Os erros repetidos das propostas de reforma tributária – e o que deve ser feito para resolvê-los

Não é recomendável buscarmos a perigosa ideia de "uniformidade" do IVA da Comunidade Europeia, que elimina o poder local de tributar, e alisa o caminho para facilitar a vida de um presidente futuro que tenha inclinações ditatoriais – uma possibilidade sempre presente, como bem sabem nossos sofridos amigos da Venezuela

Alexandre Pacheco

Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

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Em texto anterior, comentei o andamento da PEC (Proposta de Emenda Constitucional) nº 293/04, que foi encaminhada para votação do Plenário da Câmara dos Deputados– veja aqui. Naquela oportunidade, dei destaque ao texto aprovado pela Comissão Especial da Reforma Tributária instalada na Câmara, que teve como relator o deputado federal Luiz Carlos Hauly (PSDB/PR).

Durante o andamento dessa PEC na Comissão Especial em questão, às vésperas do encerramento dos trabalhos daquele órgão legislativo, o Deputado Federal Antonio Carlos Mendes Thame (PV/SP) apresentou uma “Emenda Substitutiva Global”, que, se aprovada, substituiria o texto que vinha sendo elaborado pelo Relator, o Deputado Hauly.

No final das contas, a Proposta Mendes Thame foi rejeitada pelo relator, de modo que prevaleceu, no texto aprovado pela Comissão Especial, a essência do que vinha sendo discutido na Proposta Hauly, com alguns aperfeiçoamentos, como, por exemplo, a adoção de prazos de transição para os contribuintes.

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No entanto, apesar da Proposta Mendes Thame não ter sido aprovada, é importante comentar os seus pontos principais, porque seu conteúdo pode vir a ressurgir na forma de emendas a serem apresentadas tanto no Plenário da Câmara dos Deputados, quanto na tramitação futura no Senado Federal. A chance disso acontecer é alta, porque a Proposta Mendes Thame conta com a simpatia da classe política, do meio jurídico e da grande imprensa.

Sinteticamente, a Proposta Mendes Thame concentrava a sua atenção na reforma da tributação do consumo – que, como dissemos no texto supracitado, é complexa e inconveniente, em termos empresariais, principalmente no que diz respeito ao ICMS que temos hoje. Nesse sentido, a Emenda do Deputado Mendes Thame é muito mais eficiente do que a Proposta Hauly – vai no ponto que interessa, sem perder tempo com tributos que, apesar de ruins, estão muito longe de ser prioritários, seja porque arrecadam muito pouco, seja porque representam uma parcela muito menor dos infernais problemas tributários que atormentam a população.

Similarmente ao que traz a Proposta Hauly, a Proposta Mendes Thame quer concentrar a tributação do consumo (PIS, COFINS, IPI, ICMS e ISS) em dois tributos (IBS e IS). Ficou de fora da Proposta Mendes Thame a CIDE-Combustíveis, que não chegou nem a ser mencionada na Justificativa dessa Proposta.

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Passaremos, adiante, então, a resumir os principais pontos da Proposta Mendes Thame, tratando do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e do IS (Imposto Seletivo, ou Impostos Seletivos), fazendo comparações, quando cabíveis, com a Proposta Hauly.

Começaremos pelo IBS:

– ao invés de ser imposto Estadual, como na Proposta Hauly, o IBS da Proposta Mendes Thame é de competência legislativa compartilhada entre União, Estados e Municípios;

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– o IBS da Proposta Mendes Thame não consiste, na essência, em 1 imposto apenas – são 3 impostos conjugados (IBS Federal, IBS Estadual e IBS Municipal), que terão a mesma base de cálculo e o mesmo regramento nacional; cada Estado ou Município pode, no entanto, adotar alíquotas diferentes mediante a edição de lei sua, o que faz com que esse IBS, em termos federativos, seja melhor do que o IBS da Proposta Hauly, que é concebido para ser totalmente uniforme em todos os Estados e Municípios;

– do mesmo modo que na Proposta Hauly, esse IBS é uma espécie de IVA (Imposto sobre Valor Agregado), tal como praticado na Comunidade Europeia, assim como tem base de incidência “ampla” (base ampla), de forma a abranger as operações da “nova economia”;

– também como na Proposta Hauly, não há limitações ao crédito pelas compras (crédito amplo), assumindo esse IBS o caráter de imposto sobre o valor agregado;

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– incide, igualmente, de forma plurifásica, como hoje se pratica no ICMS, de modo que é pago pelos empresários nas vendas a empresários (incidência plurifásica nas vendas intermediárias), ao invés de incidir uma vez só, na venda a consumidor final, como se pratica de forma muito mais simples nos Estados Unidos com o Sales Tax (incidência monofásica nas vendas a consumidor final);

– nas vendas interestaduais, a arrecadação pertence, exclusivamente, ao Estado de destino (princípio do destino), de modo que, também nesse IBS, deixaria de existir o sistema atual do ICMS, em que há compartilhamento do imposto entre a origem (produção) e o destino (venda a consumidor final);

