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Precatórios: equacionamento no orçamento é possível, com limitação do pagamento anual

Situação fiscal favorável do país absorve o crescimento dessa despesa, mas nenhuma rubrica dessa magnitude e volatilidade anual pode ser acomodada em uma regra de teto agregada
Por  Pedro Jobim, Leonardo De Paoli
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Nos últimos dias, o frágil ambiente macroeconômico brasileiro foi, mais uma vez, desestabilizado por uma notícia preocupante: o valor dos precatórios, isto é, de dívidas judiciais, a serem inscritas pelo Poder Judiciário no orçamento da União.

Em 2022, o valor seria de R$ 89 bilhões, muito superior aos cerca de R$ 55 bilhões previstos para 2021 e às estimativas do governo e de grande parte dos agentes econômicos, para 2022, que giravam em torno de R$ 58 bilhões.

Para se ter uma ideia da dimensão desse montante, ele é da ordem de grandeza de todo o orçamento de despesas discricionárias sob controle do poder executivo, que somam cerca de R$ 120 bilhões em 2021.

Num contexto em que a restrição relevante para a política fiscal é o teto de gastos, em que a disponibilidade de espaço, de um ano para outro, se mede, no máximo, em poucas dezenas de bilhões de reais, um aumento de 50% em uma rubrica de tamanho peso e classificada, presentemente, como despesa corrente (e obrigatória), inviabiliza, na prática, qualquer possibilidade de gestão no Orçamento, se mantidas as regras atuais do teto de gastos.

A solução do problema por meio da negociação do parcelamento dos precatórios para o ano de 2022 precisaria ser feita individualmente pelas partes, no caso das dívidas de maior valor, e, ainda que fosse bem-sucedida, seria muito precária e pouco robusta, pois teria que ser repetida, anualmente, sem que houvesse qualquer garantia quanto ao seu resultado.

O equacionamento satisfatório dessa questão, portanto, passa necessariamente por uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC), na medida em que o pagamento de precatórios é disciplinado na Constituição Federal, e também integra o conjunto de despesas sujeitas ao teto de gastos, instituído pela EC 95/2016.

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Uma PEC que envolva alteração no teto de gastos suscita, justificadamente, receio por parte dos agentes econômicos, uma vez que sempre existe o risco de se utilizar a oportunidade para adulterar ou inutilizar o regime fiscal do país – ainda que esse resultado não interesse a nenhum dos agentes envolvidos.

Reformas que alteram regras fiscais devem ser evitadas ao máximo, na medida em que diminuem a confiança dos agentes na estabilidade das mesmas regras, à frente.

A liderança do Congresso e o Poder Executivo, no entanto, têm sido extremamente firmes na intenção de se manter a estrutura e o papel disciplinador do teto de gastos, fundamental para afiançar a consistência da política econômica do governo nos últimos anos.

Em 2016, quando o teto de gastos foi introduzido, as despesas com precatórios foram de R$ 30,7 bilhões. Essas despesas já vinham crescendo substancialmente nos anos anteriores, mas não seria razoável supor, à época, que elas viessem a triplicar num espaço de seis anos.

Ademais, sendo a despesa de precatórios uma despesa com dívida, há bons argumentos para que ela seja considerada uma despesa de capital, e assim, devesse ser excluída da base de despesas sujeita ao teto – como o são outras despesas com pagamento de passivos, como a amortização da dívida pública.

Diante dessas considerações, uma opção legítima para o equacionamento do impasse representado pelo elevado volume de precatórios a serem pagos no ano que vem, seria a exclusão dessas despesas do teto de gastos, a partir de 2022, combinada ao recálculo do limite do teto desde sua instituição, em 2016, a partir da exclusão das despesas com pagamento de precatórios do total das despesas sujeitas ao teto, naquele primeiro ano de sua vigência.

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Com a correção pela inflação até junho de 2021, a exclusão do gasto com precatórios em 2016 implicaria em um limite do teto de gastos R$ 40 bilhões menor do que os R$ 1.609 bilhões atualmente estimados para 2022.

Considerando a exclusão de um gasto com precatórios de R$ 58 bilhões em 2022, a operação completa abriria um espaço adicional de R$ 18 bilhões sob o teto de gastos – agora recalculado.

O efeito líquido sobre o total da despesa em 2022, em relação ao que se imaginava até poucos dias atrás, seria, nesse caso, igual à folga sob o teto recalculado (que será, provavelmente, preenchida por aumento de despesas com o novo programa de renda), mais a diferença entre a despesa com precatórios a serem efetivamente pagos (fora do teto), em 2022, e sua estimativa anterior – considerada, neste exemplo, como R$ 58 bilhões.

Por exemplo, se forem pagos R$ 89 bilhões em precatórios, a despesa extra, em 2022, será de 18 + (89 – 58) = R$ 49 bilhões, ou cerca de 0,5% do PIB. Se o pagamento efetivo dos precatórios for idêntico ao valor atualmente previsto, a despesa extra será apenas o espaço extra sob o teto recalculado – R$ 18 bilhões, ou 0,2% do PIB.

