Analistas dizem que estabilidade na inflação dos EUA permite ao Fed pausar alta de juros em setembro

No entanto, comportamento dos núcleos e dos preços de serviços dividem as opiniões sobre a necessidade de nova alta até o final do ano

Roberto de Lira

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A relativa estabilidade da inflação ao consumidor (CPI, na sigla em inglês) dos Estados Unidos em julho – com variação mensal de 0,2%, a mesma observada em junho – mantém entre os analistas as apostas de que o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) tende a “pular” a reunião sobre política monetária de setembro e deixar as taxas de juros inalteradas. O que não é consenso é a projeção se o ciclo de altas já acabou ou se ainda há chance de uma dose adicional de juros.

O motivo principal para a previsão de uma parada estratégica na próxima reunião do Fomc, o comitê de política monetária dos EUA, é que os núcleos da inflação e os preços dos serviços ainda estão em patamares distantes da meta de 2% perseguida pelo Fed. Ao mesmo tempo, começaram a surgir sinais de que o aperto monetário tem surtido efeito no aquecido mercado de trabalho. Assim, faria sentido o banco central precisar de “um tempo” para analisar todas as variáveis.

Danilo Igliori, economista-chefe da Nomad, pondera que a inflação em 12 meses teve uma ligeira alta de 3,0% em junho para 3,2% em julho, mas que é importante destacar que o CPI veio em processo de desinflação, uma vez que atingiu 9,1% em agosto de 2022. E o núcleo da inflação caiu ligeiramente, para 4,7% em 12 meses, vindo de 4,8% em junho.

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“Embora ainda não seja suficiente para afirmar que o ciclo de aumento de juros será encerrado, aumentaram as chances de uma pausa na próxima reunião do Fomc”, comenta.

Ele lembra que as autoridades observam com atenção os dados do mercado de trabalho e que, em julho, o crescimento de vagas de emprego veio um pouco mais fraco do que o antecipado, com a taxa de desemprego caindo marginalmente.

“A estabilidade das medidas de inflação em julho certamente vai pesar no balanço de riscos para apoiar uma parada da subida de juros nos EUA em setembro, mas me parece que a dinâmica do mercado de trabalho precisará de um enfraquecimento mais nítido para dar a confiança necessária aos diretores”, afirma Igliori.

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Andressa Durão, economista da ASA Investments, também vê um cenário benigno para a inflação, mas alerta que existem alguns riscos de curto prazo, como os preços da gasolina e a demora na desaceleração de preços dos aluguéis. “Não esperamos que a inflação desacelere muito do patamar atual, deve ficar ao redor de 3,0% por um tempo”, estima.

Com esse quadro, ela diz acredita que nada vai mudar para o Fed, por enquanto. Assim, o cenário atual de inflação reforça a manutenção dos juros, com o banco central continuando a  se manter dependente de dados para as reuniões seguintes.

“Ao adotar a estratégia de ‘skip’, ganharão tempo até o início de novembro para ver se nova alta é necessária. Até lá, teremos mais dois dados de inflação e apenas uma surpresa altista poderia mudar cenário de manutenção dos juros este ano”, avalia.

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Claudia Rodrigues, economista do C6 Bank, afirma que, observando o índice por dentro, é possível perceber que a inflação do setor de bens não é mais um problema, uma vez que em julho o núcleo do índice de bens teve queda de 0,3% frente ao mês anterior.

No entanto, a inflação de serviços continua sendo um desafio, uma vez que o mercado de trabalho aquecido, que mantém salários acima da produtividade, continua pressionando os preços. O núcleo da inflação de serviços em 12 meses, destaca, desacelerou pouco, de 6,2% para 6,1%.

“Diante desse cenário, acreditamos que o Fed promoverá uma pausa em setembro, para monitorar os efeitos defasados da política monetária implementada até aqui. No entanto, mantemos nossa visão de que o banco central americano optará por mais uma alta de juros esse ano e irá manter os juros elevados por um longo tempo. Não prevemos cortes de juros nos EUA antes de meados de 2024”, prevê.

