses dados apenas das últimas semanas. “Ele precisará entender melhor a evolução do cenário para tomar uma decisão mais correta”, explica.

Esse é o mesmo entendimento de Rodrigo Azevedo, economista chefe e sócio-fundador da GT Capital. Ele destaca que o cenário negativo pós último Copom acabou por validar a decisão da mudança de ‘forward guidance’ do plural para o singular, dando mais liberdade para os próximos passos de política monetária a partir de junho.

“Desta forma acredito que seja mantido o corte de 0,50 p.p. para a reunião de maio, com um corte de 0,25% para junho, não havendo grande melhoria nos índices domésticos e internacionais.”

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Comunicado do Copom mais duro?

Se a decisão a ser tomada hoje ainda gera dúvida, o que todos esperam é que o Copom “endureça” um pouco a linguagem, para ressaltar a o momento delicado. Margato, da XP, acredita que a comunicação e a sinalização vão trazer a elevação das incertezas, especialmente  no cenário global. “Como fator de destaque, as novas perspectivas para a política monetária nos Estados Unidos, movimentos fortes das taxas de juros e tensões geopolíticas.”

Mas ele também crê que deva haver algum comentário sobre fatores domésticos, uma vez que a demanda local se mantém firme e permanece a trajetória de alta dos salários reais, com o mercado de trabalho apertado.

E, ainda que o BC evite maiores comentários sobre a política fiscal, os efeitos potenciais desses riscos sobre a taxa de câmbio e sobre outros ativos devem aparecer, além das expectativas inflacionárias de médio prazo. “Pelo menos indiretamente deve haver uma menção ao aumento das incertezas e da percepção de risco doméstico. Mas o maior destaque, ou seja, mais tinta será sobre as mudanças no ambiente econômico internacional.”

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Marco Antonio Caruso, economista chefe do PicPay, por sua vez, lembra que, nos eventos públicos, Roberto Campos Neto tem gasto um tempo considerável analisando o cenário internacional vis-à-vis as incertezas fiscais, renovadas depois da revisão das metas de resultado primário para a segunda metade do governo Lula.

“Sendo assim, me parece que o front internacional vai ganhar maior atenção, em que pese o fato de o real ter desvalorizado mais do que outras moedas pares em abril, o que sugere que o front doméstico também tem peso importante na piora”, comenta.

Claudia Moreno, do C6 Bank, é outra economista a prever que o comunicado não vai se fixar apenas no cenário externo, uma vez que também há preocupações em relação ao cenário doméstico.

“A inflação de serviços segue alta e preocupante, e o mercado de trabalho aquecido. Isso deve ser mencionado pelo comunicado do BC. O aumento das expectativas de inflação também é algo que vai ser comentado porque atrapalha a convergência da inflação para a meta. E, por último, o BC deve falar na piora da perspectiva fiscal, diante dessa revisão para baixo na meta de superávit primário para 2025 por parte do governo.”

Já Sung, economista da Suno, aposta que o tom do comunicado vai ser um pouco mais duro, ou ao menos mais cauteloso diante dessas incertezas.

Selic ‘terminal’

Outro ponto em comum entre os economistas é que foi feita uma revisão nas últimas semana sobre a taxa Selic final de 2024, chamada de “terminal” pelo mercado financeiro.

Na XP, que já trabalha com uma desaceleração no ritmo de corte de juros a partir de maio, são esperados três cortes sucessivos de 0,25 p.p. nas próximas decisões do Copom, levando a taxa básica de juros dos atuais 10,75% para 10%. Antes dos desenvolvimentos das últimas semana, Rodolfo Margato lembra que a projeção estava em 9%.

“Até respaldando essa mudança na política monetária, promovemos algumas mudanças para as expectativas para a taxa de câmbio: projetamos agora R$ 5,00 por dólar no final de 2024 e nosso cenário-base anterior tinha R$ 4,70 para o final do ano. Um projeção que aparecia no cenário desde setembro do ano passado.”

Na Suno, que ainda acredita que o corte de 0,50 p.p. é possível na reunião de hoje, a projeção para a Selic está mantida em 9,50%.

O C6 Bank estava em momento de revisão de projeções quando foi procurada pela reportagem, mas a economista Claudia Moreno comentou que uma Selic compatível com uma inflação de 3% pelo modelo do BC seria de algo acima de 9,5% ao final do ano. Mas que, em função de toda a comunicação mais dura de Campos Neto nas últimas semanas, a Selic tende a terminar 2024 mais perto dos 10%.

O PicPay, por sua vez, já reviu suas contas. “Mudamos o cenário básico de Selic terminal de 9,5% para 10%, com três cortes de 25 pontos-base, essencialmente por dois motivos: o primeiro é a própria sinalização do presidente do BBC, depois da piora dos mercados e da reprecificação dos juros internacionais e do câmbio”, diz Caruso.

O segundo elemento, segundo o economistas, é pela parte quantitativa. “Quando atualizamos o modelo do BC, o IPCA 2025 sairia de 3,2% para 3,4% com as premissas atualizadas até hoje. Para voltar aos mesmos 3,2% de IPCA, que na visão deles já seria um IPCA ao redor da meta ao redor de 3%, seria preciso exatamente uma Selic ao redor de 10%.”