“Fadiga de Zoom”: por que as videochamadas são tão cansativas (e como evitar essa sensação)?

São horas e horas na frente das telas para o trabalho e falar com família e amigos; especialistas explicam como evitar a exaustão

Giovanna Sutto

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SÃO PAULO – Você abre o link da reunião. Sua tela congela. Há um eco de alguém falando com um certo delay. Algumas pessoas te olham como se fossem fotos porque a tela travou. Depois de alguns minutos, tudo volta ao normal. Seja com amigos, familiares ou colegas, esses encontros digitais se tornaram constantes na tentativa de manter uma conexão social ativa e o ritmo de trabalho durante a pandemia.

Em muitos casos vem dando certo: até happy hours acontecem por videochamadas. Mas muitas pessoas podem achar todo esse processo, muitas vezes diário, exaustivo.

Essa sensação ganhou até uma expressão, é a chamada de “fadiga de Zoom”, em referência à plataforma que ganhou muito espaço (e dinheiro) durante esse período de pandemia. O cansaço causado pelas videochamadas realmente existe e tem alguns fundamentos.

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O site BBC Worklife conversou com Gianpiero Petriglieri, professor associado da francesa Insead, que explora a aprendizagem e o desenvolvimento sustentável no local de trabalho, e Marissa Shuffler, professora associada da Universidade Clemson, da Carolina do Sul, que estuda o bem-estar no local de trabalho e a eficácia do trabalho em equipe para entender os efeitos negativos das videochamadas e como minimizá-los.

Exige mais atenção

Segundo Petriglieri, estar em uma videochamada requer mais foco do que um bate-papo cara a cara: é preciso trabalhar mais para processar pistas não verbais, como expressões faciais, tom de voz e linguagem corporal e prestar mais atenção a isso consome muita energia.

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“Nossas mentes trabalham juntas mesmo quando nossos corpos sentem que não estamos, de fato, perto. Essa dissonância, que leva as pessoas a ter sentimentos conflitantes, é desgastante. Você não pode relaxar na conversa naturalmente”, explica.

O silêncio é outro desafio porque cria um ritmo natural em uma conversa presencial. No entanto, quando acontece em uma videochamada, a pessoa tenta entender se a tela travou, ou se realmente foi uma pausa, por exemplo, o que gera uma ansiedade extra durante o diálogo digital.

E também deixa as pessoas desconfortáveis. Um estudo produzido por acadêmicos alemães em 2014, intitulado “Why are you so slow?” (“Porque você é tão lento?”, em tradução livre), mostra que os atrasos nos sistemas de telefone ou conferência moldam negativamente a visão das pessoas: parte dos entrevistados teve a percepção de que o par do outro lado era menos amigável ou estaria menos focado com atrasos de apenas 1,2 segundo na resposta.

Shuffler acredita que um fator adicional é a sensação constante que as pessoas têm de estarem sendo vigiadas por estarem fisicamente diante das câmeras. “Quando você está em uma videoconferência, sabe que todo mundo está olhando para você. É como se estivesse em um palco, então surge a pressão social e a sensação de que precisa se apresentar. Mas performar o tempo todo é muito estressante.”

Também é muito difícil para as pessoas não olharem para o próprio rosto na tela ou não se importarem sobre como se comportam na frente da câmera, o que acrescenta uma pressão extra, segundo a professora.

Como a pandemia contribui para esse processo

Para além dos fatores mencionados, os professores explicam que o cenário atual tem um peso considerável: o isolamento, o home office e a mudança de rotina também alimentam essa “fadiga de Zoom”.

Petriglieri acredita que o fato de as pessoas se sentirem forçadas a atender às chamadas é um dos principais pontos que reforçam essa sensação. “A videochamada é o lembrete diário de que perdemos contato com as pessoas temporariamente. A angústia surge toda vez que vemos alguém online, como um colega do trabalho ou um amigo, e lembramos que deveríamos estar juntos no escritório ou em um bar”, diz o professor.

Outro ponto é que alguns aspectos da vida das pessoas que funcionavam separadamente, como trabalho, amigos e família, agora acontecem no mesmo espaço.

