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O mundo agora tem 10 pessoas com mais de US$ 100 bilhões – e uma geração de jovens perdida

Desde 2019, o número de pessoas com mais de US$ 100 bilhões cresceu de 3 para 10, em meio a uma alta constante no mercado de ações que contrasta com uma geração de jovens cada vez mais pobres.
Por  Felippe Hermes -
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Larry Ellison nasceu no Bronx, bairro pobre de Nova York, filho de uma mãe solteira que o entregou para a adoção aos 9 meses de idade por falta de recursos para criar o filho.

Seus pais adotivos tampouco tinham recursos para lhe garantir algo acima da média em educação ou conforto, de modo que, quando sua mãe adotiva faleceu, Ellison largou a faculdade e migrou para a Califórnia, em busca de trabalho.

Por lá pularia entre um emprego e outro, até que aos 33 anos fundaria uma empresa, a Oracle, que 4 décadas depois lhe daria o título de 10º pessoa a se tornar um “centibilionário”. Em suma, alguém com patrimônio acima de US$ 100 bilhões, de acordo com o Blomberg Billionaires Index. 

Larison, como os demais membros do seleto grupo, tem crescido em um cenário cada vez mais estranho – e novo – da economia global.

Na prática, desde 2008, as maiores economias do planeta têm se empenhado em retomar a atividade econômica por meio de estímulos monetários (impressão de moeda) e fiscais (gastos públicos).

Em números, apenas o balanço do Federal Reserve, o banco central americano, saltou de US$ 900 bilhões em 2008 para US$ 9,5 trilhões em 2021.

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Por um bom período da última década, os efeitos na economia real pareciam razoáveis e satisfatórios. A economia americana, por exemplo, viveu um período de pleno emprego, com taxas de desemprego nas mínimas também em países europeus.

O que parecia algo satisfatório, porém, mascarou uma realidade que foi exposta pela crise do coronavírus. A desigualdade “intergeracional” tem crescido por todo o planeta.

Em suma, gerações mais novas, que nasceram por volta dos anos 80 e 90, os chamados “millenials”, começaram sua carreira profissional em meio a maior crise global desde 1929, e agora, apenas uma década depois, enfrentam os efeitos da pandemia sem ter ao longo deste período acumulado patrimônio.

De fato, o período que coincide com a entrada dessa geração no mercado de trabalho, é marcado por contrastes. Na medida em que as economias desaceleraram e o mercado de trabalho se tornou mais hostil, as medidas para combater a crise levaram a uma severa “inflação de ativos”. Imóveis, ações e outros bens tem se valorizado na medida em que há mais dinheiro disponível, ironicamente, para quem já tem dinheiro.

Este cenário, por sua vez, levou a um aumento do total de ativos das gerações mais velhas e à vulnerabilidade entre os jovens.

Segundo o mesmo FED, pessoas que têm entre 25 e 40 anos possuem hoje cerca de 4,6% da riqueza dos EUA, contra 21% detido pela geração anterior quando também possuía essa idade.

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A queda drástica levou a uma mudança de padrão de consumo.

Empresas de tecnologia fortemente incentivadas pelo crédito barato, como a Uber, Airbnb, apps de delivery de comida e streamings como a Netflix, se tornaram opções aceitáveis, em boa parte pela falta de renda dos mais jovens que não possuem condições de manter carros ou hábitos de consumo mais elevados.

Na prática, uma geração de americanos mais pobres que seus pais e um crédito a juro zero ou negativo (quando descontamos a inflação da taxa de juros), para os mais ricos, moldou boa parte dos seus hábitos de consumo também aqui no Brasil.

Como resume um slogan do Fórum Econômico Mundial a respeito do mundo em 2030 “você não será dono de nada, mas será feliz”.

Trata-se de um cenário onde a propriedade de bens e o acúmulo de riqueza deve se tornar cada vez mais difícil para os mais jovens.

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Todo este cenário pode ser sintetizado pelo chamado “Efeito Cantillon”, que diz, em resumo, que em uma situação na qual exista um forte aumento da oferta de dinheiro, pessoas que recebem o dinheiro novo primeiro, se beneficiam mais do que aquelas que encostam neste dinheiro por último.

