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Isso é o que a China já comprou no Brasil

Maiores produtores privados de energia no Brasil, as estatais chinesas estão presentes ainda em campos do pré-sal, além do controle de portos como Paranaguá
Por  Felippe Hermes -
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Foi em 2014 que a seguradora chinesa Anbang assumiu o controle do tradicional hotel Waldorf Astoria em Nova York. Por US$ 2 bilhões, um hotel simbólico se tornaria um marco da expansão chinesa no ocidente.

Obama, presidente do país na época, declarou que, por precaução e segurança, não se hospedaria mais no hotel, quebrando uma tradição de décadas em que presidentes se hospedaram no Waldorf quando visitavam a cidade.

Cerca de 4 anos após a aquisição, o grupo Anbang, uma gigante do setor de seguros com ativos da ordem de US$ 301 bilhões de dólares, se tornou alvo de uma operação do governo chinês por crimes financeiros. Como resultado, o governo chinês passou a ser oficialmente dono do simbólico hotel, além de inúmeros outros ativos que a empresa havia adquirido ao redor do planeta.

A prática, porém, não é isolada. Na China, os chamados “rinocerontes cinzas”, são grupos privados que se expandem globalmente por meio de crédito barato no país. Não raro, os grupos como a HNA, Wanda Group, Anbang, enfrentam problemas financeiros dada sua elevada alavancagem, promovendo uma dança das cadeiras. Saem os grupos privados, entram as estatais comprando os ativos.

No Brasil, a China se tornou ao longo deste século o maior investidor externo do país. Segundo dados do Ministério das Relações Exteriores divulgados em 2019, entre 2003 e 2019 os chineses colocaram por aqui US$ 72 bilhões, ou 37,3% do total investido por estrangeiros.

Apesar de menores em número de projetos, os chineses já investem mais no Brasil do que americanos ou japoneses e canadenses, cuja presença no país já está estabelecida há décadas.

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Diferente dos americanos também, chineses têm atuado por aqui, ao menos neste primeiro momento, por meio da compra de participações em projetos locais, seja majoritária ou minoritária, como os campos do pré-sal adquiridos durante o leilão de Libra.

Do total investido por chineses, apenas 11% foi destinado a projetos novos. O restante focou em aquisições.

As aquisições também se diferenciam daquelas feitas via comércio. Neste campo, a China ultrapassou os Estados Unidos, se tornando o maior parceiro comercial brasileiro, especialmente após sua entrada na Organização Mundial do Comércio (OMC), em 2001.

Por meio dessa participação, a China buscou ao redor do planeta seu reconhecimento como “economia de mercado”. Na prática, este reconhecimento, que nem todos os países deram ao gigante asiático, tem um impacto significativo no seu crescimento e no aumento da fatia chinesa no comércio internacional.

Ser reconhecida como uma economia de mercado garante para a China que, em avaliações de práticas como dumping (quando um produto é vendido abaixo do seu preço normal para ganhar fatia de mercado), os preços do país possam ser considerados.

Inúmeros argumentam que não se pode considerar os preços chineses, mas sim exemplos de outros países, uma vez que os preços na China sofrem forte influência do Estado, logo, não são de mercado.

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Isso permite que multas e bloqueios anti dumping sejam impostos, forçando negociações por parte do governo chinês. Trata-se de uma questão bastante relevante no mundo, em especial envolvendo Estados Unidos e Japão.

No Brasil, a preocupação inexiste, dado que, em 2004,  reconhecemos a China como economia de mercado e passamos a considerar os preços praticados pela China como “normais de mercado”.

De volta à questão de investimento externo, porém, o país tem atuado no Brasil por duas frentes, com resultados distintos.

Os rinocerontes cinzas, grupos privados, compraram fatias consideráveis em áreas como aviação, infraestrutura e finanças.

A HNA por exemplo, comprou em 2015 cerca de 23,7% da Azul Linhas Aéreas. Em outra investida no ramo, a empresa comprou uma participação minoritária no aeroporto do Galeão.

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Como no caso da Anbang, o HNA Group sofreu com problemas de liquidez, tendo de se desfazer de suas participações.

Estatais chinesas, entretanto, não possuem o mesmo problema. Ao contrário de grupos privados que se arriscam em áreas diversas por meio de empréstimos, elas têm apresentado muito mais liquidez e consistência nas compras.

Em 2017 por exemplo, a China Merchants Group, uma companhia controlada pelo governo chinês listada em bolsa, pagou R$ 2,8 bilhões pelo Terminal de Contêineres do Porto de Paranaguá, o segundo maior do Brasil. Em 2020, fundos estatais assumiram parte do negócio.

