Como a reforma do governo Temer se compara a leis trabalhistas no mundo

Jornada flexível e contratos previamente acordados entre conselhos sindicais são alguns pontos da reforma

Paula Zogbi

(Wikimedia Commons)

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SÃO PAULO – O governo Temer prepara uma reforma nas leis trabalhistas que deve ser enviada ao Congresso até o final deste ano. De acordo com entrevistas recentes do ministro do trabalho, Ronaldo Nogueira, uma das principais mudanças será a criação de contratos de trabalhos atrelados ao número de horas trabalhadas

Nesses documentos, explicou o ministro, benefícios como férias e décimo terceiro também deverão ser flexibilizados: quanto menos horas trabalhadas, menores os pagamentos. Tudo isso tem a condição de ser previamente acordado dentro de um chamado conselho de autorregulação sindical, com a participação de representantes dos trabalhadores e de membros do governo.

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Dentro dessa flexibilização, causou polêmica na semana passada a ideia, explorada em uma fala do ministro, de um trabalhador dividir seu calendário de trabalho de forma a ter jornadas de 12 horas por dia. Isso seria possível caso os horários de trabalho diários fossem divididos de forma a somar, em uma semana, as 48 horas previstas em lei (44 normais e mais 4 horas extras).

A interpretação massiva de que isso abriria espaço para jornadas diárias de 12 horas sem compensações causou tanto furor que Nogueira recebeu uma ligação de Michel Temer para que se redimisse sobre as declarações. Mais tarde, o Ministério do Trabalho divulgou uma nota de esclarecimento.

Mesmo assim, no último sábado, viralizou um texto no Facebook em que uma brasileira compara as propostas do governo ao que se vê na França. A usuária, cujo post foi compartilhado mais de 1.400 vezes, afirma que a jornada do francês é de 7 horas por dia, ou 35 horas semanais. “Qualquer coisa que ultrapasse isso é pago como hora extra. E as horas extras podem chegar a, no máximo, uma jornada de 12 horas por dia por, no máximo, 16 semanas consecutivas”, escreve, mirando pessoas que elogiam a lei do país sem conhece-la a fundo.

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Em julho, a própria França foi usada pelo presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Braga de Andrade, como um exemplo de reformulação nas Leis Trabalhistas para “aumentar a competitividade da indústria”.

Comparamos, a seguir, as flexibilizações trabalhistas previstas em lei de alguns países. Procuramos selecionar regras que tenham algum paralelo com os novos tipos de contrato propostos pela administração de Temer, ou que já tenham sido citadas em discussões públicas a respeito. Vale destacar que o formato das mudanças da forma proposta pelo governo não é aplicado em nenhum dos países abaixo. 

França

De fato, a legislação trabalhista francesa tem como padrão a jornada de 35 horas semanais. Em março, foi entregue à Assembleia Nacional um Projeto de Lei que estipula que, em casos específicos e após negociação com o sindicato, o trabalho extra pode chegar a uma soma de até 60 horas semanais – 12 horas diárias por 5 dias da semana – desde que essa medida não ultrapasse doze semanas consecutivas.

O texto do Projeto de Lei diz o seguinte: “o tempo de trabalho semanal calculado ao longo de um período de doze semanas consecutivas não pode ser superior a quarenta e quatro horas”, exceto “em casos de circunstâncias excepcionais” que “podem ser autorizados pela administração pública”

Para adotar essas medidas extremas, o empregador deverá alegar eventos de extrema necessidade – como um desastre natural que obrigue a empresa a consertar partes de uma fábrica, por exemplo. Mesmo assim, a autoridade trabalhista deverá autorizar previamente a mudança de jornada temporária e “o número de horas extraordinárias trabalhadas além do limite máximo não deve exceder sessenta horas em um período de doze meses consecutivos”.

Caso haja um acordo trabalhista coletivo, a legislação ainda estabelece que a taxa paga por horas suplementares além das 35h previstas em lei não pode ser inferior a 10%. Mesmo nestes casos, a lei francesa não permite que a média de horas trabalhadas em 12 semanas ultrapasse 46 horas semanais.

Sobre benefícios, a autoridade governamental também estabelece valores mínimos aos recebíveis, que não podem ser modificados em acordos. Dias de férias que não forem aproveitados devem ser pagos em dinheiro.

Inglaterra

Março deste ano marcou a primeira vez que o número de “Contratos Zero Horas” cresceu mais de 100.000 em 12 meses. Ao assinar esse tipo de contratação, um empregador pode convocar um funcionário para trabalhar somente durante o tempo que necessitar, mas não pode impedir que seu funcionário procure outros empregos nos mesmos moldes. O contratado não tem a obrigação de aceitar a oferta, pela lei mais recente.

Mesmo este tipo de contrato está atualmente atrelado ao pagamento de um salário mínimo, inclusive durante os períodos que o empregador não necessitar da mão de obra.

