Ata do Copom: Comitê se dividiu entre início de cortes conservador e moderado

Copom optou por corte de 0,50 p.p. na Selic, mas defendeu postura mais conservadora ao longo do ciclo de flexibilização

Roberto de Lira

Reunião do Comitê de Política Monetária do Banco Central do Brasil. Foto: Raphael Ribeiro/BCB

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O Comitê de Política Monetária (Copom) avaliou em sua reunião realizada entre os dia 1 e 2 de agosto que a evolução do cenário econômico desde o último encontro de junho permitia a confiança necessária para iniciar um ciclo gradual de flexibilização monetária.

No entanto, um grupo de diretores  defendeu uma redução da taxa de juros mais parcimoniosa por entender que ainda não se observaram alterações relevantes no cenário, enquanto outra parcela do Comitê considerou que a política monetária em patamar significativamente contracionista permitia um início do ciclo já no ritmo moderado. O debate está descrito na Ata da reunião, divulgada nesta terça-feira (8).

No final, considerando os cenários avaliados, o balanço de riscos e o amplo conjunto de informações disponíveis, o Copom decidiu reduzir a taxa básica de juros em 0,50 ponto percentual, para 13,25% a.a., entendendo que essa decisão era compatível com a estratégia de convergência da inflação para o redor da meta ao longo do horizonte relevante, que inclui o ano de 2024 e, em grau menor, o de 2025.

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O Copom avaliou a alternativa de reduzir a taxa básica de juros para 13,50%, mas considerou ser apropriado adotar ritmo de queda de 0,50 ponto percentual na reunião em função da melhora do quadro inflacionário, reforçando, no entanto, o firme objetivo de manter uma política monetária contracionista para a reancoragem das expectativas e a convergência da inflação para a meta no horizonte relevante.

“A conjuntura atual, caracterizada por um estágio do processo desinflacionário que tende a ser mais lento e por expectativas de inflação com reancoragem parcial, demanda serenidade e moderação na condução da política monetária”, afirma a Ata.

Embora tenha considerado haver mérito tanto na opção de reduzir a taxa Selic em 0,25 ponto percentual como em 0,50 ponto percentual, o Copom reforçando que, qualquer que fosse a decisão, era consensual que um cenário com expectativas de inflação com reancoragem apenas parcial, núcleos de inflação ainda acima da meta, inflação de serviços acima do patamar compatível com a meta para a inflação e atividade econômica resiliente iam requerer uma postura mais conservadora ao longo do ciclo de flexibilização da política monetária.

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“Mais ainda, ambas as opções, a depender do ciclo empreendido, seriam compatíveis com a convergência da inflação para a meta tanto nos cenários de referência do Comitê, como em outros cenários apresentados na reunião.”

Próximos passos

Com relação aos próximos passos, os membros do Comitê concordaram unanimemente com a expectativa de cortes de 0,50 ponto percentual nas próximas reuniões e avaliaram que esse é o ritmo apropriado para manter a política monetária contracionista necessária para o processo desinflacionário.

“Tal ritmo conjuga, de um lado, o firme compromisso com a reancoragem de expectativas e a dinâmica desinflacionária e, de outro, o ajuste no nível de aperto monetário em termos reais diante da dinâmica mais benigna da inflação antecipada nas projeções do cenário de referência”, diz a Ata.

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Segundo o documento, o Comitê julgou como pouco provável uma intensificação adicional do ritmo de ajustes, uma vez que isso exigiria surpresas positivas substanciais que elevassem ainda mais a confiança na dinâmica desinflacionária prospectiva.

“Tal confiança viria apenas com uma alteração significativa dos fundamentos da dinâmica da inflação, tais como uma reancoragem bem mais sólida das expectativas, uma abertura contundente do hiato do produto ou uma dinâmica substancialmente mais benigna do que a esperada da inflação de serviços.”

Dinâmica de desinflação

Na avaliação sobre a atual dinâmica de desinflação, o Copom repetiu que ela segue caracterizada por um processo com dois estágios distintos.

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O movimento do primeiro estágio se mostrou mais profundo do que o esperado, em função da dinâmica mais benigna dos preços de alimentos e industriais e do comportamento dos preços no atacado.

“Nesse sentido, a dinâmica recente da taxa de câmbio e do preço das commodities internacionais, ainda que exibindo maior volatilidade, contribuiu para arrefecer as pressões internacionais sobre a inflação no Brasil”, diz o documento.

