Consumo das famílias deve ser destaque na divulgação do PIB do 2° trimestre, dizem analistas

Período teve desaceleração da inflação e mercado de trabalho aquecido; setor agrícola deve mostra retração na margem, após forte 1° trimestre

Roberto de Lira

(Getty Images)

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Após a forte alta de 1,9% do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil no primeiro trimestre de 2023, a economia deve ter crescido em ritmo menor no período entre abril e junho e com um detalhamento mais equilibrado. Se no início do ano, o setor agrícola carregou o desempenho da economia para cima, no segundo trimestre, os serviços e o varejo terão o papel principal, segundo analistas.

As projeções para a variação do PIB no 2º trimestre em relação ao primeiro variam de acordo com o peso que cada banco ou casa de investimentos dá para a temperatura do consumo das famílias no período, marcado pela desaceleração da inflação e pelo mercado de trabalho ainda aquecido.

Claudia Moreno, economista do C6 Bank, por exemplo, estima que o IBGE deve divulgar na sexta-feira (1° de setembro) que produto interno brasileiro cresceu 1,1% na comparação com o primeiro trimestre e 3,6% ante o segundo trimestre do ano passado.

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“Esperamos que o consumo das famílias tenha registrado uma alta de 1,5% neste trimestre, impulsionado pelo setor de serviços e pela expansão do varejo. Para o segundo semestre, o consumo deve desacelerar, porém encerrar o ano com alta de 1,5%, aproximadamente”, prevê.

Já para o setor agropecuário, a projeção é de uma contração de 2,2%. Mas isso após o forte  crescimento de 21,6% no trimestre anterior, motivado pela supersafra de grãos. Com isso, mesmo desacelerando, a estimativa é que o PIB agrícola feche o ano crescendo sólidos 12%.

O ponto negativo no trimestre devem ser novamente os investimentos, medidos pela Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), que continuam a sofrer impacto do juro real elevado ao longo de todo o ano e deve vir negativo mais uma vez.

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Para 2023, o C6 Bank mantém sua projeção de expansão de 2,5% n PIB, com perspectivas fracas à frente também crescimento mais moderado em todo o mundo, influenciado pelo aperto monetário dos principais Bancos Centrais.

Rodolfo Margato, economista da XP Investimentos, também diz em relatório ter avaliado a economia brasileira em trajetória de crescimento no segundo trimestre, embora perdendo fôlego ante os bons número do trimestre inicial do ano. A estimamos é que que o PIB tenha aumentado 0,5% na comparação trimestral e 2,8% na anual.

Um destaques deve ser o PIB de Serviços, segundo o economista da XP, que aponta o décimo segundo trimestre consecutivo de aumento, embora com sinais mistos entre seus componentes. De acordo com as estimativas de Margato, o PIB total de Serviços expandiu-se  7% na comparação trimestral e 2,3% na anual.

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Ainda de acordo com a XP, o varejo avançou 1,8% no 2º trimestre, os serviços de armazenamento de transporte  cresceram 1,3% e os serviços de comunicação e informação foram 1,2% mais altos.

“No entanto, não acreditamos que estas atividades manterão o forte ritmo de crescimento daqui para frente. Por exemplo, as vendas no varejo foram influenciadas pelo programa temporário do governo direcionado ao setor automotivo, enquanto os serviços de transporte colheram frutos de uma produção agrícola recorde.”

Margato também considera que a Agropecuária deve perder o protagonista observado nos primeiros três meses do ano, devido à dissipação do efeito da colheita recorde de grãos, especialmente da soja. A projeção é uma queda de 2,8% no trimestre, mas o resultado semestral e anual deve ser ainda bem positivo.

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Ainda do lado da oferta, a expectativa é que o PIB da Indústria deverá apresentar um crescimento moderado no trimestre (+0,6% na comparação trimestral e 1,2% na anual, com um papel mais preponderante da extrativa de mineração.

Enquanto isso, a indústria de transformação e a construção civil vão mostrar crescimento modesto no trimestre, longe de compensar as perdas significativas observadas nos dois trimestres anteriores. “Essas atividades provavelmente permanecerão em trajetória descendente no curto prazo”, diz Margato no relatório.

“Do lado da demanda, a absorção interna retomou o crescimento no 2º trimestre, mas a tendência de arrefecimento persiste. Enquanto isso, calculamos uma pequena contribuição negativa do setor externo no último trimestre, após uma forte adição líquida no 1º trimestre.”

