Volatilidade e incertezas

Fim da temporada de resultados e tensões nos mercados devido à crise bancária nos EUA

Felipe Bevilacqua

Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Passive investing has increased US stock volatility
Passive investing has increased US stock volatility

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O mês de março finalizou o período dos resultados trimestrais e anuais das empresas brasileiras, que, em geral, foram bons. No entanto, houve algumas pressões já esperadas de margens das companhias, bem como um aumento das despesas financeiras decorrentes da alta taxa de juros que temos hoje em vigor no país.

A tônica do mercado de março teve um componente adicional que gerou tensão nos mercados, afinal a última vez que um banco de grande porte quebrou nos EUA era início de uma das maiores crises financeiras que já vimos nos mercados.

Mais uma vez, o mês foi negativo para o mercado de ações local. Depois de um recuo de -7,49% em fevereiro, março fechou com uma queda de -2,91%.

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Abaixo o desempenho dos principais índices:

Banco Central, Fed e divulgação do novo arcabouço fiscal no centro das atenções

Fed pressionado, Banco Central mais hawkish e Arcabouço Fiscal bem recebido

Neste mês, tivemos decisões importantes dos Bancos Centrais ao redor do mundo, com destaque para o BC local, que surpreendeu em um comunicado mais hawkish, garantindo a manutenção do atual patamar de juros até que ocorra uma significativa redução nas expectativas futuras de inflação. No final do mês, o arcabouço fiscal foi apresentado, e foi recebido de forma positiva pelo mercado e pelo BC, que enfatizava a necessidade de um arcabouço robusto, sinalizando positivamente para o plano de voo traçado pela equipe econômica de Fernando Haddad.

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Em relação aos EUA, vimos um Federal Reserve (Fed) que segue bastante pressionado, especialmente diante dos acontecimentos recentes no setor bancário, que afetaram principalmente os pequenos e médios bancos regionais, trazendo à tona o questionamento do mercado se o Fed, de fato, será capaz de dar continuidade ao ciclo de aperto monetário por muito mais tempo.

Alocações

Nos últimos meses, procuramos fazer diversos ajustes nas nossas estratégias, com o intuito de reduzir o risco geral destas, devido ao fato de enxergarmos uma conjuntura bastante desafiadora à frente. Isto posto, acreditamos que nosso cenário base desenhado no 2º semestre de 2022 vem se concretizando e se mostrando correto.

Temos dado preferência por uma maior diversificação de classe de ativos com uma forte proporção de caixa e ativos de Renda Fixa e uma alocação estrutural abaixo da média em Renda Variável. Neste momento, a parcimônia prevalece e preferimos perder o “começo do bonde” de quando a Bolsa começar a subir forte.

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Em nosso cenário base, acreditamos que ainda em 2023 veremos o início da queda na Selic, movimento este que deve se iniciar nas duas últimas reuniões do Copom no ano. Entendemos que o atual governo possa ter percebido que a posição do BC não irá se alterar por causa de pressões, já que o Copom vem se mostrando extremamente duro em seus comunicados, não cedendo às pressões impostas por cortes nas taxas de juros. Deste modo, vimos a equipe econômica de Fernando Haddad divulgando um novo arcabouço fiscal, que buscou se alinhar com o discurso do BC de que seria necessário um fiscal robusto.

Junto a isso, com o índice de confiança em forte declínio, uma atividade econômica mais fraca e crédito secando, teremos um momento propicio para a redução dos juros, principalmente no 2º semestre.

Trazendo esse cenário para o mundo dos investimentos, temos uma taxa Selic em seu maior patamar dos últimos anos, em 13,75%. Isto posto, já teríamos o investimento em Renda Fixa como uma excelente opção para o momento. Entretanto, o fato de tudo indicar que essa deve ser a taxa terminal o torna ainda mais atrativo.

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Nossa crença em ativos pós-fixados está acima da média. Temos como preferência os ativos do tipo CDI + %, que se beneficiarão em cenário de redução de juros no médio prazo. No entanto, ainda temos encontrado uma baixa disponibilidade no mercado.

Sobre prefixado, ainda temos encontrado excelentes oportunidades. Mas nossa visão é que ele deve fechar em função de quanto mais para o consenso a redução da Selic for. Logo, essa é uma boa hora para comprar esse tipo de título.

Já os ativos ligados à inflação continuam em um bom momento de alocação, principalmente os de médio prazo.

