Chances de o Copom iniciar os cortes de juros em junho diminuíram, apontam analistas

Comunicado do Comitê diz que expectativas de inflação ainda estão desancoradas e que mercado de trabalho está resiliente

Roberto de Lira

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O Comitê de Política Monetária (Copom), que decidiu nesta sexta-feira (3), manter pela 6ª reunião consecutiva a taxa de juros Selic em 13,75%, conservar também em sua comunicação o tom mais duro e técnico adotado após os encontros anteriores, mas mudando trechos que tanto atenuaram como reforçaram as posições anteriores. Numa análise mais geral, a maioria dos analistas acredita que as chances de um início de cortes na reunião de junho são quase nulas.

Tatiana Pinheiro, economista-chefe da Galapagos Capital, disse em live da XP que o BC optou por manter a mensagem das últimas reuniões, de que sua estratégia é manter a taxa de juros nesse patamar mais alto até que as expectativas de inflação, incluindo as de prazos mais longos, caiam em direção à meta.

Ela destacou no comunicado o detalhamento que o Comitê deu à afirmação feita anteriormente pelo presidente do BC, Roberto Campos Neto, de que não há relação mecânica entre a apresentação do novo arcabouço fiscal e a redução dos juros.

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Tatiana disse que houve uma sinalização de que não é apenas a entrega do novo conjunto de regras fiscais ou a série de medidas visando a arrecadação que afeta a condução da política monetária e sim os efeitos disso nas expectativas. “A disciplina ou não do lado fiscal tem de fazer efeito nas expectativas. Não são mensagens muito diferentes do que já tem sido feito há algum tempo”, comentou”.

Mario Schalch, gestor de multimercado da Neo Investimentos, que também participou da live da XP, também viu uma comunicação muito parecida com a da reunião de março do Copom. “O BC tem sido bastante objetivo, talvez por ter entrado no foco da discussão política. Ele tem se apegado às variáveis que são maias relevantes. Pegou o regulamento e botpu debaixo do braço”, afirmou.

Tanto Taiana como Mario projetam que o BC só deve começar a cortar os juros a partir da reunião de setembro.

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Acredito que o BC sinalizou que o início dos cortes é no segundo semestre e nossa aposta é setembro. É preciso maturação do cenário de desinflação. E tem o debate sobre a meta, que fez a expectativas desancorarem. O ambiente para o corte de juros nesse primeiro semestre ficou complicado”, comentou a economista da Galapagos.

O gestor da Neo Investimentos concorda. Ele acredita numa inflação entre 4% e 5% em 2024, portanto uma taxa Selic de cerca de 11% no ano que vem resultaria num juro real entre 6% a 6,5%. “Tem espaço para baixar a Selic. É uma gordura que vai ser retirada do que existe hoje”, calculou.

Ele também ponderou que uma mudança na meta de inflação, possibilidade cada vez mais real por conta da reunião do CMN em junho, pode trazer um novo desafio de adaptação ao BC.

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Para Luca Mercadante, economista da Rio Bravo, o comunicado do BC teve uma renovação do tom duro adotado antes, ao citar a contínua preocupação com o nível de inflação e agora com a citação do mercado de trabalho mais persistente do que o esperado.

“Nos resultados do modelo, a autoridade monetária vê pouco alívio, inclusive no cenário mais pessimista. Assim, o BC segue reconhecendo um cenário em que não há espaço para cortes de juros no curto prazo e segue colocando, ainda que agora reconhecendo a menor probabilidade, a possibilidade de retomada do ciclo”, afirmou Mercadante.

Rodolfo Margato, economista da XP, também citou a adição ao comunicado da menção à resiliência no mercado de trabalho no período recente, motivada pelos dados do Caged, que mostraram forte geração líquida de emprego com carteira assinada no primeiro trimestre. Isso, no entanto, não tem força, segundo o economista, para alterar o cenário-base prospectivo do BC.

