Argentina eleva taxas sobre exportação: qual o impacto para a economia e para as ações brasileiras?

Taxação sobre o trigo argentino pode encarecer preço de alimentos no Brasil, mas ambiente é incerto; no mercado de ações, SLC sobe forte

Lara Rizério

(Twitter/Cristina Kirchner)

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SÃO PAULO – Medidas consideradas intervencionistas já eram esperadas logo nos primeiros dias de governo de Alberto Fernández, que tomou posse como presidente da Argentina no dia 10 de dezembro. E foi justamente o que aconteceu.

No último fim de semana, ganharam as páginas dos jornais o decreto do governo instituindo, além do aumento dos custos dos empregadores para demissão de funcionários, a elevação dos impostos sobre as exportações de soja e grãos, como forma de “enfrentar a grave situação das finanças públicas” do país (segundo destaca o documento).

Com isso, o teto de taxação de 4 pesos por dólar definido pelo governo do ex-presidente Maurício Macri perde o efeito e as retenções ficam em 12%.  O decreto de Fernández é aplicado parcialmente para o trigo, o milho e a soja, que voltarão à taxa de 12%. Para a soja, principal produto de exportação, o índice se somará aos 18% que já se pagavam. Desta forma, essa exportação será taxada com 30% de seu preço.

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As tarifas de exportação, em uma base de doze meses até novembro, representaram cerca de 1,6% do PIB do país, de acordo com cálculos feitos pelo Credit Suisse. O governo aposta que, com a elevação das tarifas, haja mais fundos para o seu pacote emergencial.

As medidas de Fernández, inclusive, têm o potencial de reverberar por aqui. Afinal, o país vizinho é o principal fornecedor de trigo para o Brasil – de acordo com o Ministério da Agricultura, mais de 80% da commodity utilizado pelas indústrias vêm da Argentina.

Desta forma, a princípio, o anúncio poderia representar mais uma fonte de pressão nos preços dos alimentos, já que a elevação das cotações do trigo pode ser repassada para produtos que usam o insumo, como o pão francês.

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Vale destacar que, no mês de novembro, a inflação oficial brasileira medida pelo IPCA e divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostrou uma aceleração de 0,51% na comparação mensal, maior alta do mês desde 2015 e acima do esperado. Quem guiou esse resultado foi a carne, cujo preço disparou 8,09% de outubro para novembro por conta da escassez de proteína animal na Ásia, onde a demanda por importações de carne suína, bovina e de frango aumentou. A peste suína africana está dizimando rebanhos, reduzindo a oferta e aumentando a exportação brasileira para a região.

Porém, conforme aponta a equipe de análise econômica da XP Investimentos, a dimensão do impacto da medida da Argentina sobre a inflação brasileira ainda é difícil de ser calculada, uma vez que o Brasil poderia redirecionar suas compras para outros países que também são grandes produtores do grão, como EUA e Canadá.

Efeito nas empresas

Enquanto o cenário é incerto, algumas empresas brasileiras e associações já se pronunciaram. Foi o caso da Marfrig (MRFG3), que possui operações na Argentina e afirmou que a taxação para os produtos em geral não terá impacto material na geração de resultado da companhia. O governo argentino aumentou para 9% o imposto sobre as exportações de carne bovina. Antes, eram cobrados 3 pesos por dólar exportado.

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O frigorífico destacou que a receita líquida da operação da empresa na Argentina representou apenas 3,6% da receita líquida consolidada no período acumulado até setembro, sendo que desse montante, aproximadamente 50% é proveniente de vendas no mercado doméstico, o que minimiza o impacto da medida, enquanto outros 50% vieram de exportações.

“Aproximadamente 60% das receitas de exportações de carne bovina da Marfrig na Argentina foi para China, um dos destinos mais rentáveis do mundo dado o novo cenário global de proteínas”, destacou em comunicado.

Segundo análise do Citi, a medida deve afetar negativamente empresas do setor frigorífico que operam no país, principalmente a Minerva (BEEF3). O banco estima que a empresa gere 20% de seu Ebitda.

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Em teleconferência para discutir os resultados do terceiro trimestre, companhias do setor já vinham mencionando que esperavam que o novo governo aumentasse impostos. O Citi observou que, embora nunca seja uma boa notícia, a elevação foi pequena para exportadores de carne bovina. O Citi, por enquanto, manteve o rating neutro tanto para Minerva quanto para Marfrig.

Por outro lado, com relação especificamente a trigo e soja, o efeito da elevação dos tributos será estimular agricultores argentinos a produzirem menos, conforme aponta a analista do Commerzbank Michaela Kuhl. “Para agricultores, o imposto significa que eles ganham menos ao exportar seus produtos. Em geral, isso significa que produzirão menos dos produtos em questão”, destaca a analista.

Assim, qualquer recuo significativo na produção do país terá efeito nos mercados globais, já que o país é o maior exportador de farelo de soja e sexto maior exportador de trigo, segundo dados do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA).

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Neste sentido, a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) apontou que a taxação sobre a exportação da soja pode gerar benefícios ao produtores por aqui. O Bradesco BBI destacou que, com a medida de Fernández, a SLC Agrícola (SLCE3), produtora do insumo, pode se beneficiar, reduzindo a concorrência do produto argentino no Brasil.

“A Argentina representa 6% do comércio mundial de soja. Em uma análise de sensibilidade, para cada aumento de 5% nos preços da soja, aumentaríamos nossa estimativa para o lucro antes de juros, impostos, depreciações e amortizações [EBITDA] de 2020 em 7%”, afirmam. Durante a sessão, os ativos SLCE3 chegaram a subir cerca de 8%. Os efeitos sobre a inflação são incertos, mas a ação da companhia já sente o impacto imediato da medida.

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.