– igualmente, não se admite a concessão de benefícios fiscais nesse IBS, de forma que a legislação será unificada nacionalmente, para simplificar o recolhimento do tributo;

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– o imposto seria cobrado por um órgão chamado “Comitê Gestor”, equivalente ao “Superfisco” da Proposta Hauly, encarregado, principalmente, de destinar a cada Estado a parcela do IBS que lhe pertence, já que, nas vendas interestaduais, será necessário retirar dos Estados de origem o imposto recolhido nas etapas intermediárias, de modo que seja o montante em questão entregue, na sua totalidade, aos Estados de destino;

– a parte federal do imposto terá suas receitas partilhadas também com Estados e Municípios, assim como a parte Estadual também será partilhada com Municípios, mantendo-se o racional ruim atualmente praticado de distribuição de receitas para outros integrantes da Federação;

– parcelas das alíquotas federais, estaduais e municipais são vinculadas a finalidades específicas, como saúde e educação, transformando um “imposto” naquilo que conhecemos hoje por “contribuições”, e mantendo o conceito atual de “engessamento orçamentário”;

– estipula duas fases de transição, de 10 anos para os contribuintes, e de impensáveis 50 anos para o Fisco (neste caso, para compensação das perdas arrecadatórias com Estados e Municípios).

Também na Proposta Mendes Thame, há o IS (Imposto Seletivo) Federal, com incidência mais pesada sobre produtos cujo consumo seria desejável “desestimular” – foram citados na Justificativa da Proposta os cigarros e as bebidas alcoólicas. Sobre os problemas dessa ideia autoritária, veja aqui. Mas, enfim, a bem da verdade, temos hoje isso no ICMS, no IPI e na CIDE-Combustíveis. Não há novidades nesse ponto, apenas a manutenção de uma ideia ruim.

A Proposta Mendes Thame é a que, hoje, dispõe do maior apoio da classe política, do meio jurídico e da grande imprensa. Nesses círculos, a ideia de copiar o IVA da Comunidade Europeia pegou de um modo que não há, hoje, outra proposta que seja ecoada no meio da classe falante.

Há apenas a ideia solitária do economista Marcos Cintra, de imposto único sobre movimentação financeira, mas que aparentemente não agrada Jair Bolsonaro, pelas semelhanças com a CPMF – apesar da proposta de Marcos Cintra não ser a de criar um novo tributo, mas, sim, de substituir vários tributos por um tributo novo, como fazem as Propostas Hauly e Mendes Thame.

A bem da verdade, IVA não é novidade no Brasil: o ICMS mesmo foi criado seguindo a ideia de IVA. Ao longo dos anos, no entanto, o ICMS foi de tal modo alterado que falar de IVA no Brasil hoje dá até a impressão de se estar falando em novidade. Mas não é.

Tanto isso é verdade que, para que o ICMS viesse a se transformar em IVA bastaria alguns ajustes, e pronto. Não seria necessário inventar a roda para isso. Além do mais, para quê criar dois impostos novos (IBS e IS), se poderia acontecer com eles no futuro justamente o que se passou com o ICMS – serem alterados de forma que virassem o que o ICMS é hoje… Alguém pode garantir que isso não ocorreria? Se ocorrer, teremos perdido tempo, energia e dinheiro com uma mudança inútil.

Mas o pior é que a ideia de uniformidade que vem sendo defendida para o IVA, e que está retratada nas Propostas Hauly e Mendes Thame, é incompatível com um Estado Federal, como o Brasil o é. Por isso, se passar pelo Congresso, pode ser travada pelo STF. E se passar pelo STF, enfraquecerá ainda mais a já fraca Federação que temos no Brasil.

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Partido do pressuposto de que a tributação do consumo seja essencial, o mais adequado, para preservar a essência da ideia de Federação, além de ser o mais simples e mesmo arriscado, em termos de enfrentamentos judiciais, seria aproveitar o ICMS que temos, ampliando a sua base de incidência e excluindo o que esse imposto tem de ruim – incidência plurifásica durante o processo produtivo e transferência de créditos da origem para o destino nas operações interestaduais.

O melhor seria aproximar o ICMS do Sales Tax americano, sem tirar dos Estados e dos Municípios a capacidade de legislar sobre sua cobrança. Isso já resolveria os problemas mais importantes do ICMS (preparo de documentos fiscais nas vendas entre empresários e Guerra Fiscal na transferência de créditos).

É bem verdade que essa solução manteria o perfil caótico do ICMS, mas essa é uma contingência de um Estado Federal. Não é recomendável buscarmos a perigosa ideia de “uniformidade” do IVA da Comunidade Europeia, que elimina o poder local de tributar, e alisa o caminho para facilitar a vida de um presidente futuro que tenha inclinações ditatoriais – uma possibilidade sempre presente, como bem sabem nossos sofridos amigos da Venezuela.

Alexandre Pacheco é Professor, Palestrante e Consultor de Direito Empresarial e Tributário.

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Alexandre Pacheco

Professor de Direito Empresarial e Tributário da FGV/SP, da FIA e do Mackenzie, Doutor em Direito pela PUC/SP e Consultor Empresarial em São Paulo.