Analistas destacam desaceleração em serviços e projetam maior pressão para BC acelerar corte de juros

Comportamento dos serviços subjacentes em julho deve renovar argumentos em favor de corte de 0,75 p.p., dizem economistas

Roberto de Lira

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Apesar de a inflação de 0,12% medida pelo IPCA em julho ter vindo acima da mediana das projeções de mercado (após uma deflação em junho), os economistas destacaram a composição benigna do indicador, em especial o comportamento da variação de serviços no mês, especificamente os subjacentes. Como esse é componente mais importante para o Banco Central em suas decisões de política monetária, a aposta agora é de uma pressão maior pela aceleração do ciclo de cortes de juros, antecipadamente anunciada para um ritmo de 50 pontos-base.

Andrea Damico, economista-chefe da Armor Capital, considera que a tendência de desinflação nos serviços subjacentes está evidenciada, embora a dinâmica desses preços não seja necessariamente linear. “Saíram de 0,55% no fechamento de junho, cederam para 0,29% no IPCA-15 de julho e agora para 0,25%, ou seja, menos da metade da aceleração do mês anterior. É um resultado extremamente importante e benigno”, comenta.

A economista diz que a Armor ainda trabalha com um cenário de mais dois cortes de 50 pontos-base na duas próximas reuniões do Copom, com o ritmo subindo para 0,75 ponto percentual no encontro de dezembro, mas admite que deve começar a entrar no radar do mercado uma antecipação. Isso se os serviços subjacentes permanecerem no patamar de 0,25%, que significa inflação na meta em termos anualizados.

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“Aumenta de uma forma muito significativa as chances de núcleos de inflação perto dos 3% muito em breve, no último trimestre do ano. E tendo a média trimestral dessazonalizada e anualizada dos núcleos de inflação rodando ao redor de 3%, é um ‘trigger’ importante para a aceleração de passo (pelo BC). Está ganhando força ter uma antecipação desse debate dos 75 bps para a reunião de novembro”, estima.

Sobre o dado cheio de julho, ela afirma que já esperada uma alta nos bens industriais, principalmente nos duráveis, como reflexo essencialmente do fim do desconto de automóveis. “Então, não preocupa, porque é um efeito pontual”, diz.

Alexandre Maluf, economista da XP, coloca como um dos destaques do IPCA a média dos núcleos de inflação, que avançou 0,18% no mês, com a média móvel trimestral, anualizada ajustada sazonalmente, caindo de 4,3% para 3,3%. Já os serviços subjacentes avançaram 0,19% (abaixo da projeção de 0,27%), com a média trimestral anualizada recuando para 5,5%, ante 6,6% em junho.

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“A surpresa baixista em serviços subjacentes veio de ‘alimentação fora do domicílio’, que pesa 28% nessa métrica, enquanto os serviços intensivos em mão de obra vieram praticamente em linha com nossas projeções. Desse modo, há uma inequívoca melhora nas leituras recentes do IPCA no tocante às métricas de serviços e núcleos, o que possivelmente aumentará as apostas para corte de 0,75 p.p. na próxima reunião do Copom”, afirma Maluf, embora opine que o número de hoje ainda é consistente com um corte de 0,50 p.p.

Sobre o IPCA fechado do mês, o economista da XP cita como principais responsáveis para a aceleração do ritmo o comportamento dos combustíveis, devido à reoneração dos impostos federais, e dos industrializados, cuja aceleração foi puxada pela volta dos descontos em automóveis.

Por outro lado, contribuíram de forma baixista ao índice a deflação em energia elétrica, devido aos descontos gerados por Itaipu, e a desaceleração em passagem aérea e aluguel e condomínio, o que era esperado  após o IPCA-15.

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Ele destaca como surpresa de alta em julho os 1,7% de alta nos “automóveis novos”, acima das projeções, o que levou os preços industriais a uma elevação de 0,12% no mês. “Esperávamos uma variação negativa para esse subitem, dado o programa de estímulo do governo. Com isso, parece que o efeito baixista da medida sobre o IPCA se dissipou no mês passado, contrastando com as sondagens de preços de alta frequência”, comenta Maluf

A XP mantém a projeção de que o Copom reduza a taxa Selic para 11,75% até o ano de 2023. Em relação ao IPCA, a estimativa é de 4,6% para 2023 e de 3,9% para 2024.