Também na área portuária, um setor que tem crescido em interesse por parte do governo chinês, a estatal China Communications Construction Company (CCCC), está investindo R$ 2 bilhões para construir um porto no Maranhão, formando assim duas rotas de escoamento da produção agrícola brasileira, ao sul e ao norte do país.

A mesma CCCC está neste momento negociando um novo projeto, desta vez em Santa Catarina, também para a área de grãos, como em São Luís. O valor envolvido é da ordem de R$ 1 bilhão.

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Tendo comprado a empresa de engenharia Concremat, a CCCC investe ainda energia eólica, e no que depender do governo paulista, disputará concessões em rodovias.

Também na área de infraestrutura, a estatal State Grid, maior transmissora de energia chinesa, assumiu o controle da CPFL, pagando em 2017 US$ 4,5 bilhões por 54% da empresa, que possui capital aberto.

A mesma State Grid tentou, sem sucesso, uma oferta para comprar a totalidade das ações.

Outra gigante de energia, a CTG, China Three Gorges – dona usina de 3 gargantas, a maior do planeta – adquiriu o controle de 14 hidrelétricas, além de participação de outras 3. A empresa, que venceu o leilão de privatização da CESP, é hoje a segunda maior geradora de energia com capital privado do país. Por meio da EDP, a CTG também possui 11 parques eólicos no país.

Juntas, a State Grid, CTG, além da State Power Investiment Corporation (SPIC), controlam 15,6 mil MW, ou 10% de toda produção brasileira de energia.

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Ambas as empresas são ainda fortes concorrentes em projetos de privatização, como os da Eletrobras e Cemig.

Na área de petróleo, a CNPC, Corporação Nacional Chinesa de Petróleo, controladora da PetroChina, é sócia da Petrobras no pré-sal, graças à aquisição conjunta no leilão do campo de Libra. Outra estatal chinesa, a CNOOC, também é sócia no campo (ambas com 10% cada).

A empresa busca ainda retomar a construção do Comperj, complexo petroquímico da Petrobras no Rio de Janeiro.

Na maior descoberta do pré-sal, feita em 2011, a Petrobras é sócia da Shell, e da RepsolSinopec, mais uma estatal chinesa na área de petróleo.

Ao todo os chineses possuem participação em 12 campos do pré-sal.

No ramo agrícola, além dos portos, os chineses são sócios majoritários com 53,4% da Belagrícola, produtora de máquinas e equipamentos paranaense com faturamento de R$2,8 bilhões. Outros investimentos incluem ainda a Fiagril, adquirida em 2016 pelo mesmo grupo, o DKBA.

Parcerias também estão na lista dos chineses, como no caso daquela firmada com a Rede Bandeirantes, dona da emissora de TV e rádios no país. A empresa fechou um acordo para produção de conteúdo junto a estatal chinesa China Media Group.

A estatal chinesa também assinou um acordo de coprodução e uso da tecnologia 5G com a Rede Globo.

Investimentos no exterior têm sido criticados pelo presidente-ditador chinês, Xi Jinping, por criarem vulnerabilidade no país, como as complicações de grupos privados que expandiram de forma desenfreada.

Na parte estatal, entretanto, a China possui um foco relativamente bem definido: trata-se de criar e garantir infraestrutura para que os chineses possam importar alimentos e outras commodities necessárias para sua população.

São investimentos legítimos, e bem-vindos em um país que carece tanto de infraestrutura. O dinheiro barato que chineses conseguem ao acumular recursos por suas exportações tem capacidade de impactar positivamente o país.

É preciso, entretanto, ter uma certa cautela quando falamos em facilitar a exportações de commodities para a China.

Apesar dos dólares que entram aqui, gerando renda e consumo para a população, a questão ambiental não pode ser desconsiderada.

O impacto causado por grandes projetos que facilitam a exploração de riquezas naturais brasileiras é considerável e nossos padrões não podem ceder ao apetite desenfreado chinês.

Como os vizinhos ao sul da China já sabem, o país não é exatamente o mais preocupado do mundo com danos ambientais. Que o digam aqueles que sofrem com secas e, consequentemente, com a fome, em função do controle de barragens chinesas sobre rios para geração de energia.

Há que se considerar que a conta ambiental é fundamental para o país sob diversos aspectos e, neste caso, não há investimento externo que compense o possível dano à imagem brasileira.

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Felippe Hermes Felippe Hermes é jornalista e co-fundador do Spotniks.com

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