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Para a XP, esse cenário é de manutenção da Selic também na reunião de junho e um início de ciclo de flexibilização gradual da taxa em agosto. “A gente prevê um primeiro corte na reunião de agosto, em 0,25 ponto percentual, seguida de reduções de 0,50 p.p. a partir de setembro, com a taxa chegando a 12% no final de 2023”, estimou Margato

Como fator que pode interferir nessa projeção, o economista da XP citou a tramitação do arcabouço fiscal no Congresso Nacional, que pode impactar expectativas de inflação e a percepção de risco na economia. “Além, claro de leituras de inflação, dados de atividade econômica e comportamento do câmbio, que teve uma apreciação no período recente”, listou.

Idean Alves, sócio e chefe da mesa de operações da Ação Brasil, destaca “vigilância” como palavra-chave para atuação do BC. “Na minha visão, o tom do comunicado do Copom foi bastante duro, bem mais ‘hawkish’, e mantendo a palavra quase que de lei nas últimas reuniões do Comitê: vigilância”, afirmou.

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Para ele, a “surpresa” ficou por conta do tom da manutenção da Selic no patamar atual por mais tempo, pegando o mercado na contramão, em um momento em que havia a esperança de um corte de juros no curto prazo.

“O Comitê caminhou no sentido contrário por entender que ainda há muito a ser feito, principalmente para ancorar as expectativas de inflação, tentando cumprir a meta de forma técnica, mas tendo que cobrar um custo alto para isso”, destacou.

A posição mais firme do BC deverá ter seu preço, alerta Alves. “Provavelmente deixará o ânimo dos políticos à flor da pele, já que boa parte da base aliada pedia um corte de juros ‘de qualquer jeito’. E mais uma vez um Copom sinalizou que vai ser técnico e que não cederá as pressões políticas”, analisou.

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Paciência

Marcelo Fonseca, economista-chefe do Opportunity Total, também acredita que o Copom confirmou as expectativas de que não há condições para redução da taxa de juros no horizonte próximo, enfatizando a necessidade de “paciência e serenidade” com a condução da política monetária.

“Nesse sentido, destaque para as projeções do BC, que só somente convergem para o centro da meta de 3,0% em 2024 assumindo-se um cenário de manutenção da taxa Selic nos níveis atuais”, lembrou.

Fonseca também comentou como ponto relevante o fato de o Comitê ter reconhecido a redução das incertezas com a apresentação do novo arcabouço fiscal, mas ponderando novamente que não há relação mecânica entre a convergência da inflação e a aprovação do arcabouço. “Ou seja, o Copom deixa claro ser necessário que as expectativas de inflação sejam positivamente impactadas pelo novo arcabouço fiscal para que este tenha um impacto na definição da Selic”, afirmou.

“Em suma, a reunião confirmou nosso entendimento de que o início da redução dos juros somente ocorrerá no quarto trimestre do ano.”

Gustavo Bertotti , economista-chefe da Messem, observou que o balanços de riscos continua o mesmos apontado pela diretoria do BC na ata anterior do Comitê de Política Monetária e que isso motivou a manutenção da taxa Selic em 13,75%.

“Ainda existem incertezas em relação ao arcabouço fiscal que, nossa avaliação, é permissivo com o aumento de gastos, o que causa uma preocupação sobre a deterioração da trajetória da dívida pública”, disse.

O economista também vê crescimento do risco político no Brasil. Um exemplo citado são as críticas do governo federal sobre a condução política monetária, o que traz uma aversão a risco ao nosso mercado.

Bertotti analisou que o comunicado do BC teve um tom menos “hawkish” que o anterior, mas acredita que o afrouxamento monetário só deverá ocorrer a partir do segundo semestre.

Para ele, o BC tem sido muito técnico e está sendo correto em suas decisões diante de um cenário de tantas incertezas. “Na minha visão, a preocupação com a desancoragem das expectativas de inflação continua”, disse.

Expectativas

O comentário de Rafaela Vitória, economista-chefe do Banco Inter, vai na mesa linha, de que o BC manteve o tom de cautela já visto em março. “Um dos destaques no comunicado foi a mudança nas premissas do BC, com melhora no câmbio, queda do petróleo, bandeira verde e, ainda assim, sem impacto nas projeções do IPCA, mantidas em 5,8% em 3,6% para 2023 e 2024”, afirmou.

