Moderadores do Facebook têm rotina permeada de ataques de pânico

Reportagem do site The Verge revela alguns aspectos da profissão  

Giovanna Sutto

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SÃO PAULO – Em pouco tempo, Chloe se tornará moderadora de conteúdo do Facebook em tempo integral. Ela trabalha para uma empresa de serviços terceirizada chamada Cognizant – que funciona em parceria com a empresa de Mark Zuckerberg, de acordo uma reportagem do The Verge que acompanhou a jovem e investigou essa profissão nos últimos três meses.

Os moderadores começaram a ser contratados após uma onda de críticas sobre a demora do Facebook para remover conteúdo ofensivo e inadequado – incluindo durante as eleições dos Estados Unidos em 2016. 

A reportagem conta que os ataques de pânico começaram depois que Chloe viu um homem morrer. De acordo com o relato, ela passou as últimas três semanas e meia treinando, tentando se blindar contra o ataque diário de posts perturbadores: o discurso de ódio, ataques violentos, a pornografia gráfica. 

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Em um dos dias normais de trabalho, Chloe teve de moderar um post no Facebook na frente de alguns estagiários. Nenhum dos profissionais viu o vídeo que ela ia usar de exemplo, incluindo ela. O vídeo mostrava um homem sendo assassinado com uma dúzia de facadas. O papel dela era explicar que esse post deveria ser removido, de acordo com a seção 13 da comunidade do Facebook que proíbe esse tipo de conteúdo na rede social. Ela explicou para os estagiários e saiu da sala em pânico, chocada com o que viu.

“Ninguém foi ajudá-la ou ver como ela se sentia, afinal ela foi contratada para isso”, diz a reportagem. A Cognizant disponibiliza um psicólogo para os funcionários, mas apenas durante uma parte do dia. Após esse episódio, Chloe esperou por ele por quase uma hora.

Ao chegar, o psicólogo explicou que ela teve um ataque de pânico. Ele diz que, quando se formar (porque ela já está contratada, mas ainda passa por uma fase de treinamento), ela terá mais controle. “Você poderá pausar o vídeo ou assisti-lo sem áudio. Concentre-se em sua respiração. Certifique-se de que você não está muito envolvida com o que está assistindo”, sugeriu o especialista. 

A reportagem conversou com vários funcionários atuais e antigos da Cognizant em Phoenix, Arizona, nos EUA. Todos assinaram acordos de confidencialidade com a empresa nos quais se comprometeram a não discutir seu trabalho em público – ou mesmo reconhecer que o Facebook é cliente da empresa.

O sigilo serve para proteger os funcionários de usuários que possam estar zangados com uma decisão de moderação de conteúdo. Além disso, esses profissionais também trabalham para impedir que informações pessoais de usuários do Facebook vazem – após escândalos de privacidade prejudicarem a empresa no passado.  

“Mas o sigilo também isola a Cognizant e o Facebook das críticas sobre suas condições de trabalho”, afirmou um dos moderadores que não foi identificado. Eles são pressionados a não discutir o impacto emocional que o trabalho tem, até mesmo com a família, o que desenvolve sentimento de isolamento e ansiedade, segundo o site.

Coletivamente, os funcionários descreveram um local de trabalho que está à beira do caos. “É um ambiente onde os trabalhadores lidam contando piadas obscuras sobre cometer suicídio, depois fumam maconha durante os intervalos para entorpecer suas emoções. É um lugar onde os funcionários podem ser despedidos por cometer qualquer erro e aqueles que permanecem vivem com medo dos ex-colegas que retornam em busca de vingança”, revela a reportagem.

Houve relatos de pessoas fazendo sexo no local de trabalho após momentos de desespero – um fenômeno apelidado por um dos moderadores de “união traumática”. Segundo eles, a impossibilidade de falar sobre trabalho nas relações pessoais cria distanciamento dessas pessoas com o mundo real e, ao mesmo tempo, faz com que os colegas de trabalho fiquem próximos muito rapidamente.