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Consideramos apertado o retorno adicional dos ativos mais High Yield em comparação com os ativos High Grade. Em função disso e do cenário de crédito como um todo, temos feito um movimento de Flight to Quality, ou seja, estamos alocando em ativos de extrema qualidade e mais seguros. Não vemos justificativa para correr mais riscos agora. Preferimos ativos com um pouco menos de retorno, mas que nos proporcionam uma segurança muito maior.

Em relação à Bolsa brasileira, o cenário continua parecido e muito volátil, com o aumento das incertezas impactando diretamente os preços dos ativos. Outro ponto que vale mencionar é que uma grande parte das ações que compõem o Ibovespa possui algumas “travas” para o ano, sejam de origem micro ou macro. Isso faz com que o processo da escolha das ações ganhe ainda mais peso do que no passado.

Empresas defensivas, que sejam exportadoras, que consigam surfar neste ambiente de juros altos e possuam ampla vantagem competitiva, ainda ganham a nossa preferência na alocação de recursos. Todavia, oportunidades de curto prazo acabam aparecendo e, eventualmente, entendemos que faz sentido entrarmos em uma parcela minoritária da nossa alocação de risco.

Abaixo, um pouco da nossa visão para EUA e Brasil

EUA

Não demorou muito para as primeiras vítimas de um deslocamento histórico dos juros nos Estados Unidos aparecerem. O mês de março foi marcado pela quebra do SVB (Silicon Valley Bank) e de outros bancos regionais nos Estados Unidos. Os eventos acabaram por tirar boa parte do peso que era, até então, atribuído, pelo mercado, exclusivamente aos índices de preços no país e ao seu mercado de trabalho ainda bastante apertado como balizadores para os próximos passos do Fed.

O CPI (Consumer Price Index) de fevereiro, divulgado em março, não trouxe novidades, avançando 0,4%, em linha com nossas projeções e levemente abaixo do que esperávamos. Já o núcleo, com alta de 0,45%, ficou acima do esperado, mesmo com contribuição negativa de saúde e carros usados. Na base anual, o índice atingiu 6%, também alinhado às estimativas do mercado, mas ainda em níveis desafiadores para o Fed. Já no último dia do mês foi a vez de outro índice de inflação, o PCE (Personal Consumption Expenditures Price Index) ser apresentado, também mostrando algum nível de desaceleração (0,3% m/m vs. expectativa de 0,4% dos mercados), adicionando um ingrediente a mais para a difícil missão do Fed na próxima reunião.

Ainda que os indicadores de preços tivessem mostrado pressão além do esperado, o que de fato não aconteceu, os impactos no mercado de crédito após notícias de um cenário frágil para os bancos norte-americanos foram mais do que suficientes para que as apostas de uma política monetária ainda mais restritiva se esvaziassem. Isso trouxe para o curtíssimo prazo chances reais de uma recessão no país, o que acabou por pressionar também o preço do Brent, que chegou cair mais de 15% no período.

Entendemos que qualquer coisa que se aproxime de um contágio maior no sistema financeiro poderia trazer grandes impactos à economia norte-americana, diminuindo potencialmente a necessidade de doses ainda maiores de juros para conter o avanço da inflação no país. No entanto, acreditamos que a crise bancária que assombrou os EUA no último mês se dá de forma conjuntural e não estrutural. Logo, ela não afetará significativamente sua política monetária.

Para a reunião de março, o comitê optou por mais um ajuste de 25 bps, conforme esperávamos, mas com um discurso levemente mais dovish, indicando um fim próximo para o aperto, apesar de deixar em aberto a possibilidade de doses adicionais caso a inflação e o mercado de trabalho, ainda pressionados, não deem tréguas. Nosso cenário base continua sendo de cautela, atribuindo o peso devido para o cenário atual ainda bastante desafiador – núcleo de inflação forte e um PIB ainda resiliente no primeiro trimestre do ano – o que nos leva a crer que um ajuste adicional de 25 bps na próxima reunião deveria ser considerado. Nos parece provável que os problemas enfrentados no sistema financeiro deverão ser tratados através de mecanismos paralelos do próprio governo. Além disso, com base nas informações que temos hoje, não consideramos cortes na taxa de juros este ano, ao passo que vemos chances crescentes de uma possível recessão na economia americana no segundo semestre.

De fato, tudo indica que os juros terminais nos EUA devem ficar abaixo do esperado por nós inicialmente (5,5% – 5,75%), mas ainda vale um sinal amarelo em relação ao caráter definitivo após o encerramento do “primeiro” ciclo de aperto.

