Auxílio emergencial de R$ 600: especialistas avaliam efeitos e dificuldades do “coronavoucher”

A expectativa é que o auxílio chegue nas mãos das pessoas aptas na próxima semana, mas há desafios no formato

Pablo Santana

(Shutterstock)

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SÃO PAULO – O auxílio emergencial de R$ 600, sancionado por Jair Bolsonaro na quarta-feira(1), irá ajudar 54 milhões de brasileiros, segundo o governo, durante o período de isolamento social.

Os benefícios serão pagos pelo Banco do Brasil, Banco da Amazônia, Banco do Nordeste, Caixa, Correios e agências lotéricas para trabalhadores informais ou com contrato intermitente inativo, autônomos e microempreendedores individuais (MEI) com renda familiar mensal inferior a meio salário mínimo per capita ou três salários mínimos no total.

O auxílio emergencial não será direcionado a pessoas que recebem aposentadoria, seguro-desemprego ou fazem parte de outro programa de transferência de renda, com exceção do Bolsa Família.

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Segundo Fernando Ribeiro Leite, doutor em Ciências Sociais e professor do Insper, a medida é uma tentativa de mitigar um dos principais efeitos da pandemia de coronavírus: o empobrecimento da população.

A redução da atividade econômica expõe ainda mais a vulnerabilidade das pessoas sem emprego formal, que, com as medidas de distanciamento social têm a sua renda diminuída drasticamente.

“A ação do governo dando uma renda mínima universal diante do contexto do coronavírus pode minimizar duas circunstâncias. Uma microeconômica e social, que é manter renda e sobrevivência para as pessoas, sobretudo os autônomos. E de maneira mais geral e macroeconômica dar algumas sustentação no nível de renda e de gastos da economia para que ela não entre numa espiral de quedas de vendas, de faturamento e emprego”, explica Leite.

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Vai funcionar?

Por se tratar de uma medida de proteção social, a principal preocupação no momento, segundo os especialistas, é em relação à sua execução, porque é preciso garantir que o dinheiro chegue na mão das pessoas o quanto antes para evitar uma tragédia social.

“Esse programa foca em atender uma população mais pobre, sem outra opção de renda. Se a gente quer que as pessoas façam quarentena, é preciso garantir o mínimo de sustento delas. Apesar de não ser o suficiente para impedir uma queda expressiva do PIB, essa é uma medida para evitar um colapso ainda maior da ordem social e da situação econômica”, aponta Renan Pieri, doutor em economia e pesquisador da FGV.

Com 38 milhões de trabalhadores informais em todo o Brasil, segundo dados da última edição da PNAD Contínua, garantir a proteção dessas famílias durante a pandemia, para o assessor econômico da Fecomércio SP, Guilherme Diet, é fundamental até para manter o mínimo de estrutura econômica – mesmo que isso comprometa ainda mais a questão fiscal do país.

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“O que temos que interpretar nesse momento é que a situação é complexa e esse ineditismo faz com que o governo tenha que tomar conta da população mais vulnerável. Precisamos extrapolar um pouco os limites fiscais que estavam seguindo anteriormente para garantir a proteção social”, afirma Diet.

Para George Sales, professor de finanças do Ibmec SP, a celeridade do processo reforça o caráter humanitário e emergencial da medida, que irá permitir que as famílias que vivem da informalidade possam ter uma renda.

“Não é uma questão de manter a economia, nem se trata de assistencialismo, porque esse dinheiro não está sendo direcionado para pessoas que não têm capacidade de prover renda. A situação é contrária. São pessoas que inclusive estavam se defendendo no dia a dia por conta própria e agora precisam desse aporte de dinheiro emergencial para subsistência”, ressalta Sales.

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A medida custará R$ 98 bilhões aos cofres públicos e deve ser utilizada para o consumo de subsistência das famílias, como aponta a maioria dos especialistas. Ainda assim, mesmo quando o dinheiro for liberado e impulsionar o aumento do consumo, o movimento não deve causar grandes impactos na economia do país durante o período.

