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O Brasil na encruzilhada fiscal

A Proposta de Emenda Constitucional que regulamenta o marco fiscal para a Federação (PEC 186) precisa ser aprovada em sua íntegra, e de forma célere. Podemos estar diante da última oportunidade de dar à questão fiscal um mínimo de equacionamento
Por  Pedro Jobim -
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SÃO PAULO – A Proposta de Emenda Constitucional que regulamenta o marco fiscal para a Federação (PEC 186) está, finalmente, sob análise e iminência de tramitação no Congresso Nacional.

Houve uma grande oportunidade para a discussão desse marco no segundo semestre de 2020, mas, por diversos motivos, isto não ocorreu.

Neste momento, em que a pandemia ainda não retrocedeu, no Brasil, para níveis confortáveis; em que o excesso de estímulo fiscal ao redor do globo acelera a abertura das taxas de juros e das expectativas de inflação; e que a eleição de 2022 ainda está relativamente distante, no horizonte, podemos estar diante da última oportunidade de dar à questão fiscal, no Brasil, um mínimo de equacionamento, pelo menos dentro do atual quadriênio.

O texto da PEC 186 é ambicioso. Ele consiste em 5 partes principais:

1) Regulamenta os gatilhos do teto de gastos da União

A emenda EC 95/2016, que instituiu o teto de gastos, estabeleceu limites para o crescimento do gasto da união entre dois exercícios, mas não contemplou a possibilidade de descumprimento destes limites durante a fase de aprovação orçamentária.

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Na prática, isto inviabiliza o disparo dos gatilhos de contenção de gastos, como o congelamento de salários e contratações de servidores públicos, pois um orçamento com gastos superiores ao limite imposto pelo teto não pode, pelas atuais regras, ser submetido ao Congresso pelo poder executivo.

A presente emenda elimina este problema, ao regulamentar a possibilidade de acionamento dos gatilhos durante a elaboração do orçamento, se constatado que a previsão para as despesas obrigatórias supera 95% das despesas totais da União, para o exercício em questão.

2) Institui o marco fiscal para os demais entes da federação

A PEC 186 propõe o disparo de gatilhos de contenção de despesas, incluindo, mas não se limitando a, congelamento de salários e contratações de servidores públicos, e proibição da criação de despesas obrigatórias recorrentes.

As medidas valem para todos os entes federativos subnacionais, sempre que a despesa corrente acumulada em 12 meses for maior do que 95% da receita corrente, na mesma métrica, devendo os gatilhos permanecer ativados enquanto persistir essa situação.

Esses gatilhos compõem, em grande parte, as medidas restritivas impostas aos entes que se propõem a aderir ao já existente regime de recuperação fiscal.
Além disso, a proposta remove diversos desincentivos atualmente existentes ao ajuste fiscal de entes subnacionais, como a possibilidade de intervenção da União em estados inadimplentes com sua dívida há mais de dois anos.

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3) Institui o regime extraordinário fiscal sob situação de calamidade pública nacional, a ser decretado pelo Congresso Nacional, por iniciativa do presidente da República.

Durante a vigência deste regime, os entes federados são dispensados de cumprir determinadas regras fiscais – como o teto de gastos.

Em compensação, os gatilhos do marco fiscal ficam, neste caso, automaticamente acionados pelos dois exercícios subsequentes ao fim do estado de calamidade.

4) Propõe o fim da vinculação mínima constitucional das receitas dos entes federativos a serem gastas com saúde e educação, num dado exercício.

5) Propõe a diminuição dos gastos tributários (isenções) dos atuais 4,5% para 2,0% do PIB, no espaço de oito anos.

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No contexto do regime extraordinário fiscal, a PEC 186 inclui a possibilidade de reintrodução temporária do auxílio emergencial, para garantir assistência à população mais vulnerável, tendo em vista os efeitos remanescentes da pandemia sobre o mercado de trabalho.

Neste arcabouço, de acordo com a proposta do relator, senador Márcio Bittar, a concessão do auxílio emergencial estará condicionada à observância dos gatilhos e contrapartidas de contenção de gastos em todos os entes da Federação, durante os exercícios de 2022 e 2023.

Após a execução de um programa de gastos desfocado e superdimensionado, em 2020, a relação dívida/PIB pulou de 76%, em 2019, para 89%, no final de 2020.

Já a restrição do teto de gastos não permite qualquer dispêndio extra, no presente exercício.

Nessas circunstâncias, um novo rompimento do teto, ainda que num contexto de calamidade, sem que houvesse qualquer garantia de contenção futura de gastos que o compensasse, significaria o fim do regime fiscal.

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As consequências seriam severas: a erosão de credibilidade e a perspectiva de insolvência elevariam os prêmios de risco dos ativos brasileiros, provocariam a elevação do valor do dólar e de toda a estrutura da curva de juros.

O processo inflacionário, que já se encontra em movimento, seria dinamizado pela desorganização da economia.

Estaríamos de volta, rapidamente, ao pesadelo da recessão auto-induzida do biênio 2015-16.

As demais medidas constantes na PEC (itens 4 e 5 da lista) são, também, importantíssimas para o aperfeiçoamento do regime fiscal.

A existência de limites mínimos de receitas a serem gastas com educação e saúde, além de incentivar a formação de lobbies poderosos para a execução destes dispêndios, não foram capazes de garantir a melhoria destes serviços para a população, ao longo dos anos.

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Já as isenções tributárias representam um enorme quinhão de recursos mal alocados, que precisam igualmente ser reincorporados ao orçamento da União para serem submetidos a uma distribuição mais eficiente.

A necessidade de se aprovar com urgência a renovação do auxílio não pode ser usada como desculpa para desidratar a PEC 186 de seu conteúdo, ou, pior, para fatiá-la, destacando e dando celeridade somente à parte que regulamenta a concessão do auxílio, e deixando a aprovação do marco fiscal e das contrapartidas para um segundo momento.

A aprovação de uma única PEC demanda tempo, foco e dedicação por parte de todos os agentes envolvidos.

A tramitação de uma segunda PEC, carregada exclusivamente de itens que são entendidos por boa parte do mundo político como de difícil aprovação, nas atuais circunstâncias, é completamente implausível.

Só aconteceria, eventualmente, quando as consequências desastrosas da deterioração do ambiente econômico que adviria da opção por este atalho ficassem claras para os atores políticos envolvidos.

O Congresso Nacional tem protagonismo inquestionável no atual momento, e a sociedade espera que os deputados e senadores ajam com a responsabilidade que a situação exige. A PEC 186 precisa ser aprovada em sua íntegra, e de forma célere.

Desta vez, os custos associados à opção por um atalho são muito concretos. Eles deixariam claros, muito antes do que alguns possam pensar, a importância e o significado da encruzilhada em que o país se encontra.

 

Pedro Jobim É sócio-fundador da Legacy Capital. Atua no mercado financeiro desde 2002, tendo sido economista-chefe do banco Itau BBA e da tesouraria do banco Santander. É engenheiro mecânico-aeronáutico formado pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), mestre em economia pela PUC-Rio e Ph.D em economia pela Universidade de Chicago.

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