Bancos Centrais sobem o tom no combate a inflação e reacendem debate sobre política monetáriaia

Inflação resiliente em todo o mundo mantém BCs no dilema sobre a dose e a velocidade do aperto monetário

Roberto de Lira

(Feodora Chiosea/ Getty Images)

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Os Bancos Centrais das principais economias do mundo, salvo exceções como a China e o Japão, subiram o tom de seus comunicados nas últimas reuniões de política monetária, num sinal de guinada “hawkish”, exatamente no momento em que economistas e analistas de mercado apostavam em uma nova fase de abrandamento.

Embora indicadores de inflação estejam, no geral, apontando para baixo, quando comparados aos índices imediatamente anteriores, a velocidade da queda ainda tem exigido uma dose do que o BC brasileiro chamou nesta semana de “cautela e parcimônia”.

O jornal Financial Times destaque hoje em seu site que “a batalha dos bancos centrais contra a inflação entra em uma nova fase de ‘dor’” e a revista The Economist alerta que os investidores devem se preparar para uma inflação mais alta e sustentada.

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O FT  alerta que, com essa nova fase dos BCs, as recessões, que podem chegar já na segunda metade do ano, serão o preço para atingir as metas de inflação, que são de 2% nas economias mais avançadas.

“As taxas principais de inflação na maioria das economias do mundo caíram acentuadamente desde o outono, mas as taxas básicas, que excluem categorias voláteis como energia e alimentos, permanecem próximas das máximas de várias décadas”, comenta o jornal.

O jornal também diz que essas taxas, vistas como um medidor melhor das pressões de preços subjacentes, despertaram a preocupação de que os bancos centrais tenham dificuldade para atingir suas metas sem acabar com o crescimento.

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Movimento coordenado

Os movimentos são quase coordenados. O Federal Reserve, por exemplo, optou por pausar seu ciclo de aperto na reunião da semana passada, mas elevou a projeção da taxa para o final do ano, praticamente contratando uma alta adicional de 50 pontos-base nos Fed Funds. O movimento foi confirmado em declarações do presidente Jerome Powell em depoimentos no Congresso americano nesta semana.

A presidente do Banco Central Europeu (BCE), Christine Lagarde, também afirmou na quinta-feira (15) que ainda há caminho a ser percorrido pela política monetária, logo após anunciar uma alta de 25 pontos-base nas taxas básicas de juros na região. Ontem, o Banco da Inglaterra (BoE) elevou os juros em 0,50%, quando boa parte do mercado esperava uma manutenção do ritmo de 25 bps das reuniões de março e maio.

Os BCs da Noruega e da Suíça subiram suas taxas em 0,50% e 0,25%, respectivamente, na quinta-feira, sinalizando novas altas até o final do ano. Até o Banco Central da Turquia, que adotava uma postura leniente com a inflação local, decidiu ontem elevar sua taxa básica de 8,5% para 15%, na primeira elevação de juros desde 2021.

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No Brasil, o BC manteve nesta semana, como esperado, a taxa Selic em 13,75%, mas o comunicado do Comitê de Política Monetária (Copom) veio um tom acima ao comentar os riscos inflacionários, levando parte dos analistas a reverem suas projeções de início de cortes para setembro, ante as estimativas anteriores, que apontavam para agosto.

Economistas de todo o mundo têm debatido os motivos de a inflação continuar tão persistente, a despeito dessa política monetária mais agressiva praticada nas principais economias globais desde o ano passado (no Brasil, começou em 2021).

A Capital Economics publicou um estudo neste mês com o título “Precisamos falar sobre metas de inflação”, que tenta achar algumas respostas. Para a empresa de análises, a política monetária está em um momento crítico no mundo. Após décadas de inflação baixa e estável, os choques adversos de oferta e a demanda robusta dos últimos anos abalaram as expectativas de inflação. Por conta disso, existe agora um debate se as metas de inflação são adequadas para o momento.

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Nesse mundo de choques constantes, diz a empresa, o risco de que as expectativas de inflação possam desancorar ainda mais é uma ameaça real. Esta é uma grande mudança para os desafios que os formuladores de políticas monetárias enfrentam.

É lembrando no texto que a maioria dos Bancos Centrais demorou a apertar a política monetária, em parte porque estavam muito confiantes de que as expectativas permaneceriam baixas e estáveis.

Essa é uma lição que a crise pós-pandemia pode ter trazido, segundo a Capital Economics. “Se os formuladores de políticas permanecerem atentos às expectativas, os ciclos iniciais e agressivos de aumento das taxas prevalecerão. Se não o fizerem, ciclos de caminhada atrasados e ainda maiores com taxas persistentemente mais altas se tornarão a norma”, alerta o texto.

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“Nos próximos anos, será papel da política monetária limitar os impactos de segunda ordem sobre a fixação de salários e preços dos choques de oferta sobre a inflação por meio do gerenciamento das expectativas”, diz o estudo.

Em artigo no site do Fundo Monetário Internacional, Markus Brunnermeier, professor de Economia na Universidade de Princeton, defendeu que os bancos centrais devem retornar a uma abordagem monetária na qual a estabilização das expectativas de inflação seja uma prioridade central.

“A política não pode apertar apenas depois que a inflação ocorre. Em vez disso, os bancos centrais devem agir assim que os sinais de alerta piscarem. Os bancos centrais devem incorporar as expectativas de inflação futura tanto das famílias quanto dos mercados financeiros, uma vez que essas expectativas moldam tanto as condições de demanda agregada quanto os preços dos ativos”, afirmou.

Mas o trabalho não pode ser só dos BC. Alfred Kammer, diretor do departamento europeu do FMI defendeu em outro artigo recente que a política monetária não pode fazer o trabalho sozinha.

“A política fiscal deve ser alinhada para apoiar os Bancos Centrais no combate à inflação. Isso exige que muitos governos europeus busquem uma consolidação fiscal mais ambiciosa do que a incorporada em seus planos atuais”, afirmou.

Para ele, essa política fiscal mais rígida ajudaria os Bancos Centrais a atingir seus objetivos de inflação com taxas de juros mais baixas. Isso também reduziria os custos do serviço da dívida pública e a estabilidade financeira e os riscos de fragmentação.

Finalmente, ele defendeu que as reformas estruturais são essenciais e devem priorizar as áreas onde as ações ajudarão a aliviar o trade-off entre crescimento e inflação. “Com os mercados de trabalho apertados, as reformas que aumentam a oferta de trabalho e a participação, facilitando as transições de emprego dos trabalhadores, serão úteis para reduzir as pressões inflacionárias”, escreveu.