Em meio às mudanças de perspectivas em relação ao avanço da Covid-19, que posterga a retomada das principais economias do mundo, piorando o cenário e alterando os cálculos para frente, garantir a assistência ao público durante toda a pandemia é outra preocupação.

Guilherme Diet acredita que o governo deve agir gradualmente para manter a estrutura de preservação dos aspectos sociais de assistência. “Não adiantar gastar todo dinheiro agora sem saber qual será o caos gerado na economia e socialmente futuramente e por quanto tempo ficaremos no isolamento”.

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“Não é uma medida isolada, são medidas concatenadas para conseguir que a estrutura econômica do Brasil não se deteriore”, afirma o assessor econômico da Fecomercio SP.

Apesar de acreditar que o valor não é o suficiente, Fernando Ribeiro Leite, do Insper, pontua que o governo está indo na direção correta. “O governo vai respondendo às circunstâncias conforme elas vão aparecendo. O que faz mais no sentido agora é dar renda e garantir a sobrevivência dessas pessoas. Se futuramente começar a ficar claro que vai demorar ainda mais o isolamento, essa rede de apoio deve ser estendida dada a curva de contágio da mortalidade do vírus”.

O cálculo da renda média, que determinará quais pessoas receberão o dinheiro, será verificada por meio do Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico) para os inscritos e, para os não inscritos, com autodeclaração em plataforma digital.

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O Senado incluiu novas categorias de pessoas elegíveis para receber o auxílio como motoristas de aplicativos, mães adolescentes, taxistas, caminhoneiros, músicos, pescadores artesanais, catadores de materiais recicláveis, e pais solteiros.

Desafios

As novas propostas, se aprovadas, vão aumentar os desafios logísticos do governo na implementação da ajuda emergencial.

Para Renan Pieri, da FGV, esse é o principal ponto de preocupação na execução da política emergencial. “O CadÚnico atendia um certo tipo de público e, com a queda de renda, outras pessoas terão que estar no cadastro. Acredito que o governo não possui capacidade operacional para cadastrar milhões de pessoas da noite pro dia, porque esse dinheiro precisa chegar logo e duvido um pouco da capilaridade dos programas sociais brasileiros pra fazer esse dinheiro chegar nas mãos das pessoas”, disse Pieri.

Em nota técnica publicada nesta quarta-feira (1), o Instituto de Pesquisa Aplicada (IPEA) revela que nem todos os potenciais beneficiários de fato receberão o auxílio emergencial. Segundo os pesquisadores do instituto, a grande dificuldade na implementação da medida será identificar, cadastrar e emitir benefícios para os indivíduos não inscritos no Cadastro Único.

O estudo mostra que cerca de 11 milhões de pessoas elegíveis não estão cadastradas. Diante do cenário de isolamento, que proíbe aglomeração de pessoas em locais públicos para evitar a disseminação do novo coronavírus, o IPEA reforça que a “disponibilização de múltiplos meios para cadastramento – online e offline – provavelmente será a melhor estratégia”.

A expectativa é que a despesa da medida custe R$ 84,8 bilhões ao governo levando em consideração o público que não conseguirá ser abarcado pelo benefício.

De todo modo, o seu alcance – superando as projeções ou ficando aquém do esperado – dependerá da forma como o benefício será implementado pelo governo federal.

Porém, o acesso à informação, de acordo com George Sales, do Ibemec, não pode depender apenas do Estado. “Sem dúvidas, a maior dificuldade dessa medida é a organização e isso depende também das pessoas se conscientizarem. Se faz necessários que as ONGs, líderes comunitários e profissionais capacitados façam esse serviço de levar informação para as pessoas na ponta, orientando como realizar o cadastro pra poder ter acesso a esse dinheiro”.

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Pablo Santana

Repórter do InfoMoney. Cobre tecnologia, finanças pessoais, carreiras e negócios