A remoção dos precatórios do teto e seu recálculo é, assim, uma solução que gera um aumento “permanente” de R$ 18 bilhões na despesa.

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É importante, contudo, que seja estabelecida, paralelamente, uma limitação para o pagamento máximo de precatórios num determinado ano, para moderar os incentivos à proliferação desse instrumento.

A proposta do governo, que aparentemente envolve a utilização de recursos de venda de ativos (receitas de capital) para fazer frente a pagamentos adicionais a este limite anual a ser imposto é bem-vinda, pois motiva a classe política a defender as privatizações.

Esses incentivos são hoje mínimos, na medida em que receitas de capital não podem ser usadas para acelerar qualquer tipo de despesa, tendo em vista a limitação imposta pelo teto.

Note-se que, como o efeito fiscal do recálculo do teto é fixo, a diferença prática entre manter a despesa de precatórios sob o teto ou removê-la é também fixa – consiste em R$ 18 bilhões, a valores de 2022, em aumento nas demais despesas do governo.

Neste sentido, não há como não ressaltar a necessidade de ser imposta uma limitação no pagamento anual de precatórios à vista, estejam eles dentro ou fora do teto, para evitar seu crescimento desordenado.

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Não procede, em nosso entendimento, a caracterização desta limitação como “calote”, feita nos últimos dias por alguns analistas. Os demais entes federados já obedecem a limites máximos de pagamento de precatórios, devidamente estabelecidos pela Constituição.

Além disso, a viabilidade econômica e o funcionamento de atividades essenciais do Estado podem ser afetadas pelo pagamento à vista de uma despesa de baixa previsibilidade, fora do controle do Poder Executivo e de magnitude próxima ao total das despesas discricionárias da União, como já observado.

Não há como não se reconhecer que a presença de uma despesa de tamanha magnitude – qualquer que seja a sua natureza –, e que possa oscilar em 50% de um ano para o outro, inviabiliza uma regra de teto de gastos agregada, requerendo um limitador individual, para que o Orçamento seja viável.

É importante, ainda, considerar o aumento das despesas com precatórios no quadro fiscal de médio e longo prazos da economia brasileira, que vem melhorando muito nos últimos meses, graças à aceleração da atividade econômica, o choque positivo nos termos de troca, o aumento da arrecadação e o comportamento favorável, em 2021, das principais despesas primárias obrigatórias da União, sobretudo os gastos com pessoal e Previdência.

Graças à ausência de reajuste no salário de funcionários públicos desde 2020, imposta, no contexto da pandemia, pela LC 173/20, e à baixíssima taxa de reposição de funcionários observada no atual quadriênio, a massa de gastos com salários caiu 6% em termos reais no 1º semestre de 2021, em comparação com igual período de 2020 (Gráfico 1).

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Já os gastos com previdência caem 1%, na mesma métrica, refletindo os efeitos da Lei 13.846/19, que tornou mais rigorosos os critérios para concessão de diversos benefícios do INSS, reduzido assim substancialmente o volume de fraudes; e, também, da reforma da previdência (Gráfico 2).

Considerando esses fatores, nossa projeção de 5,7% para o crescimento do PIB em 2021 e de 2,5%, para 2022, e a manutenção do teto de gastos atual, com limitação do desembolso anual com precatórios em R$ 60 bilhões, em valores de 2022, projetamos déficit primário do setor público de 1% e 0,2% do PIB para 2021 e 2022, respectivamente.

Esses valores implicam em uma redução substancial na relação dívida bruta/PIB, de 88%, ao final de 2020, para 78% (ou menos), ao fim de 2021, e 77%, em 2022 (cenário 1 no gráfico 3).

Chama bastante atenção o fato de que, no intervalo de apenas dois anos, a evolução favorável das contas fiscais está em vias de tornar realidade o retorno da relação dívida/PIB a um patamar semelhante ao observado no período pré-Covid.

A dinâmica não sofre alteração substancial caso se considere o recálculo do teto e, adicionalmente, despesa anual de R$ 68 bilhões em precatórios, a valores de 2022 (cenário 2).

Fontes: Tesouro Nacional, Banco Central. Projeções: Legacy Capital. Demais hipóteses: crescimento do PIB de 2,0% a partir de 2022 e juros reais de 3,0%.

O quadro fiscal favorável, portanto, é plenamente capaz de absorver uma despesa maior com precatórios nos próximos anos, desde que haja limitação anual ao pagamento das mesmas.

Pedro Jobim Sócio fundador da Legacy Capital. Atua no mercado financeiro desde 2002, tendo sido economista-chefe do banco Itau BBA e da tesouraria do banco Santander. É engenheiro mecânico-aeronáutico formado pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), mestre em economia pela PUC-Rio e Ph.D em economia pela Universidade de Chicago.

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