Como o mecanismo principal dos bancos centrais para injetar recursos na economia é o crédito, pessoas que possuem acesso ao crédito se tornam beneficiadas.

Isso permite que bilionários, ou grandes empresas, se beneficiem em um cenário como o da crise do coronavírus, onde trilhões foram despejados na economia como forma de estímulo.

Também como consequência direta destes estímulos, pessoas que antes comprariam títulos públicos para receber juros de 1% a 2% ao ano, agora veem estes títulos render -3% ou -4% no caso americano, e como consequência, passam a comprar mais ações e assumindo riscos em busca de um retorno maior.

Esse último ponto, que foi crucial para explicar a alta de empresas como a Amazon, Tesla e outras que prometem entregar resultados positivos, também pode ser visto no Brasil.

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Com uma inflação que chega a 8% em 12 meses, o Brasil possui hoje uma taxa de juros de -4% descontada a inflação.

É um número em boa parte assustador, afinal, alimenta a inflação, mas que sustenta uma migração maciça de recursos para a bolsa de valores, uma vez que comprar um CDB que lhe garanta 100% do CDI significa hoje perder dinheiro.

No caso brasileiro, os juros negativos devem durar pouco. Com o aumento da Selic nas próximas reuniões, é provável que ele volte a patamares mais elevados (o que faz sentido, afinal, você aceitaria receber 0% para financiar o governo brasileiro?). Ainda assim, o cenário para a bolsa de valores é positivo, pois retornos maiores do que zero demandarão maior risco.

No fundo, é um cenário positivo que permite ao país um choque de produtividade uma vez que, ao ter recursos de financiamento privados, as empresas passam a ser cobrado por metas.

Mesmo assim, os efeitos sociais que já começam a se desenhar nos EUA devem chegar por aqui.

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Uma geração de jovens sem condições de acumular patrimônio está presenciando agora seu poder de compra ser corroído pela desvalorização do real e um aumento de preços consequentes disso.

Para piorar, o Brasil segue mantendo uma produtividade estagnada, o que significa dizer que nosso PIB, ou a soma da riqueza gerada pelo país, cresce em função do aumento populacional (que está diminuindo). Na prática, dividindo pela população o PIB, e os salários, continuam na mesma.

Por aqui, para além de um efeito em 2008, tivemos a maior recessão da história brasileira, entre 2015 e 2016. O efeito da recessão foi ainda mais severo com os jovens.

Em 2019, antes portanto da pandemia, cerca de 41,8% dos jovens brasileiros entre 18 e 24 estava “subutilizado”, um termo que pode significar tanto desemprego quanto disponibilidade para trabalhar mais horas por semana.

Trata-se de um grupo que não conseguirá formar poupança, e lá na frente, terá de arcar com um desequilíbrio fiscal na previdência.

A depender da manutenção da nossa produtividade como nos últimos 40 anos, a estimativa é de que, em 2048, a renda per capita brasileira seja a mesma de 2018, isso porque o número de trabalhadores tende a diminuir nos próximos anos.

Reverter este cenário, seja por uma melhoria da educação, reformas na estrutura tributária, que melhoram a qualidade dos investimentos, ou outras reformas de base, é uma parte crucial para o Brasil conseguir estancar o problema.

Por parte global, os “cantilionários”, os bilionários que se beneficiam do tal efeito cantillon e se tornam cada vez mais ricos, devem acender um debate cada vez maior sobre taxação de patrimônio.

É bastante improvável que o cenário que leva ao aumento do seu patrimônio, o aumento na oferta de moeda, seja revertido, isto porque, um aumento nos juros implicaria um custo elevado para a dívida americana, ameaçando a posição de destaque do país, e do próprio dólar.

Este debate sobre como combater as consequências ignorando as causas também deve chegar com maior força ao Brasil. Taxação de dividendos e talvez de patrimônio se tornaram com o tempo um ponto comum compartilhado por diversos lados do jogo político.

Não se trata aqui de criar um cenário apocalíptico entretanto. Há inúmeras maneiras de mudar este cenário, mas como diz o ditado “amanhã deve fazer sol, mas na dúvida leve o guarda-chuva”.

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Felippe Hermes Felippe Hermes é jornalista e co-fundador do Spotniks.com

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