BC lista obstáculos para acelerar cortes na Selic e detalha discussão sobre PIB potencial, dizem analistas

Tanto a pressão do cenário externo quando as incertezas sobre a questão fiscal brasileira ajudam a construir visão sobre manutenção do ritmo

Roberto de Lira

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A Ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), divulgada nesta terça-feira (26) pelo Banco Central, reforçou a leitura do comunicado mais firme (“hawkish” no jargão do mercado financeiro) da semana passada. A avaliação de economistas é que foram detalhados muitos obstáculos e argumentos para que o ciclo de cortes da Selic não seja acelerado no curto prazo. E que a manutenção dessas condições pode até interferir no patamar final da taxa

Mirella Hirakawa, economista da AZ Quest, por exemplo, comenta que a Ata coloca não só argumentos para justificar a não aceleração nesse momento, mas também para questionar o ciclo como um todo.

“O primeiro ponto que trazem é que o momento atual é de muita cautela em relação ao setor externo, o segundo são os riscos da atividade econômica mais forte que a esperada”, afirma, destacando ainda a cautela com a situação fiscal, o principal motivo para a elevação do prêmio de risco da inflação implícita.

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Nessa avaliação externa, chamam a atenção os comentários sobre impactos em países emergentes tanto da magnitude das respostas às políticas contracíclicas da China, e os possíveis efeitos nos preços de commodities, como os riscos de elevação das taxas de juros nos países desenvolvidos, como  nos Estados Unidos.

Mirella cita ainda a discussão sobre tema como o hiato do produto (a diferença entre o PIB realizado e o potencial estimado para a economia) e sobre a taxa de juros neutra (que permite o crescimento da economia sem pressões inflacionárias. “Eles colocam um elevado grau de incerteza para ambos os lados, tanto parta um hiato mais fechado quanto para o hiato mais aberto”, explica. O BC optou, por ora, em manter a taxa no patamar atual, de 4,5%.

A economista lembra que a exposição desse argumentos dentro do Copom é importante porque, dependendo o lado para o qual o pêndulo tender, a política monetária terá de responder de uma forma diferente.

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Um visão mais suave (“dovish”) é que o hiato estaria mais fechado pelo crescimento econômico via oferta (em especial pelo setor agropecuário) e com potencial mais alto. Do lado mais “hawkish”, a leitura seria de uma atividade via mercado de trabalho mais aquecido e portanto com uma taxa de juros neutra mais alta. Ou seja, de um lado o BC poderia acelerar os cortes, do outro, isso não seria recomendável.

Rodolfo Margato, economista da XP, afirma que, após a divulgação da Ata, a discussão sobre o Copom acelerar o ritmo de cortes de juros provavelmente perderá força, ao menos no curto prazo. “As taxas de juros pressionadas no exterior e a política fiscal expansionista no ambiente doméstico são limitações para um afrouxamento monetário mais intenso em 2024. Vemos a taxa Selic em 10,00% no próximo ano”, prevê.

Rafaela Vitória, economista chefe do Banco Inter, também avalia que, com o aumento do risco no cenário e a expectativa de inflação longa ainda acima da meta, o Copom descartou uma alteração no atual ritmo de cortes da Selic. “Mantemos nossa previsão de reduções de 50 p.b. até a reunião de março de 2024, desacelerando para 25 p.b a partir do 2º trimestre, terminando o ciclo em 9% ao final de 2024”, estima.

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Segundo ela, apesar do cenário de maior cautela, que justifica o ritmo mais moderado de cortes, com a queda da inflação corrente, incluindo a inflação de serviços que tinha sinais de mais persistência, a Selic em 12,75% ainda está em patamar bastante restritivo, com juro real ex-post próximo de 8%. E que há ainda claro espaço para cortes.

Marcos de Marchi, economista chefe da Oriz Partners, argumenta que, ainda que o BC tenha destaco a melhora qualitativa da inflação, especialmente a de serviços, o documento passa longe da discussão de uma possível aceleração do ciclo de cortes. “Na verdade, fica a sensação de que o risco é de o ciclo de queda de juros ser menos profundo e mais cautelosa do previamente imaginado.”

Marco Caruso, economista chefe do PicPay, concorda. Para ele, a Ata estende a discussão que já estava no comunicado, que também foi ‘’hawkish”, não só no sentido de sinalizar que um corte de 75 pontos-base não faz sentido agora, mas até para tirar totalmente do cenário a projeção de aceleração.

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“Entra mais nos detalhes sobre as discussões em relação ao crescimento econômico. Estamos crescendo mais poque  a demanda está mais pujante ou porque a capacidade de produção aumentou?”, questiona o economista ao citar as discussões sobre hiato e juro neutro.

Ele também afirma que cada visão sobre esse tema traz um desafio diferente. Se a visão é de demanda, fica mais complicado em se falar em juro muito baixo porque isso realimentaria inflação. Se é de oferta, é o contrário, porque haveria uma capacidade de produção sem aumentar a inflação. “A princípio, me parece que o Copom tem trabalhado com a hipótese que é mais demanda. Se continuarmos vendo PIBs mais fortes, sem grandes pressões inflacionárias, aí ele pode mudar de ideia”, diz Caruso.

Ricardo Jorge, especialista em renda fixa e sócio da Quantzed, no entanto, viu na Ata um discurso até mais brando com relação às preocupações internas do que no comunicado pós-decisão de juros. “A atividade segue forte. No entanto, o consumo das famílias desacelera, com o setor de serviços em processo de estabilização e o IPCA com uma dinâmica mais benigna com desaceleração dos núcleos, apesar de ainda estarem acima da meta”, comenta.

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Para ele, a dinâmica é mais favorável para uma política monetária menos restritiva, mas o Banco Central segue cauteloso em afirmar que, pelo menos em 2023, ainda não se sente confortável em acelerar o ‘pace’ dos cortes para 0,75 p.p.

André Nunes de Nunes, economista-chefe do Sicredi, destaca outro ponto da Ata, que é a discussão sobre a discussão sobre a desancoragem das expectativas de inflação. “O Copom reconheceu que esse fato não decorre apenas das dúvidas quanto ao cumprimento das metas fiscais e desinflação global, mas de uma possível percepção, por parte de analistas, de que o Copom, ao longo do tempo, poderia se tornar mais leniente no combate à inflação”, ressalta

O argumento é que a mudança da composição do Copom poderia representar não apenas uma mudança na condução da política monetária, mas também nas preferências da autoridade monetária. “Além disso, um ponto que foi omitido na discussão, e que também pode ser fonte dessa desancoragem, é a incerteza com relação ao mecanismo de meta contínua que deverá vigorar a partir de 2025.”