Diferença de opinião ou mudança de regime?

Medo de alinhamento ideológico entre um governo com dificuldades de organização fiscal e um BC descompromissado com controlar a inflação age como catalizador para a desancoragem das expectativas

Luiz Fernando Figueiredo

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A última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), no dia 8 de maio, foi marcada pelo primeiro dissenso entre os diretores desde o início de cortes. Em agosto de 2023, durante o início desse ciclo, havia divergência entre os membros do comitê: alguns defendendo cortes de 25 pontos base e outros, de 50 pontos base.

A perspectiva dada em junho daquele ano, através da ata do Copom, indicava uma dependência dos dados que refletem o cenário econômico para a próxima decisão. Ou seja, os membros do comitê tinham dúvidas ainda de como a inflação iria se comportar e queriam ter mais informações para poder tomar, com mais clareza, sua decisão.

Antecipar próximas decisões sempre carrega um grau de risco e, quando o cenário ainda não está claro, vale muito ficar com a decisão futura em aberto.

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Tendo participado de decisões por 4 anos e acompanhado por mais de 24 anos o regime de metas, sempre fui favorável a ter as opções de política monetária mais em aberto do que antecipar decisões, pois, principalmente em um país como o Brasil, o cenário muda com muita frequência.

Após a reunião de março deste ano, estava claro que o ciclo de queda de juros continuaria com, pelo menos, mais uma decisão de corte na mesma intensidade dos anteriores — 50 pontos — caso não houvesse alteração significativa das expectativas e do cenário.

No entanto, após dados mais fortes de atividade e inflação nos Estado Unidos, o aumento da incerteza global cresceu e o presidente do Banco Central mudou a sua comunicação para alinhar as expectativas: considerando uma revisão das previsões não apenas em relação ao ritmo do corte de juros, mas também para a taxa de juros de final do ciclo, com muitos agora prevendo apenas um corte de 25 pontos base na próxima reunião em junho.

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De certa forma, os agentes econômicos encontraram um novo equilíbrio para as suas expectativas, entendendo que o presidente do Bacen estava comunicando que o modelo usado na última decisão não refletia o cenário macroeconômico atual e que cortes profundos nos juros deveriam ser adiados ou feitos mais lentamente.

No entanto, na última reunião, houve dissenso nos votos pela intensidade do corte nos juros. Quatro dos nove membros do comitê votaram a favor da queda de juros mais acentuada, de 50 pontos base, em discordância dos outros que votaram a favor da queda mais branda, de 25 pontos base. O mais intrigante é que os membros que votaram pelo corte de 50 pontos foram os recentemente indicados, o que poderia sugerir uma mudança no arcabouço da política monetária. Arcabouço este menos sensível à desancoragem de expectativas de inflação.

Essa preocupação se torna ainda mais importante no momento de mudança da presidência do Banco Central. O mandato do atual presidente Roberto Campos Neto terminará em dezembro, e muito se especula sobre a possível indicação de dois diretores do Banco Central pelo presidente da República.

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Fica aí uma grande questão, então: o que será do Copom após a troca de presidência do Bacen? Com certeza os diretores terão boas justificativas para suas decisões. Mas fica o receio de que o Copom, com novos membros a partir de dezembro, seja mais flexível e menos focado no centro da meta de inflação, que é de 3% ao ano. E, assim, menos firme em alcançar a estabilidade de preços.

A pulga atrás da orelha dos analistas de mercado está insistindo na ideia de que pode haver alinhamento excessivo entre o governo e os seus diretores indicados.

Isso implicaria em um Banco Central menos independente e menos alinhados com interesses de longo prazo e mais direcionado a objetivos imediatistas.

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Em passado recente, durante o governo Dilma Rousseff, houve o caso que o presidente do BC era visto pelo mercado como alguém alinhado à necessidade da presidente. Estando o Banco Central em sintonia ou pressionado pelo Executivo, ao mesmo tempo em que para o governo era interessante aumentar o produto, a taxa básica de juros não foi elevada quando a inflação acelerou, causando uma crise econômica logo a seguir.

Esse medo de um episódio de alinhamento ideológico entre um governo com dificuldades de organização fiscal e um Banco Central descompromissado com o controle inflacionário age como catalizador para a desancoragem das expectativas.

É muito perigoso que as projeções de inflação para depois de 2024 descolem da meta de inflação, porque, se não controlada a tempo, a inflação entraria em um ciclo vicioso de expansão. Uma profecia autorrealizável de que a inflação vai subir, trazendo o maior imposto que existe aos menos favorecidos, além da menor capacidade de poder de compra.

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Este artigo teve a co-autoria do economista da Buyside Italo Faviano.

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Luiz Fernando Figueiredo

Presidente do Conselho de Administração da Jive Mauá. Com passagens pelo JP Morgan e BBA, foi diretor do Banco Central. Em 2005 fundou a Mauá Capital, após a cisão da Gávea Investimentos. É economista e fundador do Instituto FEFIG.