Chloe revela que estava desesperada por um emprego quando se candidatou, como recém-formada, sem outras perspectivas imediatas. Quando ela se tornou uma moderadora em tempo integral, começou a ganhar US$ 15 por hora – US$ 4 a mais do que o salário mínimo no Arizona, onde mora, e melhor do que ela pode esperar da maioria dos empregos no varejo. Se considerarmos que ela trabalha oito horas por dia, seu salário mensal é de cerce de US$ 3.300. 

Inclusão de mais moderadores e o lado do Facebook 

Em maio de 2017, Mark Zuckerberg anunciou a expansão da equipe de “operações comunitárias” do Facebook. Os novos moderadores, entrariam para a equipe que já tinha mais de 4.500 funcionários e seriam responsáveis por revisar cada parte do conteúdo que poderia violar os padrões da comunidade da empresa.

No final de 2018, em resposta às críticas de prevalência de conteúdo violento na rede social, o Facebook tinha mais de 30 mil funcionários trabalhando na área de segurança e proteção de dados – cerca de metade dos quais eram moderadores de conteúdo.

Ellen Silver, vice-presidente de operações do Facebook, disse em um post no ano passado que através de um contrato legal, a empresa pôde “escalar globalmente” moderadores que trabalham 24 horas por dia, avaliando postagens em mais de 50 idiomas em todo o mundo.

O uso de mão-de-obra terceirizada tem benefício prático para o Facebook: é muito mais barato. O funcionário médio do Facebook ganha nos EUA US$ 20 mil por mês em salário, bônus e opções de ações. Enquanto, um moderador que trabalha para a Cognizant no Arizona, por outro lado, ganha apenas US$ 2.400 por mês em média, segundo a apuração da reportagem do The Verge.

O arranjo ajuda o Facebook a manter uma alta margem de lucro. Em seu trimestre mais recente, a empresa faturou US$ 6,9 bilhões em lucros, com receita de US$ 16,9 bilhões. E enquanto Zuckerberg alertou os investidores de que o investimento em segurança poderia reduzir a lucratividade da empresa, na verdade os lucros subiram 61% em relação ao ano anterior.

Desde 2014, quando um ex-funcionário detalhou as duras condições de trabalho dos moderadores de conteúdo na redes sociais da revista americana Wired, o Facebook tem sido sensível às críticas de que está traumatizando alguns de seus funcionários. Em seu blog, Silver disse que o Facebook avalia a “capacidade dos moderadores em potencial de lidar com imagens violentas”.

Bob Duncan, que supervisiona as operações de moderação de conteúdo da Cognizant nos EUA, diz que os recrutadores explicam cuidadosamente a natureza gráfica do trabalho para os candidatos. “Compartilhamos exemplos do tipo de coisa que você pode ver. A intenção de tudo isso é garantir que as pessoas entendam o trabalho. E se eles não sentirem que o trabalho é potencialmente inadequado para eles, podem optar por não trabalhar conosco”, afirma.

Antes, a maior parte da moderação de conteúdo do Facebook era feita fora dos Estados Unidos. Mas à medida que a demanda por mão-de-obra da empresa cresceu, houve a expansão dessas operações para a Califórnia, Arizona, Texas e Flórida.

“Os Estados Unidos são a casa da empresa e um dos países em que é mais popular do Facebook. Os moderadores americanos são mais propensos a ter o contexto cultural necessário para avaliar o conteúdo que pode envolver bullying e discurso de ódio, que muitas vezes envolvem gírias específicas do país”, explica Mark Davidson, diretor que gerencia os fornecedores globais do Facebook.

O Facebook também trabalhou para construir o que Davidson chama de “state-of-the-art facilities”: a empresa replicou um escritório do Facebook para os moderadores. “Isso foi importante porque também existe uma percepção no mercado de que nossos funcionários estão sentados em porões escuros e sujos, iluminados apenas por uma tela verde. Isso não é realmente o caso”, garante.

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Giovanna Sutto

Repórter de Finanças do InfoMoney. Escreve matérias finanças pessoais, meios de pagamentos, carreira e economia. Formada pela Cásper Líbero com pós-graduação pelo Ibmec.