Agrosmart: “A transição para a sustentabilidade precisa ser financiada”

Mariana Vasconcelos, cofundadora da Agrosmart, fala sobre o presente e o futuro da agricultura no país. Startup está preparando captação de US$ 20 milhões

Mariana Fonseca

Mariana Vasconcelos, cofundadora da Agrosmart (Divulgação)

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Tecnologia e crédito tornaram-se ainda mais importantes para os agricultores em um cenário de instabilidades climáticas, econômicas e políticas, segundo a empreendedora Mariana Vasconcelos. Para a cofundadora da Agrosmart, essa situação pede que o mundo das finanças olhe ainda mais para o ESG – sigla para o movimento de preocupação com aspectos ambientais, sociais e de governança.

“Essa agenda está ganhando velocidade e prioridade, depois de uma freada curta por conta da guerra [entre Rússia e Ucrânia]”, afirmou Mariana em entrevista ao Do Zero Ao Topo, marca de empreendedorismo do InfoMoney. “Os desafios são vários, mas as oportunidades também. Quando estamos num cenário de alta taxas de juros e alto custo de produção, é cada vez mais importante que o produtor seja eficiente, e para isso precisa investir em tecnologia.”

A Agrosmart é uma startup que coleta e processa dados de plantações espalhadas por 48,5 milhões de hectares (cada hectare equivale a um campo de futebol). O objetivo é permitir uma melhor tomada de decisão aos mais de 100 mil agricultores atendidos por seus sensores e aplicativo. Desde o início deste ano, a Agrosmart também fornece uma plataforma corporativa, para que empresas como Bradesco e Nestlé acompanhem aspectos ambientais, sociais, de governança e de operação dos agricultores que são seus clientes ou fornecedores.

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O próximo passo da startup é captar uma rodada de até US$ 20 milhões, com foco em serviços financeiros para produtores. Veja os principais trechos da entrevista com Mariana Vasconcelos, cofundadora e CEO da Agrosmart:

Do Zero Ao Topo – Estamos em um momento de instabilidades climáticas, econômicas e políticas. Nesse cenário, como você avalia a situação da sustentabilidade na agricultura brasileira?

Mariana Vasconcelos – Os desafios são vários, mas as oportunidades também. Quando estamos num cenário de alta taxas de juros e alto custo de produção, é cada vez mais importante que o produtor seja eficiente, e para isso precisa investir em tecnologia.

Por outro lado, o dólar está mais alto. O produtor sabe que tem um fluxo de caixa mais favorável para esses investimentos quando exporta, então está cada vez mais antenado com a tendência de que ser sustentável é uma oportunidade. A sustentabilidade permite exportar com mais valor agregado, por conta de sua história e mensagem, e acessar mercados de capitais. Não é apenas diferencial em alguns casos: existem países da Europa que não compram mais sem requisitos sustentáveis cumpridos. Essa agenda está ganhando velocidade e prioridade, depois de uma freada curta por conta da guerra [entre Rússia e Ucrânia]. A Minerva fez recentemente sua primeira exportação de carne carbono neutro, por exemplo.

Uma questão importante aos agricultores é a alta dos custos de fertilizantes. A Rússia é o maior exportador de fertilizantes do mundo, mas começou um conflito geopolítico. A situação dá força a fertilizantes alternativos?

Uma agenda que ganhou atenção foi a dos bioinsumos, como forma de diversificar nossa oferta de fertilizantes. E também por isso é cada vez mais importante termos dados. Os insumos biológicos são mais vulneráveis a condições ambientais, então precisam de mais informação para performar melhor. Para mostrar que o bioinsumo de fato faz diferença na lavoura, a rastreabilidade também se torna mais importante.

Já vemos sim essa maior procura dos produtores, ainda que alguns tenham antecipado a compra de insumos tradicionais para suas safras e ainda tenham estoque. Vemos também um crescimento de atenção e de investimento nas biotechs que trazem alternativas aos fertlizantes.

Como os agricultores lidam com o cenário economicamente difícil, com aumento dos seus custos de produção?

Na Agrosmart, os principais benefícios apontados pelos produtores são redução de custos, otimização da irrigação e pulverização, aumento de produtividade, mitigação de risco e facilidade de certificação.

Então, de um lado, eles têm uma preocupação com despesas, mudanças climáticas e tomar decisões certas diante dos riscos. De outro lado, estão procurando produtividade, rastreabilidade e comunicação para obterem vendas em melhores condições, e assim lidarem com o aumento dos custos.

Ter crédito se tornou uma preocupação maior ainda nesse cenário. Os recursos do Plano Safra 21/22 estavam congelados, e voltamos a ter financiamentos faz pouco tempo. A incerteza colabora para a entrada de mais fintechs de agricultura no mercado. Essas empresas estão indo super bem, com a proposta de injetar mais recursos na agricultura.