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Para a XP, os dados recentes confirmam a desaceleração gradual da atividade econômica brasileira, tendência que deve continuar nos próximos trimestres. “As condições de crédito restritivas, a dissipação do impulso “pós-covid” e o choque positivo agrícola, bem como uma moderação no mercado de trabalho apoiam este prognóstico”, diz o texto.

A projeção para o crescimento do PIB em 2023 permanece em 2,3%, mas com viés de alta, devido ao desempenho do primeiro semestre acima do estimado.

O Itaú, por sua vez, espera que o PIB tenha crescido 0,3% na comparação com o primeiro trimestre de 2023 e 2,7% no confronto com o resultado do segundo trimestre de 2022. Em relatório assinado por Natalia Cotarelli e Matheus Fuck, o banco também considera que o destaque no período provavelmente será a contribuição positiva do setor de serviços.

Essa atividade, segundo as estimativas do Itaú, cresceu 0,6% na margem. A indústria, por outro lado, deve ter ficado estável no período, enquanto o PIB agrícola caiu 2,4%, recuperando parte do forte aumento registrado nos três primeiros meses do ano. “No segundo semestre, esperamos uma ligeira desaceleração do crescimento do PIB, para 0,1% na margem, arrastada pela contribuição negativa do PIB agrícola”, diz o relatório.

Dentro de Serviços, o Itaú diz que o destaque deve ser de “outros serviços”, que inclui os serviços prestados às famílias, que acelerou para 1,4% no segundo trimestre, ante 0,2% nos três primeiros meses do ano na Pesquisa Mensal de Serviços (PMS) do IBGE.

“Do lado da demanda, destaque positivo para o consumo das famílias. Estimamos aumento de 3,0% em relação ao mesmo período do ano passado no consumo das famílias, impulsionado pelos estímulos fiscais – aumento do salário-mínimo e aumento do programa de auxílio Bolsa Família – e pela resiliência do mercado de trabalho.”

“Além disso, “varejo” (+1,4%), “transportes” (4,1%) e “tecnologias de informação” (4,6%) também devem ter contribuído para o crescimento do setor na margem.

O banco também acredita que o PIB industrial deverá apresentar estabilidade na margem e crescimento de 0,3% na comparação anual, ante 1,9% no 1º trimestre do ano. “Analisando a composição, esperamos desempenho misto, com contração em ‘indústria de transformação’ e ‘construção’ (-1,7% e -0,6% na comparação anual, respectivamente), mas avanço em ‘utilities’ (1,5%) e ‘sectores extrativos’ (5,0%).”

Também para o Itaú, a leitura de investimento provavelmente registrou queda de 2,1% na comparação anual, o que na margem vai significar um ligeiro aumento, após a queda acentuada no 1º tri. Já o setor externo deverá continuar a registar uma contribuição positiva, com destaque para o crescimento de 11,5% nas exportações.

Por fim o, Itaú diz esperar para o segundo semestre do ano uma desaceleração modesta do PIB, de 0,1% na margem, impulsionada pela contribuição negativa do PIB agrícola. Para o ano, o banco esperamos um crescimento de 2,5% do PIB em 2023.

Otimismo

O Bank of America (BofA), por sua vez, fez uma revisão bem otimista para o desempenho da economia brasileira. No geral, a estimativa para o crescimento do PIB é de 0,8% no trimestre ante os primeiros três meses de 2023.

Para o banco de investimentos, a valorização do real em relação ao dólar estimulou as importações no período, notadamente as de bens de capital.

“Acreditamos que os investimentos compensaram parcialmente a contração marginal do 1º trimestre. A demanda interna provavelmente aumentou 0,6%. Do lado da oferta, embora a agricultura deva apresentar uma leitura negativa, a indústria deverá mover-se lateralmente, enquanto as receitas reais provenientes dos serviços deverão acelerar na margem”, projeta.

O BofA acredita que o PIB brasileiro vai avançar 3% ao final do ano, ante uma projeção anterior de 2,3%. A revisão se deu tanto pelo desempenho acima do esperado no 1º trimestre quanto pelas exportações líquidas mais fortes e por expectativas de investimento menos negativas.

