Andando para trás: o Brasil acelera o passo rumo à pobreza

A divergência de interesses entre Legislativo e Executivo, a falta de liderança presidencial e a miopia dos agentes políticos estão escancarando a opção pelo populismo desavergonhado

Pedro Jobim

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(Getty Images)
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Desde a eclosão do “meteoro” dos precatórios no final do mês de julho, o governo ingressou em um ciclo de desorganização que, pela altura do atual quadriênio em que nos situamos, parece ser definitivo.

A discussão original de estratégias para equacionar o pagamento de R$ 89 bilhões em dívidas judiciais no orçamento de 2022, misturou-se, como era previsível, com a formatação do novo programa de renda mínima, cuja maximização e lançamento constituem a única prioridade do presidente da República.

A solução que estava sendo contemplada pela equipe econômica para acomodar essas e outras despesas, respeitando-se a restrição do teto de gastos, e sob os atuais parâmetros considerados para a apreciação orçamentária, envolvia: o pagamento de R$ 40 bilhões em precatórios em 2022; a postergação dos restantes R$ 49 bilhões para os próximos anos; e a criação de um novo programa de renda mínima que, com alcance semelhante ao do Bolsa Família (17 milhões de famílias), pagaria a elas um benefício médio próximo a R$ 300 mensais.

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Esse desenho, contudo, deixaria sob o teto pouquíssimo espaço para investimentos – especialmente na forma de emendas de relator, objeto maior da cobiça do núcleo político do governo e de seus aliados.

A restrição orçamentária ainda deve precisar acomodar despesas como o vale gás e a continuidade do programa de desoneração da folha de pagamentos, que, juntas, devem ocupar cerca de R$ 13 bilhões do espaço disponível.

Além disso, a inflação (INPC) do ano de 2021 será certamente maior do que os 8,5% atualmente utilizados, nos exercícios, como parâmetro de indexação das despesas.

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Nessas circunstâncias, a manutenção da integralidade do programa social e das demais despesas sob o teto de gastos comandaria, na fase de discussão do orçamento, um embate feroz na alocação de recursos entre o programa social e as emendas.

Estimamos que o efeito adicional do aumento da inflação sobre a redução de espaço no programa social seria de cerca de R$ 11 bilhões, o que limitaria o valor médio do benefício na casa dos R$ 250, caso se optasse por preservar as demais despesas do orçamento inalteradas.

Diante da evidente perspectiva de erosão do espaço disponível sob o teto pela inflação, e como não há narrativa capaz de justificar o pleito de um crédito extraordinário além-teto para o pagamento de emendas de relator que “não puderam” ser acomodadas sob a restrição orçamentária, a “solução” encontrada pelo núcleo político do governo para viabilizar esse gasto foi convencer o presidente a aumentar e colocar parte do programa de renda para fora do teto de gastos, ou alternativamente, mudar o indexador do teto, de modo a acomodar as despesas extras.

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É, ainda, surpreendente, a anuência da equipe econômica a estas proposições.

Em se concretizando a proposta de se colocar um extra-teto de cerca de R$ 30 bilhões, num contexto em que, claramente, não há a emergência ou imprevisibilidade necessárias para justificar um crédito extraordinário – a pandemia segue em desaceleração, e o país vem retomando a normalidade, devendo crescer 4,8% em 2021, pelas nossas projeções – pode-se dizer que o regime fiscal – hoje representado pela restrição do teto de gastos – será, na prática, extinto.

O argumento de que o extra-teto seria temporário não se sustenta, pois, a experiência mostra que programas de renda são de dificílima remoção. Ademais, uma vez rompido o estigma associado à quebra do regime, o custo político para acréscimo de parcelas adicionais se torna muito menor.
No caso presente, nos parece bastante provável que as próximas rodadas de negociação da PEC 23 – o instrumento a ser utilizado para a formalização da mudança do regime fiscal – no Senado, e na reconciliação do orçamento, levem a um novo aumento do valor do benefício que excederá os limites do teto de gastos.

