Analistas trocam incerteza por desconfiança após prorrogação de subsídios e discursos de Lula

Isenção de impostos federais sobre a gasolina vigora por mais 60 dias e do diesel e gás de cozinha (GLP) pode se estender de 6 meses a 1 ano

Roberto de Lira

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A incerteza sobre o manejo das contas públicas pelo novo governo de Luiz Inácio Lula da Silva, – expressão muito utilizada por economistas e analistas do mercado financeiro nas últimas semanas para ilustrar suas expectativas com o futuro no curto e médio prazo – foi trocada agora pela palavra desconfiança. Os discursos de posse do petista subiram o tom contra políticas mais liberais e contra o mercado, com um clara defesa do Estado e das empresas públicas como indutores do desenvolvimento.

Em sua fala ao Congresso, onde vários integrantes votaram a favor das reformas estruturais nos últimos anos, Lula disse “dilapidaram as estatais e os bancos públicos” e que “entregaram o patrimônio nacional”.  Ele ainda comentou que “os recursos do país foram rapinados para saciar a estupidez dos rentistas e de acionistas privados das empresas públicas.”

Para completar, entre as medidas provisórias assinadas ainda no domingo, foi incluída uma que prorroga por dois meses a isenção de impostos federais sobre a gasolina e por tempo indeterminado (pode durar de seis meses a um ano) o subsídio ao diesel e ao gás de cozinha (GLP). Por anos, essa renúncia fiscal gira em torno de R$ 50 bilhões.

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A medida deixou representantes do mercado preocupados. Para Rafaela Vitória, economista chefe do Banco Inter, Rafaela Vitória, isso mostra que “as difíceis decisões sobre o ajuste fiscal vão ficar para depois”. Em sua conta no Twitter, ela comentou que o impacto inflacionário do déficit fiscal é mais danoso no médio e longo prazo do que o aumento da inflação no curto prazo (motivado pela volta dos impostos). “Desancora expectativas e mantém o prêmio nos juros elevado”, afirmou.

Para Raphael Figueredo, sócio-analista da Eleven Financial, no embate entre a ala política e a Fazenda, “já cortaram um dedinho do Haddad”. Para ele, é nessa possível fricção entre os integrantes do governo mais voltados à pauta desenvolvimentista e os que analisam com frieza o impacto fiscal das medidas que será mostrada a real política econômica do novo governo. E o resultado disso é de onde o mercado vai tirar suas projeções.

Ubirajara Silva, gestor da Galapagos Capital, acredita que parte das falas de Lula já eram esperadas pelo mercado, mas ainda existiam aqueles que estavam “em negação”.  Ele colocou na mesma cesta de preocupações a indicação do senador Jean Paul Prates para a presidência da Petrobras, uma vez que a política de controle de preços dos combustíveis tende a voltar com a nova gestão.

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Silva acredita que nesses 60 dias vigor da prorrogação da desoneração da gasolina é tempo suficiente para a nova diretoria da estatal criar um novo mecanismo de paridade de preços dos combustíveis, ou até que não exista mais paridade. “Essa incerteza reflete no preço da ação, com o papel caindo mais de 6% hoje, refletindo essa preocupação”, afirmou.

Ele destacou ainda que o juro futuro também sobe por conta da prorrogação. “E o dólar fica pressionado com esse sentimento de preocupação do investidor com o Brasil.” Para ele, o mercado ficará mais realista com o que pode acontecer daqui para a frente.

Para André Leite, sócio e Portfolio Manager da Kairós Capital, Lula sentiu-se pressionado pela repercussão negativa que uma alta da gasolina traria logo no início de seu governo e contrariou o pedido de Haddad. “Essa ‘bateção’ de cabeça mostra duas coisas, que Jaiminho (como Haddad era chamado enquanto Prefeito de São Paulo) é um ministro sem poder (Lula é quem manda) e que nisso tudo há um sujeito oculto, chamado Petrobras, já que o governo só irá voltar com os impostos quando puder dar uma dedada na formulação de preços da Petrobrás.”

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Leite diz que ninguém pode ficar surpreso com as atitudes de Lula, uma vez que ele está fazendo exatamente o que falou que iria fazer durante a campanha eleitoral.  “Ingênuos foram os que acreditaram no Lula pragmático. Em termos de políticas, o que vai se desenhando é tudo aquilo que vimos presentes nos governos Lula 2 e Dilma, uma visão intervencionista na economia e sem cuidados com as contas fiscais”, comparou.

Com a repercussão novamente negativa dessa retórica mais à esquerda na economia, Haddad tentou acalmar os ânimos em seu discurso de posse nesta segunda-feira (2), tentando reafirmar o compromisso com a responsabilidade fiscal. “Assumo com todos vocês o compromisso de enviar, ainda no primeiro semestre, ao Congresso Nacional, a proposta de um novo arcabouço fiscal que organize as contas públicas pelo longo prazo, que seja confiável e, principalmente, um arcabouço que seja respeitado e cumprido”, disse.

Haddad disse que esse arcabouço precisa ser construído dentro de um “equilíbrio fino” entre ambição e factibilidade. “Nós sabemos da necessidade de colocar os indicadores econômicos no rumo certo. Não existe um economista mais preocupado do que outro em relação à sustentabilidade e higidez das nossas contas públicas. Um Estado forte não é um Estado grande, um Estado obeso. É um Estado que entrega, com responsabilidade, aquilo que está previsto na Constituição”, afirmou.

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Uma análise da Levante divulgada antes do discurso de Haddad destacou que o novo governo começou com um clima elevado de incerteza e desconfiança por grande parte dos operadores de mercado. “Para além da memória amarga, dos anos 2015-2016, que foi revivida com a volta de nomes mais heterodoxos para cargos de importância da equipe econômica, a falta de visibilidade sobre o novo marco fiscal e a retomada da trajetória sustentável da dívida pública brasileira deixam os mercados em nível de estresse elevado nesta virada de ano e início de janeiro.”

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