“Embora pouco tenhamos mudado a nossa visão sobre o consumo privado, a força do mercado de trabalho continuou a surpreender-nos positivamente. Esta resiliência tem sido apoiada pela mudança nas preferências dos consumidores em relação aos serviços desde a pandemia, refletida no emprego setorial no nível de contribuição mais elevado da série e pela baixa taxa de participação no mercado de trabalho.”

O banco também atualizou a expectativa de crescimento do PIB em 2024 para 2,2%, ante uma estimativa de 1,8% anteriormente.

Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating, acredita que o setor do agronegócio deve manter bom desempenho no segundo trimestre, porém, com ímpeto muito menor que o observado no primeiro trimestre. Já o setor da indústria deve seguir decepcionando, principalmente pelo baixo nível de investimento.

“O setor de Serviços, ainda que o segundo trimestre tenha pouca atividade pelo padrão histórico, dessa vez pode apresentar alguma surpresa positiva, em virtude do ajuste ainda em curso dos efeitos colaterais da pandemia, mas nada tão relevante.”

Os investimentos devem decepcionar no trimestre, em virtude das incertezas que prevaleceram na primeira metade do ano, como os juros mais altos no Brasil e nas economias desenvolvidas, além da crise de confiança na China.

A projeção da Austin é de crescimento de 0,8% no 2º trimestre ante o 1º trimestre, já descontados os efeitos sazonais. Na comparação com o 2º trimestre de 2022, a expansão projetada é de 2,3%.

Sobre os meses à frente, Agostini diz ter expectativas otimistas. “O setor da indústria é muito forte no terceiro trimestre e o setor de serviços, no quarto trimestre, principalmente pelas atividades no setor de comércio. Com a queda dos juros e o restabelecimento dos canais de crédito das famílias e redução dos investimentos, muito provavelmente, o Brasil terá um segundo semestre melhor que o esperado”, afirma. “A não ser que fatores exógenos alterem o curso da economia global com efeitos sobre a dinâmica doméstica”, pondera.

Segundo ele, com alguns indicadores coincidentes apresentando resultados acima das expectativas, e melhora nos indicadores antecedentes, a Austin revisou em julho sua projeção para a evolução da economia de 2,0% para 2,4%ano ano.

Agostini vê um cenário um tanto desafiador para o Brasil para o ano que vem – a Austin projeta crescimento do PIB para 2024 de apenas 1,6%, mesmo com cenário de juros de apenas um dígito (9,0%). “Porém, o cenário internacional tem cada vez mais dissipado o risco de recessão e caminhando para um pouso suave”, afirma.

“As dúvidas recaem sobre a capacidade da China em administrar os riscos no setor imobiliário e a reversão da confiança das famílias e a deflação em um contexto de poucas alternativas de estímulo econômico. Outro desafio é o clima cada vez mais severo e que pode, mais uma vez, comprometer a oferta de alimentos no mundo e ter novamente um pico de alta dos preços”, diz Agostini.

João Lucas Tonello, analista da Benndorf Research,  prevê um crescimento de 0,4%, na margem do PIB do trimestre. Ele acredita que o setor agropecuário ainda deve trazer algum benefício ao resultado do 2º trimestre, embora intensidade menor. Espero algum efeito positivo da queda do desemprego e da inflação no consumo, principalmente de serviços. Vemos ainda a indústria pressionada. Mesmo com o Desenrola Brasil, devido ao prazo (começo de junho) os impactos serão mínimos.”

Pro restante do ano, Tonello diz que é crível apostar em uma retomada, influenciada pelo ciclo de cortes de juros, inflação mais contida, desemprego menor e programas de renegociação de dívidas, além do novo PAC. Boa parte desses efeitos, no entanto, deve vir no ano que vem.

“Podemos esperar uma melhora no consumo das famílias até o final do ano em razão da evolução do momento macroeconômico brasileiro, especialmente na frente do desemprego, que registra três resultados consecutivos de queda, e da inflação, que apresentou diminuição considerável nos últimos 12 meses e possibilitou o início do ciclo de cortes de juros”, comenta.

Ele destaca que, ao mesmo tempo que esses fatos ampliam a massa de rendimento das famílias, há também maior renda disponível com a inflação menor e o incentivo da demanda por crédito com os juros em queda. “Outro ponto positivo é o Desenrola, programa de renegociação de dívidas do governo, que contribuirá para reduzir o número de endividados e inadimplentes no país, que é recorde.”

