Como as empresas lidam com a diversidade étnica?

No feriado da Consciência Negra, um olhar sobre os profissionais negros mostra que as companhias ainda têm muito o que evoluir

Humberto Maia Junior

(Rawpixel/Envato)

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SÃO PAULO – Pedro (nome fictício) tem 37 anos e um ocupa um cargo de alta gestão em um dos três maiores bancos privados do país. Ele é negro. Pedro evita se colocar como vítima; diz acreditar na meritocracia e conta que nunca sofreu assédio ou desrespeito explícito por conta da cor da pele. Mas diz que encontrou, como outros negros e negras, dificuldades menos vivenciadas por pessoas brancas.

Criado no Méier, zona norte do Rio de Janeiro, ele começou a trabalhar aos 16 anos entregando panfletos na rua. Era de família de classe média. Estudou inglês na adolescência e estudou numa escola particular. “Uma boa escola de subúrbio”, diz. Conciliar o curso de Engenharia de Produção, na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), com o trabalho nunca foi fácil. “Me lembro de a vista embaçar de sono durante aulas de Cálculo 3.”

A história de Pedro ilustra um obstáculo comum na ascensão profissional de pessoas negras: o racismo estrutural. Uma pessoa negra dos subúrbios e periferias encontra muito mais dificuldades para atingir postos de destaque em grandes empresas ao competir com pessoas de pele branca que frequentaram as melhores escolas e universidades e que não tiveram que trabalhar para bancar os estudos. Mais do que isso, quando pessoas brancas chegam ao mercado de trabalho, têm muito mais chances de encontrar colegas, ex-professores e “amigos do pai” – uma vantagem inicial impossível de ignorar.

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“Eu sempre notei que tive que me provar muito mais do que os outros”, diz Pedro. “Nunca tive um currículo tão bonito nem frequentei os mesmos círculos que a maioria. A falta de um networking faz a diferença. Muita gente desiste no meio do caminho.”

Diversos estudos mostram que, nas maiores empresas do país, a diversidade étnica ainda está longe de ser uma realidade. Uma pesquisa feita em 2016 pelo Instituto Ethos com 117 companhias relevou que a proporção de negros só se aproxima da realidade nacional (negros são 56% da população brasileira) nas posições de trainees e aprendizes. No quadro geral das empresas a proporção não ultrapassa os 38%.

Quanto mais alto no organograma das empresas, menor é a presença de pessoas negras, até chegar a perto de 5% no quadro executivo e conselho de administração.

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Outra pesquisa, feita em 2019 com 532 empresas pela consultoria de recrutamento e seleção Talenses, em parceria com o Insper e o Instituto de Pesquisas Qualibest, mostrou um quadro parecido: presidentes, vice-presidentes e diretores negros chegam a 5% do total. E apenas 3% dos conselheiros são pessoas de pele negra.

Nina Silva, CEO e fundadora do Movimento Black Money, diz que, na pauta de inclusão e diversidade das grandes empresas, a questão racial vem atrás da inclusão das mulheres. Segundo ela, isso ocorre por um motivo simples: falta de empatia. “Os grandes líderes e estrategistas das grandes empresas, sejam elas firmas tradicionais ou startups, são, na grande maioria, homens brancos”, diz. “E, quando falam de inclusão das mulheres, estão falando em incluir suas esposas, filhas, irmãs.”

Segundo o raciocínio de Nina, quando executivos brancos abrem oportunidade para mulheres brancas, estão agindo para beneficiar semelhantes. Dessa forma, reforçam o racismo estrutural. “Quando se fala da pauta racial, é mais difícil eles sentirem a mesma empatia e sensação de urgência.”

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“Até pouco tempo, não fazia diferença para a maioria dos investidores se as empresas investiam ou não em questões sociais e ambientais”, diz Fabio Alperowitch, co-fundador e gestor da FAMA investimentos, que administra fundos dedicados a investir em empresas ESG, sigla em inglês que simboliza um movimento em prol de melhores práticas ambientais, sociais e de governança. “Como os investidores passaram a levar isso em conta as empresas começaram a levar o assunto a mais a sério.” Recentemente, ele escreveu um artigo para o InfoMoney sobre o assunto.

A pesquisa Oldiversity, feita pelo Grupo Croma com 2.032 pessoas, mostrou que o preconceito sai caro. Pouco mais de 70% dos entrevistados dizem que não consomem produtos de marcas com comportamento preconceituoso – e 68% preferem marcas abertas à diversidade. “A diversidade influencia cada vez mais nas vendas das marcas”, diz Ferdinando Vilela, diretor de Pesquisa e Data Analytics do Croma.

Nina, do Black Money, lembra que a população negra movimenta quase R$ 2 trilhões por ano no Brasil, ou seja, é um público relevante para as empresas. “Ao ter pessoas pretas dentro das empresas, inclusive nos quadros de liderança, as marcas estão dialogando com a maioria dos brasileiros”, diz. “Até por uma questão de sobrevivência, elas estão despertando para a necessidade de inclusão.”

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Pedro, o personagem do começo da reportagem, diz que foi a valorização das suas características comportamentais que o permitiu entrar na indústria financeira. “Eu sempre soube me relacionar e tive a sorte de ter superiores que apostaram na minha força de vontade e capacidade”, diz.

Os desafios ainda são imensos. A pesquisa Oldiversity relevou que 77% dos negros dizem que as empresas têm preconceito na hora de contratar e 70% declararam ter sofrido algum tipo de preconceito no local de trabalho.

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