Se, por um lado, apesar da instabilidade, o espaço para mais altas nos juros está bem apertado, a recessão e os inevitáveis ajustes sequenciais nos resultados das empresas americanas nos parecem uma questão de tempo. Dito isso, esperamos uma reprecificação nos ativos de risco na bolsa americana, que, a nosso ver, ainda está sobrevalorizada diante de um novo cenário de juro no país e no mundo, bem como um ambiente mais desafiador para os lucros em 2023.

Brasil

No cenário local, a expectativa pela divulgação antecipada de um novo arcabouço fiscal tentou, em nossa visão, de maneira precoce, precificar chances maiores de queda na taxa Selic, ganhando ainda mais força após os eventos dramáticos no mercado de crédito dos Estados Unidos e uma possível mudança na “mentalidade” do Fed, que deixou bastante claro o tamanho do desafio ao sinalizar rapidamente apoio aos clientes dos bancos regionais, na tentativa de evitar uma reação que pudesse desencadear um evento sistêmico no setor.

Apesar do aparente esforço por parte do Ministério da Fazenda em apresentar o novo projeto antes da decisão do BC, obviamente, não foi possível. Ainda que tivesse sido colocado na mesa qual seria o novo desenho para o fiscal, não acreditamos que o resultado teria sido outro, a não ser a manutenção da taxa básica em 13,75%, conforme anunciada pelo BCB no dia último dia 22. Além disso, na terça-feira passada (28), tivemos a ata do Copom (Comitê de Política Monetária), que, apesar de ter vindo com um tom um pouco mais ameno, reforçou a preocupação dos agentes de política monetária quanto à desancoragem das expectativas de inflação, bem como alertas importantes para os malefícios que políticas fiscais expansionistas, neste momento, podem causar para a economia, forçando o BC a potencialmente elevar a taxa de juros neutra, uma vez que se dissipa parte da força da política monetária.

Em outras palavras, não faz sentido ampliar gastos do governo (sem contrapartidas concretas), justamente em meio a um ciclo de aperto monetário, que está sendo realizado para conter a inflação.

Como pano de fundo desde o início do ano e, amplificado pelo caso Americanas, o conjunto de desafios no mercado de crédito vai se materializando e se tornando cada vez mais comum no mercado local. Ainda que enxerguemos um ambiente com riscos, a priori, relativamente controlados, é fato que a qualidade do crédito, bem como o apetite dos bancos, já não são os mesmos. A depender do novo arcabouço fiscal, se será factível ou não e o quanto será modificado, enxergamos possibilidades reais de início de cortes nos juros ainda neste ano, apesar de nos mantermos cautelosos quanto ao cenário inflacionário, que não deve permitir um início prematuro das reduções. O fato é que um ambiente econômico mais desafiador poderia sim antecipar uma inversão da nossa política monetária atual e, ironicamente, beneficiar os ativos de riscos no país, que até então nos parecem bastante descontados, mas ainda observamos chances reais de que o BC – na figura do RCN – deve continuar exigente quanto aos efeitos práticos da combinação entre política monetária atual e implementação do novo arcabouço fiscal, em linha com a nossa expectativa inicial de corte de juros, que deve se iniciar no segundo semestre do ano.

Em suma, tivemos uma deterioração significativa nos mercados neste mês, pautados pela incerteza no setor bancário em escala global e bem ilustrados pelas crises do SVB, First Bank e Credit Suisse, bem como um banho de água fria para todos aqueles que acreditaram em uma possível inversão do ciclo de juros para o mercado doméstico já neste primeiro semestre.

Embora Campos Neto, talvez, pudesse ter sido um pouco mais conciliador no comunicado, reiteramos que a decisão de manutenção nos parece correta, uma vez que as expectativas futuras de inflação se encontram desancoradas e acelerando de forma significativa, aumentando o grau de imprevisibilidade e incerteza para os decisores de política monetária. Adicionalmente, o tom mais duro do BC, consequentemente, forçou o executivo a acelerar a entrega do arcabouço fiscal, o que, no final das contas, acaba sendo positivo, minimizando as incertezas.

Resta entender agora se o que foi exposto no novo planejamento de fato poderia ser considerado crível. As premissas inicialmente apresentadas para o resultado primário no novo arcabouço fiscal nos parecem consideravelmente exigentes, a começar pela expectativa de déficit para o primeiro ano do governo em 0,5%, conforme apresentado pelo ministro Haddad.

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Felipe Bevilacqua

Gestor da Levante Asset, fundou em 2017 o Grupo Levante, onde já foi chefe de Análise da Levante Ideias e CEO da Levante Corp. É formado em Economia pela FEA-USP