“A teoria da autocomplexidade diz que os indivíduos possuem múltiplos aspectos: papéis sociais, relacionamentos, atividades e objetivos dependentes de diferentes contextos – e achamos a variedade saudável. Quando esses aspectos são reduzidos para um único espectro, nos tornamos mais vulneráveis ​​a sentimentos negativos”, explica Petriglieri.

Segundo o professor, a maioria dos nossos papéis sociais acontece em lugares diferentes, mas agora o contexto entrou em colapso. “Imagine se você fosse a um bar, e no mesmo local, conversasse com seus professores, encontrasse seus pais e ficasse com alguém. Não é estranho? É isso que estamos fazendo agora. Estamos confinados em casa, no contexto de uma crise sanitária, e nosso único espaço de interação é uma tela de computador”, ressalta.

Shuffler diz que a falta de tempo livre após cumprir os compromissos de trabalho e família é outro fator que amplia o cansaço, além da preocupação com a economia e possível desemprego. “Há também uma sensação de ‘eu preciso desempenhar o meu nível mais alto’ em uma determinada situação. Algumas pessoas estão dando mais de si mesmas para garantir seus empregos, por exemplo”.

Efeito obrigação

Muitas pessoas fazem chamadas de vídeo com temas considerados “divertidos” como cozinhar algo novo, almoço virtual de Páscoa com a família, conversas com amigos da faculdade, festa de aniversário para outro amigo, ou happy hour do trabalho. Se a ligação é divertida, por que ela pode parecer cansativa?

Segundo Shuffler, parte disso vem da reflexão: você está participando porque deseja ou porque sente que deve? Se a pessoa vê o momento como uma obrigação, significa menos tempo de relaxamento após um dia de trabalho, por exemplo. Assim, um bate-papo com os amigos parecerá mais social e promoverá menos ‘fadiga de Zoom’ quando a pessoa puder ser ela mesma e atuar menos.

Petriglieri acrescenta que as chamadas em grandes grupos tendem a ser particularmente mais performáticas. “As pessoas gostam de assistir à televisão porque permite que sua mente divague – mas uma grande chamada de vídeo é como se você estivesse assistindo à TV e ela a você”.

Os bate-papos em grandes grupos também podem parecer despersonalizados porque seu poder como indivíduo diminui e, apesar de ser apresentado como momento de lazer, pode não parecer. “Não importa se você chama de ‘happy hour virtual’, é uma reunião porque estamos acostumados a usar essas ferramentas para o trabalho”, explica o professor.

Como aliviar a “fadiga de Zoom”?

Ambos os especialistas sugerem limitar as videochamadas às necessárias. Ligar o vídeo deve ser opcional e, em geral, é preciso entender que as câmeras nem sempre precisam estar ativadas ao longo de cada reunião.

Deixar a chamada no modo minimizado em vez de ocupar toda a tela também pode ajudar na concentração, principalmente em reuniões de grupo. “Isso faz você se sentir em uma sala adjacente, por isso pode ser menos cansativo”, diz Petriglieri.

Em alguns casos, vale a pena considerar se as conversas por vídeo são realmente a opção mais eficiente. No que diz respeito ao trabalho, Shuffler sugere que os arquivos compartilhados com observações específicas podem evitar a sobrecarga de informações.

Ela também sugere que um tempo durante as reuniões seja separado para conversar sobre o bem-estar antes de começar os assuntos do trabalho, por exemplo. “Use algum tempo para realmente verificar como as pessoas estão. É uma maneira de nos conectarmos, manter a confiança e reduzir a fadiga e a preocupação”, afirma.

A criação de períodos de transição entre as videoconferências também pode ajudar – tentar fazer um alongamento, tomar algo ou fazer um pouco de exercício, afirmam os especialistas.

Petriglieri ressalta que limites e transições entre as tarefas são importantes. “Precisamos criar barreiras que nos permitam deixar uma identidade de lado e depois passar para outra à medida que nos movemos entre o pessoal e profissional”, diz.

Giovanna Sutto

Repórter de Finanças do InfoMoney. Escreve matérias finanças pessoais, meios de pagamentos, carreira e economia. Formada pela Cásper Líbero com pós-graduação pelo Ibmec.