Como a Agrosmart atua hoje, seja com produtores ou com corporações?

Temos mais de 100 mil agricultores atendidos e monitoramos 48,5 milhões de hectares. Também estamos crescendo nossa plataforma corporativa de ESG, que atua em três campos: monitoramento, reportagem e verificação.

A corporação pode cadastrar suas práticas sustentáveis e nós coletamos dados do produtor rural, a partir de todos os produtos que temos, para montar um painel que reporta aspectos ambientais, sociais, de governança e de operação. Olhamos para condições como eventos climáticos adversos, estresse hídrico, pegada de carbono, condições de trabalho na plantação, registro de atividades e produtividade da colheita. Por fim, fazemos o compliance de dados financeiros e áreas como créditos de carbono, desmatamento e seguros.

A Agrosmart está captando uma nova rodada, com alvo entre US$ 15 milhões e US$ 20 milhões. Quais são os planos com a captação?

Temos parte da rodada série B captada. Vamos fechar condições e participantes no segundo semestre. Buscamos uma boa combinação de investidores de impacto, investidores que entendem de efeito de rede e investidores com foco em execução. Estamos avaliando um cenário global de investimentos, não só brasileiro.

Nossa tese será de conectar finanças com ESG, porque percebemos que a transição para a sustentabilidade precisa ser financiada. Essa transição pode ser investir em um projeto de agricultura regenerativa, o requer mudar toda a lógica da lavoura. Pode ser investir na agrofloresta, ou integração entre lavoura e espécies florestais. Em certificação, rastreabilidade, projetos de carbono. Todos esses investimentos se relacionam com financiamentos, adoção de tecnologias, mudança de processos e ferramentas de reportagem e de verificação.

Com a frente dos produtores, buscamos ser o sistema operacional que os ajudará a fazer essa mudança para uma produção mais sustentável dos alimentos. Com a frente corporativa, buscamos usar os indicadores coletados para que as companhias concedam os financiamentos aos agricultores e para que criem serviços financeiros para suas próprias operações, como créditos de carbono e títulos verdes.

Já estamos projetando novidades para setembro, como o lançamento do BoosterBank [da BoosterAgro, startup argentina comprada pela Agrosmart em abril de 2021]. Teremos uma wallet [carteira eletrônica] que permitirá que corporações paguem produtores que têm boas práticas. E esses produtores poderão usar essa mesma wallet para comprar produtos, serviços e tecnologias com benefícios, como cashback. Também poderão acessar um cartão e linhas de financiamento próprias para a adoção de tecnologia e para práticas de sustentabilidade.

Crescemos nosso faturamento em 90% em 2020, e em 170% em 2021. No primeiro trimestre deste ano, crescemos 108%, mas sabemos que nosso crescimento é mais acumulado no final do ano por conta das safras. Nossa expectativa é crescer entre 100% e 200% vezes no ano, como ocorreu nos últimos anos.

A história da Agrosmart foi tema do episódio 104 do podcast Do Zero ao Topo. Mariana falou sobre seu começo no empreendedorismo; as tentativas de negócios até chegar à startup; e o avanço do ESG dentro das empresas:

Essas mudanças podem a todos os agricultores, em um país que ainda sofre com o acesso irrestrito à internet? De que forma?

As mudanças precisam chegar a todos os agricultores, porque boa parte da nossa produção está nos pequenos e médios produtores. A conectividade é um desafio ainda, apesar de estar melhorando. Passamos de 23% para 27% dos produtores com acesso a internet no campo.

A educação sobre isso, que vai desde a inclusão digital até explicações sobre coleta e análise de dados, também é cada vez mais importante e está melhorando. Vemos isso mudando por iniciativas do governo e por exposição da agricultura digital nos eventos do setor. Um último desafio, que já mencionamos, é crédito. Existe uma lacuna de alocação de recursos para financiar não apenas safras, mas a transição para o digital e o sustentável.

É importante pensarmos como um sistema agroalimentar, para não deixarmos ninguém para trás. Não olhar apenas para o produtor pequeno, mas para sua ligação com Ceasas [centros de abastecimento], governo e corporações. Esses stakeholders da cadeia precisam se comprometer a viabilizar o acesso dos produtores ao digital, porque esses mesmos stakeholders também precisam das informação para planejamento de sua cadeia e análise de risco. Boa parte das multinacionais de alimentos e de consumo tem pequenos produtores como fornecedores seus, então elas têm esse poder para engajar e trazer tecnologia subsidiada para eles.

Vimos isto na Agrosmart: precisamos das instituições envolvidas para trazermos os pequenos, e não apenas os médios e grandes produtores.

Mariana Fonseca

Subeditora do InfoMoney, escreve e edita matérias sobre empreendedorismo, gestão e inovação. Coapresentadora do podcast e dos vídeos da marca Do Zero Ao Topo.