Segundo o Copom, por um lado, esse fenômeno melhora a dinâmica do segundo estágio da desinflação, com uma inércia menor sobre os núcleos de inflação e sobre a inflação de serviços. Por outro lado, a volatilidade inerente aos componentes ligados a alimentos e bens industriais sugere a possibilidade de reversões abruptas, recomendando cautela

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Nessel debate, foram mencionados os riscos, parcialmente incorporados no cenário-base, referentes a El Niño, assim como os referentes à evolução do preço internacional do petróleo, que seguiu a governança usual do Comitê em suas hipóteses. “Ao fim, concluiu-se unanimemente pela necessidade de uma política monetária contracionista e cautelosa, de modo a reforçar a dinâmica desinflacionária.”

Serviços

Ainda na discussão sobre o comportamento inflacionário, os diretores debateram sobre o atual estágio do processo desinflacionário e o recente comportamento da inflação de serviços.

A percepção é de que os indicadores desse segmento apontam para uma continuidade na trajetória de desinflação do período recente, a despeito de alguma oscilação em níveis ainda acima do patamar compatível com a meta.

“Enfatizou-se que é mais relevante focar nos seus fundamentos subjacentes, citando-se, particularmente, possíveis mudanças no mercado de trabalho e na dinâmica da atividade, do que de movimentos pontuais da inflação de serviços, relativos a algum componente ou algum período.”

CMN

Segundo a Ata, as expectativas de inflação apresentaram reancoragem parcial desde a reunião anterior do Copom, em junho.

O Comitê enfatizou o ganho de credibilidade produzido pela reunião de junho do Conselho Monetário Nacional (CMN), que estabeleceu a meta para a inflação no ano-calendário de 2026, bem como o seu intervalo de tolerância, nos mesmos valores dos vigentes para 2024 e 2025 e sem revisão das metas e dos intervalos anteriormente estabelecidos para os anos-calendário de 2023, 2024 e 2025.

“Além disso, o anúncio de que se adotará o sistema com meta contínua, cujas regras serão ainda oportunamente estabelecidas, reduziu a incerteza sobre as metas dos anos subsequentes, também contribuindo para maior reancoragem”, comenta o documento. “Notou-se, por conseguinte, um impacto positivo nas expectativas de inflação logo após a decisão do CMN, reforçando a interpretação de ganho de credibilidade do regime de metas para a inflação”, completa.

Quadro fiscal

No debate sobre a o processo de reancoragem das expectativas de inflação, o Comitê decidiu retirar de seu balanço de riscos a incerteza residual sobre a aprovação do arcabouço fiscal. Mas, em sua discussão, observou que a dinâmica fiscal seguia sendo relevante em seu cenário-base.

Alguns membros do BC avaliaram que persiste alguma incerteza entre os agentes sobre a superação dos desafios fiscais, evidenciada nas expectativas de resultado primário que divergem das metas estabelecidas pelo governo, e que isso pode também estar se refletindo em expectativas de inflação desancoradas para prazos mais longos.

“Nesse caso, a ancoragem das expectativas em torno das metas previstas no novo arcabouço fiscal, com a manutenção do compromisso fiscal externado, além de uma diminuição das incertezas acerca das medidas tributárias que fundamentam a execução de tal objetivo, contribuiria para um processo desinflacionário mais célere”, diz o documento.

Outros diretores avaliaram que um cenário global de maior inflação também dificulta a reancoragem das expectativas, uma vez que há a possibilidade de uma inflação externa em níveis mais elevados por período prolongado.

“Por fim, mencionou-se a hipótese de percepção dos agentes de que, ao longo do tempo, o Banco Central poderia tornar-se mais leniente no combate à inflação. Foi unânime o entendimento de que, independentemente da composição da diretoria colegiada ao longo do tempo, deve-se garantir a credibilidade e a reputação da Instituição.”

O Copom destacou ainda que reformas estruturais e a previsibilidade das contas públicas são essenciais para o aumento da produtividade da economia, para o crescimento potencial e para a maior confiança de empresas, investidores e famílias.

“O esmorecimento no esforço de reformas estruturais, o aumento de crédito direcionado e as incertezas sobre a estabilização da dívida pública têm o potencial de elevar a taxa de juros neutra da economia, com impactos deletérios sobre a potência da política monetária e, consequentemente, sobre seu custo para a economia”, diz a Ata.

O Comitê ressaltou ainda que, em seus cenários para a inflação, permanecem fatores de risco em ambas as direções. Entre os riscos de alta para o cenário inflacionário e as expectativas de inflação, foram destacadas uma maior persistência das pressões inflacionárias globais e a resiliência na inflação de serviços maior do que a projetada em função de um hiato do produto mais apertado.

Entre os riscos de baixa, foram ressaltadas a desaceleração da atividade econômica global mais acentuada do que a projetada, em particular em função de condições adversas no sistema financeiro global, e os impactos do aperto monetário sincronizado sobre a desinflação global se mostrarem mais fortes do que o esperado.