Para ela, o comunicado do Copom afasta qualquer chance de corte na próxima reunião em junho. “Para agosto, o corte fica dependente de uma queda maior que o esperado na inflação corrente e melhora no cenário fiscal, com a aprovação do arcabouço refletindo em redução do risco fiscal e alguma queda nas expectativas de inflação para 2024”, disse.

Adriana Dupita, economista-chefe para Brasil e Argentina na Bloomberg Economics, concordou que a decisão de manutenção dos juros era amplamente esperada, mas ponderou que houve pontos interessantes no comunicado.

“Há pelo menos dois sinais de que um corte de juros está no horizonte: o reconhecimento de que a nova regra fiscal mitigou parcialmente os riscos fiscais, e a projeção de uma inflação abaixo da meta em 2024 caso os juros sigam no nível atual até lá”, destacou.

Mas, segundo Adriana, este corte dificilmente virá já na próxima reunião. O motivo é que dificilmente as expectativas de inflação estarão ancoradas nas metas até lá, como deseja o BC.

“Do ponto de vista político, a manutenção da referência, ainda que suavizada, a uma possível alta de juros se necessário pode gerar desconforto no governo. Caso volte a haver ruído público, isso pode contaminar decisões importantes para o cenário de juros, como a indicação de novos membros para o BC e a discussão sobre metas de inflação”, alertou.

Leonardo Costa, economista da ASA Investments, faz uma avaliação um pouco diferente. Ele disse que notou um discurso menos duro do BC do que os comunicados anteriores, com as projeções não indicando deterioração adicional no balanço de riscos e até um afago no fiscal esperando o texto final aprovado pelo Congresso. “Na condução da política monetária informou ser menos provável voltar a ajustar a taxa básica. Foi mais ‘dove’ do que eu esperava”, comentou.

Elisa Machado, economista-chefe da ARX Investimentos, também afirmou que o Copom não alterou significativamente o balanço de riscos, uma vez que manteve as projeções de inflação, embora tenha mudado a sua premissa de bandeira tarifaria de amarela para verde, o que significa que houve revisão altista em outros itens.

“O BC foi coerente com a sua comunicação verbal, reconhecendo que a proposta de arcabouço fiscal reduz a incerteza, mas que não há relação mecânica entre o arcabouço e apolítica monetária. É preciso que o arcabouço, quando aprovado e posto em prática, se reflita nas variáveis relevantes do modelo, como por exemplo, nas expectativas de inflação”, explicou.

Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos, disse acreditar que a inclusão da expressão “menos provável” sobre uma eventual alta de juros, foi um aceno à indignação política despertada no último Copom.

“Também avaliamos como um aceno ao mundo político a adição do trecho que o ‘Copom enfatiza que não há relação mecânica entre a convergência de inflação e a aprovação do arcabouço fiscal’, explicitando algo que em alguns momentos já foi reivindicado por alguns ministros”, acrescentou.

Para Sanchez, o cenário alternativo citado pelo BC no comunicado acaba, mais uma vez, apontando que há a necessidade de que a Selic permaneça elevada por mais tempo que o sugerido pelo Boletim Focus, que contempla cortes a partir de setembro. “Deste modo, reafirmamos nossa perspectiva de que a Selic ficará inalterada em 13,75% até abril de 2024”, previu.

O relatório da Órama Investimentos diz que o Copom salientou no comunicado os elementos perturbadores existentes, domésticos e externos, apesar de reconhecer que a apresentação do novo arcabouço fiscal possui méritos em reduzir parte das incertezas.

“De concreto, contudo, não percebemos no documento ‘pistas’ reais de que a queda da taxa esteja próxima. Por fim, diante do texto ainda duro, a ideia de que o início do afrouxamento da atual política possa ocorrer já na próxima reunião de junho perde força”, concordam os analistas que assinam o relatório da Órama.