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Quem se beneficia desta proposta canhestra? Na prática, talvez apenas parte dos aliados políticos do governo, ainda assim, apenas em sua ótica mesquinha e míope, com a disponibilização de mais recursos de emendas para atender seus interesses paroquiais e impulsionar suas candidaturas regionais, em 2022.

O presidente se beneficia eleitoralmente de um programa de renda mínima em 2022? Não é o que sugere a evolução de sua popularidade, cadente há meses, mesmo diante do pagamento recorrente do auxílio emergencial de forma contínua desde 2020.

Só em 2021, R$ 62 bilhões em auxílio emergencial terão sido pagos até o fim de outubro, quando o programa expira.

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Iludido e usado por seu entorno político, o presidente será devidamente por ele abandonado, assim que o valor representado por sua caneta der lugar ao passivo eleitoral – turbinado pela iminente desorganização econômica – com que contaminará seus apoiadores

E as pessoas desassistidas? É claro que, num primeiro momento, elas se beneficiam. Pressionado pela taxa de desemprego de 13% e pela inflação crescente, o bem-estar da população é aliviado, num primeiro momento, por um valor maior do benefício.

Mas um exercício simples ilustra o quão fugaz pode ser esse aparente ganho.

O rompimento do teto de gastos, na medida em que sinaliza falta de comprometimento do governo com sua restrição orçamentária, leva à queda na confiança dos agentes econômicos, induzindo, portanto, decréscimo do investimento, do consumo e, portanto, da atividade econômica.

Os preços dos ativos sofrem, ampliando o efeito da queda na renda. A inflação sobe, em reação à depreciação cambial e ao aumento das despesas do governo, na forma de transferências.

Os juros precisam subir mais, para controlar o aumento na inflação, o que leva a mais endividamento, e nova piora dos preços dos ativos, retroalimentando o ciclo.

As elasticidades médias entre a ocupação e o nível de atividade, no Brasil, sugerem que, se o PIB deixar de crescer 1% em 2022 em função desta piora de expectativas, cerca de 1,5 milhão de brasileiros deixarão de conseguir um emprego em 2022.

Considerando a mediana do rendimento da PNAD – cerca de R$ 2.500/mês –, a renda agregada do trabalho deixaria de crescer R$ 45 bilhões, cerca de 50% a mais do que a renda transferida aos desassistidos.

Essa é apenas uma estimativa do efeito de primeira ordem da deterioração do ambiente macroeconômico sobre a renda, que desconsidera efeitos advindos de sua erosão pela maior inflação; do aumento dos juros sobre a atividade e da queda do investimento induzido pela piora das expectativas dos agentes, entre outros.

Nos últimos anos, apesar do ambiente adverso condicionado pela pandemia, o país conseguiu alguns avanços. No entanto, neste estágio dos acontecimentos, a divergência de interesses entre legislativo e executivo, a falta de liderança presidencial e a miopia dos agentes políticos estão escancarando a opção pelo populismo desavergonhado.

Num ambiente global adverso, em que a inflação se acelera na maior parte dos países, e os bancos centrais – inclusive os de economias desenvolvidas – se preparam para subir os juros em breve, as consequências deste tipo de opção, para o Brasil, serão severas, e incluirão o rompimento da meta de inflação também em 2022, juros acima de 10% e a indução de mais uma recessão.

Preso ao passado por práticas patrimonialistas, fustigado pelas recessões, ressentido pela impunidade dos responsáveis pelos desmandos dos últimos anos e desrespeitado seguidamente por todos os poderes constituídos, o país anda para trás a olhos vistos, e acelera, como praticamente todos os demais países latino-americanos, sua triste jornada rumo à pobreza.

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Pedro Jobim

É sócio-fundador da Legacy Capital. Atua no mercado financeiro desde 2002, tendo sido economista-chefe do banco Itau BBA e da tesouraria do banco Santander. É engenheiro mecânico-aeronáutico formado pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), mestre em economia pela PUC-Rio e Ph.D em economia pela Universidade de Chicago.