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Como a crise da Covid-19 e o caso George Floyd impactam as eleições nos EUA

Eventos sem precedentes, ou raros, usualmente não possuem um vencedor político per se, mas depende mais da condução do caso pelos atores envolvidos
Por  Ivo Chermont -
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Os Estados Unidos estão vivendo uma situação sui generis: em um ano eleitoral, temos a maior pandemia dos últimos cem anos e com conflitos raciais que lembram os anos 60.

Eventos sem precedentes, ou raros, usualmente não possuem um vencedor político per se. Depende mais da condução do caso pelos atores envolvidos.

E, até agora, nem a Covid-19, nem os protestos BLM (“Black Lives Matter”) motivado pelo assassinato de George Floyd, parecem estar tendo boa repercussão para o atual mandatário, Donald Trump. No gráfico abaixo, vê-se desde março, a desaprovação do presidente alcançou um dos piores momentos da sua gestão, enquanto que a aprovação também andou, mas no sentido inverso, para baixo.

Existem explicações históricas e conjunturais para o baixo desempenho por parte do incumbente.

(Reprodução)

A Covid-19 escancarou um fenômeno que os dados já gritavam há muitos anos para os estudiosos do tema, que os EUA é um país extremamente desigual (veja no gráfico abaixo uma comparação do índice de Gini americano vs. seus pares desenvolvidos).

À parte todo um debate e uma literatura acadêmica que tenta entender esse movimento, o fato concreto é que talvez como nenhum evento nas últimas décadas, a Covid-19 expôs diferenças de tratamento do Estado em relação aos mais pobres, seja na assistência social, no emprego, no relacionamento com as autoridades policiais ou judiciais. E, nos EUA em particular, a questão racial sempre adicionou um componente que transformava isso em um barril de pólvora.

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(Reprodução)

A interação da Covid-19 com a morte de George Floyd criou um ambiente propício para o acirramento ainda maior em um ano eleitoral; de um lado um presidente cuja maior marca do primeiro mandato foi um corte de impostos que, na visão da maioria dos americanos, beneficiou sobremaneira os mais ricos e empresários, que já pagavam menos impostos do que deveriam (dados da Pew Research).

Isso contribuiu ainda mais para o aumento da desigualdade. Por outro lado, temos um partido democrata que, tentando se aproveitar do momento, usa como bandeira a retomada dos impostos para as corporações, o que naturalmente preocupa o mercado financeiro.

Como falei no início, a Covid-19 per se ou mesmo as manifestações por conta do George Floyd não seriam fenômenos que prejudicariam o presidente Trump. Em diversos países, a popularidade do mandatário nunca foi tão grande.

Mas, houve a percepção de que Trump não só demorou a agir perante o vírus, como ao longo de todo o processo subestimou o tamanho do problema que, naturalmente, com passar do tempo, acabaria afetando de maneira mais dramática aqueles que não têm acesso a um sistema de saúde de qualidade, em particular os negros.

Ou será que não está na memória da fatia mais pobre dos americanos a tentativa de Trump de acabar com o programa de Obama de universalização dos planos de saúde? E aqui não cabe uma análise dos programas em si, apenas o aspecto simbólico-político do mesmo.

Os números eleitorais de Trump já não estavam bons. E os eventos conjunturais, associados a remorsos históricos, não os ajuda. Trump personifica o modelo de desigualdade, o empresário que sugou parcela crescente da renda do trabalho e não acenou em momento algum, com a energia que lhe é natural, contra as injustiças raciais dos eventos de Minneapolis ou de saúde pública nos EUA. Cenário ideal para os Democratas tentarem retomar a Casa Branca.

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Ivo Chermont Sócio e Economista-chefe da Quantitas Asset

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