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Uma conclusão à procura de justificativas

Os críticos do aumento de taxa de juros ainda não entenderam o funcionamento do regime de metas para a inflação, apesar de mais de 20 anos de experiência. Repetem, assim, velhos erros de análise
Por  Alexandre Schwartsman -
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

O regime de metas para a inflação foi adotado há mais de 20 anos no Brasil. É notável que, após esse tempo todo, há economistas que ainda não entenderam o funcionamento do regime, nem a operação da política monetária.

O colunista do Valor Econômico, Pedro Cafardo, abriu espaço para que alguns deles pudessem manifestar toda sua dificuldade de compreensão sobre o tema. Praticamente uma bênção para quem precisava, como eu, de um mote para minha própria coluna.

Fernando Ferrari, por exemplo, ainda acredita, depois de mais de 20 anos de prática em contrário, que o Banco Central (BC) brasileiro tenta controlar a inflação global, afirmando que: “a inflação mundial advém de choque de oferta e não de demanda. Logo, elevar juros não tem impacto algum para arrefecer preços.”

Contraste essa afirmação com a comunicação do próprio Banco Central, por exemplo, na edição mais recente da Ata do Copom, que deixa clara sua postura.

“O conflito na Europa adiciona ainda mais incerteza e volatilidade ao cenário prospectivo, e impõe um choque de oferta importante em diversas commodities. O Comitê considerou que a boa prática recomenda que a política monetária reaja aos impactos secundários desse tipo de choque, prática que leva em consideração as usuais defasagens dos efeitos da política monetária.” (ênfase minha)

Como explícito no parágrafo acima, o BC não calibra a política monetária para tratar do aumento dos preços das commodities, mas sim das reações dos demais preços da economia a esse choque.

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Trata-se, como tem sido enfatizado desde o início dos anos 2000, de permitir que haja alteração de preços relativos (commodities mais caras em comparação aos demais produtos), conforme requer uma economia de mercado, sem permitir, contudo, que setores pouco afetados diretamente pelo choque possam aproveitar da aceleração da inflação para reajustar seus próprios preços, perenizando o processo inflacionário.

Como, aliás, também devidamente enfatizado no trecho retirado da Ata, tal abordagem considera explicitamente a defasagem de política monetária, ou seja, que a calibragem da taxa de juros hoje não é feita com o objetivo de trazer a inflação de 2022 para a meta, mas sim a de 2023, quando os efeitos do choque externo presumivelmente já terão sido absorvidos.

Ambas ponderações, tanto a reação aos efeitos secundários do choque (em oposição aos impactos primários), como o reconhecimento que a política monetária só terá efeito pleno depois de intervalo considerável, fazem parte do conhecimento comum sobre a operação do regime de metas, repito, há mais de 20 anos. Mesmo assim, seguem solenemente ignoradas por alguém que se reputa especialista no assunto.

Já Adalmir Marquetti, da PUC-RS, “lembra que o BC elevou a Selic de 2% em março de 2021 para 11,75% em março de 2022. Nesse período, a inflação em 12 meses passou de 6,1% para 11,3%, o que comprovaria a incapacidade de a alta dos juros conter os preços”.

Nesse trecho, além de obviamente desconsiderar a já referida defasagem da política monetária, comete mais alguns erros básicos.

O pior deles, para um economista, é avaliar uma política sem levar em conta o chamado “contrafactual”. Nenhum profissional bem formado na área mede o impacto de uma política ao comparar o que ocorre antes e depois de sua aplicação, mas sim ao que ocorre depois de aplicação em relação ao cenário que teria se materializado caso tal política não tivesse sido adotada, ou seja, o contrafactual.

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Recentemente, por exemplo, conhecido comentarista político, antivacina talvez não por convicção (pois vacinado foi), mas por interesse, notou que houve aumento de casos da Covid no início deste ano, mesmo após ampliação do número de pessoas imunizadas. Não demorou a ser (corretamente) lembrado que a avaliação da vacina deveria levar em conta exatamente o que teria ocorrido caso a onda da variante ômicron tivesse atingido o país sem a imunização. Marquetti comete exatamente o mesmo erro.

Por fim, José Luís Oreiro, da UnB, “diz que a política é ineficaz porque ‘elevar a taxa de juros faz sentido quando a inflação é produzida dentro do Brasil e principalmente, por excesso de demanda’. E esse não é o caso: temos uma inflação importada, de alimentos e de energia.”

A esse respeito, começo notando que o IPCA, descontados os aumentos de alimentos (no domicílio) e energia (no caso combustíveis e eletricidade), acelerou-se de 2,20% em 2020 para 8,25% nos 12 meses terminados em março deste ano.

Menor, é verdade, do que a inflação cheia (11,30% no mesmo período), mas não só a leitura mais alta neste critério desde maio de 2016, como muito superior à meta de inflação.

Adicione-se a isto que a inflação de serviços, a menos afetada por preços de commodities, já supera 6% nos 12 meses até março e tem rodado nos últimos trimestres à velocidade de 8-9% ao ano.

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Dito de outra forma, papaguear que a inflação é importada apenas revela que o analista em questão sequer se deu ao trabalho de observar com mais cuidado o comportamento recente da inflação antes de proferir seu diagnóstico, obviamente equivocado.

Não por acaso, suas recomendações de política para lidar com a inflação são igualmente equivocadas, a saber: “1) voltar a fazer estoques reguladores de alimentos, que eram usados para suavizar os aumentos dos alimentos e foram extintos nos governos Temer e Bolsonaro; 2) adotar imposto de exportação de commodities, para conter os preços de alimentos no mercado interno.”

Pelo que foi dito acima, é claro que nenhuma destas ações teria qualquer efeito sobre a inflação dos demais produtos que não commodities, e que, portanto, seria ineficaz para conter a alta persistente dos preços.

Mais sério do que isto, porém, é a noção que o governo pode interferir no funcionamento do sistema de preços sem consequências.

A ideia de que iluminados em agências governamentais intervenham no mercado pressupõe, para começar, que tenham mais informação sobre a dinâmica de mercado do que os próprios participantes; adicionalmente, presume que sejam guiadas exclusivamente pelo interesse geral, não por eventuais ganhos de ordem política, ou mesmo pecuniária. Sugiro um breve olhar no entorno para aferir a aderência destas hipóteses à realidade brasileira.

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Por fim, a criação de impostos extraordinários pode até limitar aumentos de preços no curto prazo, mas ignora que – uma vez passada a surpresa – fará parte do conjunto de informações de produtores.

Vale dizer, uma vez surpreendida pelo imposto inesperado (aliás, como fazê-lo sem quebrar o princípio da anterioridade?), a produtora ajustará seu comportamento ao risco de ser sobretaxada caso as condições de mercado se tornem mais favoráveis para ela, ou seja, reduzirá intenções de produção para o mesmo conjunto de preços, piorando de forma permanente as condições de oferta.

O que se vê, portanto, é a conhecida inversão: temos uma conclusão (não subir os juros) à procura de uma justificativa. Gera reações em redes sociais, mas como resolução dos problemas econômicos do país é garantia de fracasso.

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Alexandre Schwartsman Alexandre Schwartsman foi diretor de assuntos internacionais do Banco Central e economista-chefe dos bancos ABN Amro e Santander. Hoje, comanda a consultoria econômica Schwartsman & Associados. Formou-se em administração pela Fundação Getulio Vargas, fez mestrado em economia na Universidade de São Paulo e doutorado em economia na Universidade da Califórnia em Berkeley.

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