Crescimento heterogêneo

A projeção do PicPay é que o PIB do 2º trimestre avance 0,3% na comparação trimestral e de 2,6% na comparação anual. “No segundo trimestre o crescimento econômico será mais heterogêneo, com destaque para o setor de serviços e o consumo das famílias sendo influenciado pelo aumento da renda distribuída, principalmente por meio das transferências governamentais e do mercado de trabalho aquecido”, comenta o economista Igor Cadilhac.

“Olhando à frente, é importante ficar de olho na resiliência que vem sendo observada tanto no setor de serviços como no mercado de trabalho. Porém, as nossas perspectivas para 2023 seguem bem moderadas. A ainda devemos sentir os efeitos defasados da política monetária”, afirma o economista do PicPay, que espera um crescimento de 1,9% no PIB do ano.

Segundo ele, das desacelerações econômicas estrangeiras, a que mais preocupa é a da atividade chinesa. “Além de ser a mais intensa, por estar ligada a fatores estruturais, a magnitude da parceria comercial com o Brasil é considerável, tendo em vista que a China é um importante demandante das commodities metálicas e agrícolas brasileiras.”

A projeção de André Nunes de Nunes, economista-chefe do Sicredi é que o Pin do 2º trimestre tenha crescido 0,2% ante o 1º trimestre e 2,5% ante o mesmo período de 2022. “Os dados das contas nacionais para o 2º trimestre devem mostrar uma aceleração no consumo das famílias. Projetamos uma alta de 0,6% no trimestre”, calcula.

Esse desempenho será fruto do mercado de trabalho ainda aquecido, com aumento do emprego e do rendimento – ainda que em menor grau – e dos programas de transferência de renda, diz o economista. “Contudo, à medida que os efeitos desses estímulos se dissiparem e o mercado de trabalho desacelerar, o consumo das famílias deve perder tração, e terminar o ano com crescimento de 1,8%.”

Sobre o investimento, Nunes afirma que, enquanto a política monetária se mantiver restritiva, o deve haver uma dinâmica fraca nessa conta até 2024. “Nossa projeção para o 2º tri é de retração na margem (-0,5%) e queda no final de 2023 (-2,2%). Com a redução dos juros ao longo de 2024, devemos observar gradual recuperação do investimento.”

Para o final de 2023 a estima para o PIB é de um avanço de 2,4%. Mais à frente, Nunes diz que o crescimento mais fraco do resto do mundo, em especial dos Estados Unidos e da China, deve impactar as exportações brasileiras e os preços das commodities, atuando no sentido de reduzir o crescimento projetado para 2024 e desvalorizar adicionalmente o câmbio. “Por outro lado, essa dinâmica pode ajudar a consolidar o processo de desinflação, contribuindo para queda dos juros.”

A projeção de Ricardo Jorge, especialista em renda fixa e sócio da Quantzed, é de uma evolução de 0,4% no PIB do 2º trimestre na margem e de 2,7% na comparação anual. Para 2023 as previsões, ele afirma que as estimativas estão muito voláteis, mas acredita num crescimento entre 2,1% e 2,30%.

Jorge, também destaca que a participação forte do setor agrícola observado no início do ano não deve se repetir. “A expectativa é que com a queda da Selic, setores ligados diretamente ao consumo devem se destacar, como varejo e construção por exemplo”, comenta,

O sócio da Quantzed afirma que o cenário tem se tornado mais positivo e a queda de juros vai contribuir ainda mais para o consumo interno, mas que há desafios. “A questão é que as famílias já estão muito endividadas e há frentes para alterar uma das principais ferramentas de consumo disponíveis atualmente que é o parcelamento do cartão de crédito. Se isso ocorrer, pode atrapalhar um pouco esse cenário para o consumidor final, pondera.

Jorge vê um cenário internacional bem incerto para os próximos meses. “Temos os países desenvolvidos enfrentando ainda uma crise inflacionária. Nos EUA, ainda há muitas dúvidas se o Fed vai continuar subindo juros ou não. E o Banco Central Europeu já se manifestou de que vai seguir essa linha dura contra a inflação”, analisa.

Sobre a China, a leitura é que o gigante asiático está cada vez mais apresentando dificuldades em se reestabelecer enquanto potência econômica. “O governo chinês já tem de várias formas tentado criar ferramentas para incentivar, principalmente agora, a área do setor imobiliário sem grande sucesso. Cada vez mais a gente vem observando dificuldades desse setor em específico.”