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Lucas Zaniboni, economista da Garde Asset Management, também cita o comportamento da inflação de bens em julho. Excluindo o volátil segmento de carros usados, foi a menor leitura desde maio de 2020, que segundo ele, demonstra que “a normalização das cadeias produtivas e uma eventual exportação de deflação da China vem surtindo efeito e deve contribuir mais do que se esperava para a desinflação até o fim do ano”.

Mesmo a parcela de serviços, segundo Zaniboni, que mostrou reaceleração em alguns componentes, pode ter deixado o momento de maior estresse para trás. “Gradualmente, devemos ver leituras mais próximas da meta, na esteira da normalização principalmente dos preços de aluguéis. Com dois CPIs benignos em mãos, nossa tese de manutenção em setembro é reforçada. Não acreditamos em mais altas neste ciclo por parte do Fed”, afirma.

Habitação no foco

André Cordeiro, economista-sênior do Banco Inter, vê dois fatores como importantes para o comportamento recente da inflação. “Vemos que energia tem sido uma força deflacionária nos últimos meses, tendo retirado 1,5 ponto percentual do resultado de junho, na taxa anualizada. As commodities também contribuíram para esse movimento, desacelerando consideravelmente nos últimos 6 meses”, cita.

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No entanto, por outro lado, o setor de serviços tem trazido grande contribuição inflacionária, especialmente porque tem liderado as novas contratações na economia americana. Além disso, os gastos com moradia preocupam. “Habitação é o item com maior peso no cálculo da inflação e tem acumulado alta de 7,7% nos últimos 12 meses, se mantendo acima dos 7,6% observados em dezembro”, alerta Cordeiro.

O economista, no entanto, pondera que a tendência desses preços é de queda, embora lenta, porque o índice carrega o histórico da inflação de aluguel, enquanto o mais sensível seria avaliar apenas a variação de preços dos novos aluguéis. “Portanto, devemos ver a inflação de habitação arrefecendo de maneira mais intensa nas próximas divulgações à medida que os novos aluguéis passarem a ser mais representativos na amostra do CPI”, explica.

Ele lembra ainda que uma medida acompanhada de perto pelo banco central americano é o chamado super núcleo – o núcleo da inflação de serviços excluindo os gastos com habitação –  medida que, em tese, é menos sensível à política monetária. Portanto, uma desinflação nessa medida é um sinal importante de desinflação generalizada na economia. “Atualmente, o super núcleo acumula alta de 4,1% no acumulado dos últimos 12 meses, vindo de 6,2% em dezembro de 2022”.

Outro ponto a ser observado, segundo Cordeiro, são os combustíveis, que se mostram como um novo risco altista para a inflação. “Com o recente movimento de alta do barril de petróleo no mercado internacional, já se observam aumentos nos preços de gasolina e diesel para o consumidor,  o que sugere inflação de energia rodando na casa de 0,4% a0,5% ao mês”, alerta.

Para completar, o economista do Inter destaca que o mercado de trabalho americano continua bastante aquecido, apesar da desaceleração na margem. “Com isso, observa-se a inflação de salários ainda pressionada, estabilizada em um patamar elevado, de 4,4% na taxa anualizada. Essa dinâmica pode manter o núcleo da inflação pressionado, evitando a convergência da inflação à meta”, afirma

“Portanto, apesar da dinâmica benigna observada nesse primeiro semestre, iremos ver a inflação voltar acelerar no segundo semestre, em uma combinação pouco usual, que é o índice cheio acelerar ao mesmo tempo em que o núcleo desacelera. Em parte, isso se deve a efeitos estatísticos”, diz.

Greg Wilensky, head de renda fixa dos EUA na Janus Henderon Investors, por sua vez, acredita que, mesmo com a esperada alta de preços da gasolina no próximo mês, o Fed e os investidores devem manter o foco nas medidas do núcleo da inflação. E que, apesar de o núcleo ter caído de seus níveis mais altos, ainda está bem acima da meta de 2% do Fed.

Para o mercado de trabalho, é esperada uma moderação, à medida que a economia esfria. “Essa leitura alinhada aumenta a probabilidade de que o Fed mantenha as taxas de juros inalteradas em setembro. Supondo que os dados econômicos evoluam como esperamos nos próximos meses, acreditamos que já vimos o último aumento nesse ciclo”, afirma.