Mirella Hirakawa, economista da AZ Quest, também prevê que a composição benigna do IPCA de julho deve alimentar os argumentos para a aceleração de cortes pelo BC, com a curva de juro elevando a probabilidade de uma redução de 75 bps já na reunião de setembro. O cenário-base da AZ Quest é um ritmo de cortes de 0,50 p.p., mas a projeção está sob processo de revisão, afirma.

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“A medida de qualidade do número está bem mais benigna do que o esperado e confirma uma desaceleração significativa na margem. Nossa medida de subjacentes desacelera de algo próximo de 0,7% em junho para algo próximo de 0,2% em julho, uma desaceleração significativa desse que é o componente mais importante para o BC”, explica.

Mirella lembra que o próprio BC anunciou que estava dependente de dados para uma possível aceleração do passo de cortes, citando como três fatores a reancoragem das projeções mais longas de inflação, o hiato do produto e a dinâmica de inflação, em especial a de serviços. “Esse terceiro ponto mostra que a gente tem uma inflação mais benigna nesse número de julho”, frisa.

Sobre a aceleração da inflação em julho, que saiu de 0,08% negativo em junho para 0,12% positivo em julho, a explicação recai principalmente nos preços de gasolina e automóveis novos, que representaram 42 bps no total. Do outro lado, energia elétrica, trouxe uma participação negativa próxima de 20 bps entre junho e julho. Ou seja, a inflação pode ser explicada por fatores mais voláteis, afirma a economista.

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Leonardo Costa, economista da ASA Investments, também acredita que a análise qualitativa melhor do IPCA na parte de serviços, aponta para um caminho de aceleração do ciclo de corte de juros no 4º trimestre. “Contudo, é importante ressaltar a volatilidade dos núcleos nas últimas leituras, o que indica que o BC deve juntar mais informações até sacramentar dinâmica mais benigna dos serviços”, poderá.

Dinâmica mudou

Os economistas Marco A. Caruso e Igor Cadilhac, do PicPay, colocam entre as sinalizações de que a inflação de julho apresentou uma composição saudável o alívio sobre os preços de serviços (0,62% para 0,25%), a variação historicamente baixa da média dos núcleos (0,18%), a redução do índice de dispersão (de 49,6% para 46,15%) e a descompressão nos núcleos que guardam maior relação com a atividade econômica.

“Olhando à frente, por ora mantemos a projeção em 4,9% para 2023. No entanto, importante destacar que a dinâmica dos preços mudou recentemente. Por um lado, o cenário de alimentos e câmbio auxiliando no processo desinflacionário perde relevância na desinflação. Por outro, os preços de bens seguem desacelerando e, agora, a leitura qualitativa dos núcleos, incluindo serviços, vem se mostrando mais positiva. Esse ponto, aliás, é mais relevante para a política monetária”, comentam.

Eles destacaram ainda que o IPCA acumulado nos últimos 12 meses finalizou sua tendência de queda em junho, quando atingiu o “vale” de 3,16%. A partir deste mês, afirmam, ele inicia sua trajetória expansionista, atualmente com um acumulado de 3,99%.

Rafaela Vitória, economista-chefe do Banco Inter, comenta que a abertura dos dados mostra que a tendência de queda da inflação continua. “A difusão teve nova redução – o número de itens em alta está menor – e a média dos núcleos variou apenas 0,2% no mês, no mesmo ritmo do mês passado”, diz.

Ela pontua ainda que a média móvel do núcleo de inflação nos últimos 3 meses está próxima do centro da meta. “Outro dado importante foi a desaceleração da inflação de serviços, destaque na última ata do Copom. Tanto a variação de serviços, que foi de 0,25%, como serviços subjacentes, em 0,2%, desaceleraram em relação aos meses anteriores, incluindo queda na variação de aluguéis e alimentação fora de casa”, lista.

Sobre a política monetária, o Inter mantém a expectativa de novos cortes de juros pelo Copom no ritmo de 0,50 pontos percentuais, acelerando na reunião de dezembro para 75 bps e terminando o ano com a Selic em 11,5%. “Em 2024, os cortes devem continuar e até meados do ano e voltaremos a ter Selic de 1 dígito, em 9%”, prevê Rafaela.

Gustavo Sung, economista-chefe da Suno Research, destaca em sua análise que a alta mensal do IPCA foi puxada principalmente pelos preços administrados (0,46%), enquanto os livres apresentaram estabilidade (0,01%).

