Um desafio estrutural?

Embora o lado fiscal dificilmente tenha sido um aspecto alarmante nas economias desenvolvidas, para o caso dos EUA parece algo desafiador

Luiz Fernando Figueiredo

Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

(Shutterstock)
(Shutterstock)

Publicidade

Nos últimos meses, temos observado a economia americana com uma resiliência maior do que a esperada.

As surpresas positivas no PIB aumentaram o otimismo do mercado e implicaram em revisões de crescimento: um exemplo disso é o PIB deste ano, cuja projeção tem sido revista para cima desde meados de agosto de 2023 e atualmente mostra um consenso ao redor de 2,0%, com algumas casas chegando a 2,5% de alta.

O próprio mercado de trabalho ainda se encontra apertado: a taxa de desemprego resiste em subir mais que 3,8% e a geração de vagas se encontra em um patamar relativamente forte – na média, acima de 200 mil vagas mensais.

Continua depois da publicidade

Conjuntamente, vemos um cenário benigno de inflação, no qual o núcleo de inflação desacelera gradualmente. Parece ser questão de tempo (e um pouco mais de confiança) para que o Fed comece o ciclo de redução de taxa de juros.

Todo esse cenário macro mais favorável não esconde a preocupação mais estrutural com a questão fiscal.

Esse tema tem sido inclusive alertado por Nassim Taleb, trazendo um outro conceito de “cisne branco”, um risco um pouco mais provável de ocorrer. O ponto dele é que o déficit do governo está crescendo de maneira relevante, gerando uma espiral de endividamento e que seria necessário um milagre para evitar os danos causados por esse processo.

Continua depois da publicidade

O total da dívida pública americana já alcançou 120% do PIB e parece que não vai parar de crescer. Lembrando que até 2020 ela rodava ao redor de 100% do PIB.

De fato, essa discussão é séria e as expectativas não são nada boas. O FMI (Fundo Monetário Internacional), por exemplo, estima que a dívida/PIB alcance 137% até 2028, aumentando em média 3 pontos percentuais ao ano.

O CBO (“Congressional Budget Office”), em relatório mais recente, atualizou suas expectativas para o resultado primário, sendo que esse ano já é esperado um déficit de 2,3% do PIB.

Continua depois da publicidade

No entanto, o que mais chama a atenção é que, até o horizonte de 2034, o déficit primário deve ficar rodando de forma consistente, em média, ao redor de 2,2% do PIB. Ou seja, até onde a vista alcança, não há nenhum sinal de que o crescimento do endividamento seja um problema, muito menos que é importante fazer um ajuste para conter este crescimento.

A título de curiosidade, a última vez que a economia americana fez superávit primário foi em meados da década de 1990.

O último ruído envolvendo esse lado fiscal ocorreu no fim de janeiro: o adiamento (pela terceira vez em menos de quatro meses) do shutdown do governo para o início do mês de março.

Continua depois da publicidade

Deve ser um assunto que ainda trará outros ruídos, dado que neste ano veremos a eleição presidencial e existe uma falta de convergência dentro do Congresso para se discutir uma solução efetiva.

Embora o lado fiscal dificilmente tenha sido um aspecto alarmante nas economias desenvolvidas, para o caso dos Estados Unidos parece algo desafiador.

Primeiro porque, com exceção dos períodos de crise financeira de 2008 e a pandemia, os números fiscais nunca se deterioraram tanto quanto agora. E segundo pois esse tema poderá representar um driver para o enfraquecimento do dólar e, consequentemente, um aumento do prêmio de risco na rolagem da dívida pública.

Continua depois da publicidade

País desenvolvido tem muito mais crédito “na praça”. Mas sabemos que, quando cresce o medo, o investidor para instantaneamente de comprar. É bom não flertar com isso – em quase todos os casos “deu ruim”!

Este artigo tem a co-autoria do economista da Jive Mauá Luan Takada

Tópicos relacionados

Autor avatar
Luiz Fernando Figueiredo

Presidente do Conselho de Administração da Jive Mauá. Com passagens pelo JP Morgan e BBA, foi diretor do Banco Central. Em 2005 fundou a Mauá Capital, após a cisão da Gávea Investimentos. É economista e fundador do Instituto FEFIG.