Analistas veem linguagem suave do Fed e apontam sinais de proximidade do fim do ciclo de alta dos juros

Outro motivo para essa leitura foi a manutenção no gráfico de pontos da mediana das projeções para a taxa de juros em 5,1% para 2023

Roberto de Lira

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A proximidade do fim do ciclo de alta de juros nos Estados Unidos foi o recado entendido pelo mercado após o anúncio da nova alta da taxa em 25 pontos-base pelo Federal Reserve (Fed, o Banco Central americano) na tarde desta quarta-feira. O diagnóstico está mais relacionado ao tom brando adotado e à divulgação do gráfico de pontos, a projeção trimestral de indicadores feita individualmente pela diretoria.

De acordo com o novo “dot plot”, a mediana das projeções para a taxa de juros permaneceu inalterada 5,1% para este ano (a mesma observada em dezembro passado). Para 2024, a mediana é subiu ligeiramente, de 4,1%  para 4,3%. Em 2025, a projeção é de 3,1% (sem variação).

Caso a projeção seja cumprida, haverá no máximo mais uma alta de 0,25% na reunião de maio, seguida por um aparada.

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Segundo análise da Levante, há poucas semanas, o consenso era que a “taxa terminal”, ou seja, os juros quando o Fed terminasse de corrigir a política monetária, chegava a até 5,50%. “Alguns previam até juros de 6% ao ano, nível só atingido no ano 2000. Agora, o Fed pode indicar que a taxa terminal será mais baixa, e permanecerá nesse patamar por menos tempo”.

Houve também uma diferença sutil no comunicado, exatamente no trecho em que é citada a possibilidade de novas altas, caso necessário. Em 1° de fevereiro, o Fed disse que “aumentos contínuos” talvez fossem necessários.

Agora, o Fomc antecipou que “algum endurecimento adicional da política pode ser apropriado” para que política monetária seja suficientemente restritiva para retornar a inflação a longo do tempo.

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Celso Pereira, diretor de investimentos da Nomad, destaca que a reação inicial dos mercados mostra que os detalhes nessa linguagem adotada pela da autoridade monetária alimentaram uma perspectiva otimista. “A autoridade monetária ressaltou que dispõe de mecanismos de balanço para conceder liquidez a bancos que se encontrem diante de problemas pontuais de liquidez”, diz.

Lucas Zaniboni, analista sênior de pesquisa internacional da Garde, também viu um tom mais suave (“dovish”) no comunicado. Primeiramente, ao incorporar o “tema novo” da mais recente crise dos bancos . “O Fed reconhece um risco para baixo na atividade, ainda que não uma preocupação com risco sistêmico, mas sim um risco macroeconômico de desaceleração mais forte induzida via restrição de crédito”, comentou.

Ele também citou a troca da expressão “ongoing increases” por “some further tightening” no trecho sobre as ações futuras, por trazer uma condicionalidade maior para continuar com o processo de alta de juros, abrindo a porta para uma pausa no atual ciclo nas próximas reuniões.

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Zanibini também concorda que as projeções vieram “na ponta mais dove” devido a revisões apenas marginais de inflação e, principalmente, a manutenção nos pontos (“dots”) para o fim deste ano no mesmo patamar.

“Acreditamos que essa foi a última alta de juros do atual ciclo do Fomc. Ressaltamos, porém, que o cenário é altamente condicional aos dados nos próximos meses, em especial à continuidade da dinâmica de restrição de crédito vista nas últimas semanas, e a dados esperados mais fracos de atividade e inflação no segundo trimestre”, pondera o analista da Garde.

Crédito

Para André Fernandes, responsável pela área de renda variável e sócio da A7 Capital, observou que o tom suave do comunicado também apareceu quando o Fomc comentou sobre as condições de crédito nos EUA.

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“Mesmo citando que o sistema bancário lá está “à salvo e resiliente”, o Fomc informou que as condições devem ficar mais restritivas para famílias e empresas, e isso deve impactar na atividade econômica”, afirma.

Fernandes prevê que o Fed deve vir com mais uma alta de +0,25% na próxima reunião, no início de maio, já que revisou suas projeções em relação a inflação PCE de 2023 para 3,3% (ante 3,1% anteriores).

“Então deve continuar combatendo a inflação, deixando claro que esse trabalho ainda não acabou”.

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Matheus Pizzani, economista da CM Capital, no entanto, destaca que o Fed evitou citar a magnitude de um possível novo ajuste, deixando claro que isso vai depender da evolução dos indicadores utilizado para a construção de seu cenário de inflação.

Sobre as projeções, ele comenta que, em linhas gerais, não houve grande mudanças frente ao cenário apresentado em dezembro, com as principais alterações ocorrendo em 2024, quando é esperado um nível de crescimento menor da economia – 1,2% na projeção atual contra 1,6% da projeção de dezembro.

“A sinalização de manutenção dos aumentos nos juros segue em linha com o comportamento que vinha sendo apresentado pela instituição até aqui, onde o combate à inflação é a prioridade de sua agenda”, afirma.

Para o Morgan Stanley, a decisão de hoje sinaliza que o Fed vê algum aperto incremental comparado à visão de duas semanas atrás, devido aos desenvolvimentos financeiros. “No entanto, o Comitê não vê mudanças fundamentais na dinâmica da inflação e do crescimento, e os riscos de inflação continuam sendo direcionados para cima.”

“Trabalho sujo”

Para o economista André Perfeito, afirma que, sua primeira impressão, o ciclo acabou agora e parte deve às crises dos bancos SVB quanto e Credit Suisse, que “fizeram o trabalho sujo, por assim dizer”, de altas adicionais na taxa básica.

“Este poderia ser também um dos argumentos do Copom logo mais caso deseje iniciar um ciclo de cortes. Afinal as condições de crédito estão mais apertadas hoje por conta de três aspectos: perspectiva de baixo crescimento, eventos adversos no mercado de crédito por conta da Recuperação Judicial de uma grande empresa varejista (se referindo às Lojas Americanas) e condições globais.”

Para Michelle Cluver, estrategista da Global X, na primeira reunião após o colapso do SVB, o os integrantes do Fomc andaram na corda bamba entre ser muito restritivos em seu foco na inflação e voltarem atrás muito cedo.

“Embora a crise bancária regional tenha dado motivos para uma pausa, o sistema financeiro se baseia na confiança e confiança. ‘Pivotar’ arriscava estabelecer a percepção de que os problemas no sistema bancário são mais sistêmicos”, comentou, completando que o Fed adotou como linguagem o foco de que o sistema bancário dos EUA permanece “sólido e resiliente”.

“O que tudo isso significa? A estabilidade dos depósitos, e não a qualidade do crédito, é atualmente a principal preocupação. Instrumentos de alta qualidade, particularmente Treasuries, estão no centro das perdas não realizadas do sistema bancário. Isso torna as intervenções de liquidez do Fed mais eficazes e significa que essa crise bancária é mais fácil de conter e pode criar oportunidades de mercado daqui para frente.”

Para Nicole Kretzmann, economista-chefe da Upon Global Capital,  o Fed será ainda mais “data-dependent” daqui para a frente, devido aos eventos recentes de turbulência no setor bancário. “Aumentou a incerteza e é possível que a alta de juros adicional não seja necessária”, comenta. Para ela, isso foi determinante para que o tom da mensagem de hoje fosse para o lado “dovish”, com o Fed antecipando que ocorrerá um aperto de crédito na economia com os bancos mais cautelosos.