Na análise qualitativa, ele também colocou em destaque o recuo da difusão, os preços de serviços ficando em 5,7% e os serviços subjacentes desacelerando no acumulado de 12 meses (6,1%), além do fato de a média dos núcleos de inflação ter se posicionado abaixo de 6,0%.

“Esses dados corroboram o cenário mais benigno para a inflação brasileira. Além disso, o boletim Focus continua mostrando uma melhora das expectativas de inflação . Na última edição, vimos uma queda em 2024 e estabilidade em horizontes mais longos, de 2025 e 2026”, comenta.

Sung espera que o Copom pratique cortes de 0,50 p.p. em cada uma das três próximas reuniões (setembro, novembro e dezembro), levando a taxa Selic a 11,75% a.a. no final de 2023. “Para 2024, a tendência é que a Selic continue caindo e fique abaixo dos dois dígitos, com uma taxa terminal de 9,25% a.a.”, estima.

Alexandre Lohmann, economista-chefe da Constância Investimentos, por sua vez, comenta que  a abertura dos dados é boa, apesar da surpresa negativa no headline. “Para o futuro, o cenário deve piorar com o duplo efeito El Niño e a desfasagem dos preços dos combustíveis. Mas a abertura deve ficar benigna, com preços dos serviços e núcleos em desaceleração”, afirma.

Para o analista André Fernandes, sócio da A7 Capital, com a desaceleração em serviços subjacentes, o mercado deve pressionar ainda mais a curva de juros futuro, provocando novas quedas e refletindo um desejo por cortes mais agressivos por parte do Copom.

“Vemos que finalmente o setor de serviços está de fato desacelerando, e isso é bem positivo, pois pode indicar que se continuar nessa tendência, o ritmo de corte de juros pode acelerar. Finalmente o patamar de juros atual começou a ser refletido em serviços”, comenta.

Outra visão

O economista André Perfeito também diz que a abertura do indicador se mostrou mais benigna do que que a inicialmente pensada, com os núcleos retrocedendo, a difusão caindo e os serviços subjacentes desacelerando fortemente.

Mas, para ele, apesar de os números poderem reforçar a perspectiva de parte do mercado que haveria espaço para cortes maiores na taxa básica, isso não seria factível. “Uma vez que a própria autoridade monetária já se posicionou sobre o assunto dizendo que não haveria espaço para isso.”

Perfeito mantém a perspectiva de que os juros irão terminar o ciclo acima da taxa neutra, como o próprio BC já apontou. “Nesse sentido, mantenho a perspectiva de 10,75% de Selic ao final do ciclo.”

Claudia Moreno, economista do C6 Bank, também faz o alerta que, além do efeito estatístico das deflações de julho, agosto e setembro do ano passado, outros fatores levam a crer que a inflação continuará pressionada nos próximos meses.

“Apesar de mostrarem desaceleração, os núcleos do BC e a inflação de serviços seguem em patamar elevado. Os núcleos que excluem elementos voláteis e não recorrentes acumulam alta de 5,6% em 12 meses, assim como a inflação de serviços, que está no mesmo patamar de 5,6%”, destaca

Ela pondera se haverá continuidade dessa perda de fôlego. “A inflação de serviços é impactada diretamente pelo mercado de trabalho aquecido, já que esse é um setor intensivo em mão de obra. Por isso, olhar para a inflação de serviços, que representa cerca de 1/3 do IPCA, ajuda a identificar para onde caminha a inflação geral”, explica.

Na visão da economista do C6 Bank, o mercado de trabalho aquecido e as expectativas de inflação ainda acima da meta são desafios à convergência da inflação à meta. “O resultado do IPCA de julho não muda nossa projeção de que a inflação terminará 2023 em 5,4%. Para 2024, esperamos que a inflação fique em 5,5%”, afirma.

Ariane Benedito, economista da Esh Capital, o ponto de atenção agora é o impacto dos administrados na leitura do índice cheio para as próximas medições do IPCA. “O resultado divulgado hoje não deve alterar a trajetória de cortes de juros, em 50 pontos-base, para as próximas reuniões do Banco Central. Considerando os períodos a frente, o maior desafio para a autarquia é a ancoragem das expectativas e, por isso, deve permanecer com cautela.”