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Inflação deve deixar de ser tema no mundo este ano. E no Brasil?

Por aqui, corremos o risco de não surfar a desinflação global por conta dos desequilíbrios internos, enquanto uma regra fiscal crível e bem desenhada trará coordenação entre a política fiscal e monetária, abrindo espaço para queda de inflação e juros adiante
Por  Caio Megale -
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

A inflação foi um dos principais temas econômicos em 2022. Os preços ao consumidor aceleraram de forma sincronizada em boa parte do mundo. A inflação nos países desenvolvidos atingiu os maiores patamares desde o início da década de 80, época dos grandes choques do petróleo.

O movimento foi um claro efeito colateral das medidas contra a Covid-19. O combate à pandemia se fundou em dois pilares: a necessidade de distanciamento social, que provocou interrupção das cadeias globais de produção e fornecimento de produtos e insumos; e uma intensa transferência de recursos do setor público para o privado (empresas e famílias) para que os fluxos de pagamento não se interrompessem com o “apagão” do primeiro semestre de 2020.

O resultado foi um forte impulso à demanda em momento de restrição de bens e serviços, gerando choque de oferta e de demanda. A boa notícia é que essas ações foram revertidas ao longo do ano passado, contratando uma desinflação importante para este ano. Do lado da oferta, o indicador de pressão das cadeias de produção do NY Fed melhorou substancialmente. Os preços de fretes marítimos, que explodiram durante a pandemia, hoje estão alinhados com 2019. Do lado da demanda, os principais bancos centrais do mundo fizeram significativos ajustes em suas taxas de juros, e os programas de transferência direta de recursos, na maioria dos casos, cessaram.

Isso não significa que o jogo está ganho e é só esperar a inflação cair. Os bancos centrais seguirão vigilantes, e vão apertar mais as condições financeiras se necessário. Mas me parece seguro dizer que, quando fizermos uma “retrospectiva 2023” no fim do ano, a inflação não será destaque.

Essa é uma boa notícia para o Brasil. Não é exagero dizer que nosso banco central foi um dos primeiros no mundo a perceber que a inflação gerada pelo combate à pandemia não iria desaparecer sozinha. E começou a ajustar as taxas de juros em março de 2021, bem antes de seus pares. Mas por muito tempo agiu como um bombeiro tentando apagar o fogo no quintal de casa, quando o incêndio era em todo o quarteirão. Agora, com os juros já em patamar bem contracionista por aqui (quase 8% em termos reais) e o resto do mundo se ajustando, a perspectiva de curto prazo da inflação melhora.

A ênfase aqui, no entanto, é o “curto prazo”. Pois, ao longo do tempo, o que vai determinar mesmo se a inflação vai voltar à trajetória de metas (3% em 2024 e 2025) é o equilíbrio da economia, especialmente nas contas públicas. Se entrarmos um uma trajetória de endividamento público crescente, os formadores de preços e salários da economia (empresas de diferentes tamanhos e setores) vão acreditar que, em algum momento, uma corcova inflacionária virá para pagar a conta. Esta tem sido a história da economia brasileira nas últimas décadas.

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Em “economês”, chamamos este movimento de desancoragem das expectativas. Quando isso acontece, se torna mais difícil e custoso para o banco central manter a inflação estável, pois tem que ficar o tempo todo fazendo o contrapeso com juros altos.

Parece ser exatamente isso o que está acontecendo com o Brasil. As projeções de inflação, capturadas pela pesquisa Focus, estão subindo para horizontes que vão além daquele capaz de ser influenciado pelas decisões de política monetária, estimado pelo banco central em 1,5 ano. De fato, no comunicado que acompanhou a última reunião do Copom, em 1º de fevereiro, os membros do comitê enfatizaram que “a conjuntura, particularmente incerta no âmbito fiscal e com expectativas de inflação se distanciando da meta em horizontes mais longos (…) eleva o custo da desinflação necessária para atingir as metas estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional”.

Esta desancoragem ganhou fôlego com a PEC da transição, que abriu espaço para gastos além do necessário para este ano, e sinalizou um viés mais expansionista como perfil do novo governo. De fato, as contas da XP indicam que o endividamento público seguirá crescendo nos próximos anos, mesmo considerando medidas de recuperação de receita anunciadas pelo Ministério da Fazenda.

Corremos o risco, portanto, de não surfar a desinflação global por conta dos desequilíbrios internos. E o problema se intensificará se buscarmos uma saída fácil para o problema: subir a meta de inflação. Uma meta mais elevada consolidaria o processo de alta das expectativas, tornando ainda mais provável o cenário de inflação elevada à frente. O banco central, para atingir o mesmo nível de taxa real de juros (que é o que realmente impacta a economia), teria que operar com uma taxa Selic mais elevada. O custo de dívida iria crescer – dado que boa parte dela é indexada à inflação ou à taxa nominal de juros – agravando o problema fiscal.

É uma saída que nos leva a uma situação pior. Ou seja, não é uma saída.

Melhor voltarmos o foco para o novo arcabouço fiscal, que está sendo gestado na equipe econômica e deve ser apresentado ao longo deste semestre. Como argumentei no meu artigo anterior, uma regra fiscal crível e bem desenhada trará coordenação entre a política fiscal e monetária, abrindo espaço para queda de inflação e juros adiante. Esperamos ansiosamente por ela.

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Caio Megale Economista-chefe da XP Investimentos. Foi secretário de Desenvolvimento da Indústria e Comércio e Diretor de Programas no Ministério da Economia entre 2019 e 2020. Antes, foi Secretário Municipal da Fazenda de São Paulo de janeiro de 2017 a dezembro de 2018. No mesmo período, foi vice-presidente da Associação Brasileira de Secretários de Finanças das Capitais (ABRASF). Entre 2011 e 2016, foi associado do Itaú Unibanco e um dos responsáveis pela equipe de economistas do banco. Anteriormente, foi economista do Lloyds Asset Management, da Máxima Asset Management e da Gávea Investimentos. Em 2005, participou da fundação da Mauá Investimentos, da qual foi sócio e economista chefe até 2010

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