Também é obrigatória a concessão de 5,6 semanas anuais remuneradas de folga, dentro das quais o empregador pode incluir feriados bancários. No caso de um contrato de 3 dias semanais, por exemplo, o cálculo dessa folga é a multiplicação desses 3 dias por 5,6, o que significa 16,8 dias de folga anualmente. Em contratos comuns, de 5 dias úteis na semana, a conta fecha em 28 dias.

A legislação do país também prevê contratos diferentes para Freelancers, Consultores e profissionais independentes. Neste caso, supõe-se que os contratados são trabalhadores autônomos ou que possuem vínculos trabalhistas com outras empresas. Não há obrigação de pagar o salário mínimo, mas o empregador “ainda é responsável pela saúde e segurança” do contratado.

Outros contratos previstos são: com duração pré-estabelecida, onde o contratado deve apenas cumprir uma tarefa específica e tem os mesmos direitos da equipe permanente; e o contratado via agência, dentro do qual empresa onde a pessoa está trabalhando paga à agência em questão todas as contribuições fiscais.

Estados Unidos

O Fair Labor Standards Act (FLSA), legislação que rege as relações trabalhistas nos Estados Unidos, não prevê férias a nenhum trabalhador. O país é visto como o único dentre os desenvolvidos que não trata o período de descanso como direito, cabendo assim à empresa conceder ou não o benefício.

Estudos mostram que o padrão entre as empresas é conceder entre 5 e 15 dias de descanso, mas uma pesquisa da Economic and Policy Research demonstrou recentemente que 25% trabalhadores da iniciativa privada não recebem nenhum dia de férias remuneradas.

No país, qualquer período trabalhado além de 40 horas semanais deve ser remunerado e as horas extras devem representar, no máximo, 1,5x este período – ou seja, 60 horas. Também há disposições sobre o salário mínimo e o trabalho infantil acima de 12 anos e com consentimento dos pais.

China

A China possui uma legislação trabalhista desde 1995 e uma legislação de contrato trabalhista desde 2012 para regulamentar as relações de trabalho. Até 4 anos atrás, não era necessário um contrato por escrito para firmar vínculos deste tipo no país. Agora, todavia, uma empresa que não cumpra esse requisito desde o início deve pagar salário dobrado ao contratado por cada mês que de serviço sem um contrato.

Dentro dos contratos, há a opção de trabalho fixo ou com prazo de término pré-estipulado. O primeiro caso costuma ser adotado quando o trabalhador está na mesma empresa há pelo menos dez anos ou quando expira o segundo contrato de prazo pré-estabelecido (neste caso, o contrato fixo é obrigatório).

Isso acontece porque a legislação chinesa dificulta ao máximo a demissão de um trabalhador sem justa causa, a não ser que o mesmo seja extremamente contraproducente. Também por essa dificuldade, os contratos devem ter períodos de experimentação, durante os quais o trabalhador deve comprovar sua aptidão para o serviço ou será dispensado sem aviso prévio. A duração do período de experimentação varia de acordo com a duração do contrato.

Com limite de 8 horas diárias e 44 horas semanais na média, a legislação chinesa só permite uma hora extra por dia em condições normais e até 3 horas diárias em condições especiais. Isso só é permitido depois de consulta com a União e com os próprios trabalhadores e é necessário manter a saúde do empregado em segurança.

As férias são curtas e os direitos variam. Pessoas que trabalham há menos de 10 anos na companhia têm direito a 5 dias de descanso; entre 10 e 20 anos a requisição sobe para 10 dias, e para mais de 20 anos de trabalho são 15 dias no mínimo.

A China também prevê em lei a jornada de meio período, com limite de 4 horas diárias e 24 horas semanais. Neste caso, não há necessidade de contrato por escrito e o trabalhador pode ser demitido a qualquer momento sem nenhum pagamento adicional.

Argentina

Para falar em uma realidade geograficamente mais próxima, a Argentina também tem limite diário de 8 horas e semanal de 48 horas na jornada, com exceções por horários, idade, região e indústria. Diretores e gerentes, por exemplo, podem trabalhar mais que o limite pré-estabelecido.

Outra exceção listada na legislação dá conta que, em equipes de trabalho, algumas pessoas podem trabalhar mais que as 8h por dia e 48h semanais “desde que o tempo médio das horas de trabalho sobre um período de pelo menos três semanas não exceda de oito horas por dia ou de quarenta e oito horas semanais”. Assim como na legislação francesa, casos de força maior ou desastre natural também permitem exceder o tempo de trabalho por período limitado – desde que comunicado às autoridades.

Em outro parágrafo, firma-se que o Poder Executivo argentino tem a possibilidade de fixar “exceções permanentes ou temporárias” por indústria, comércio, ofício e região. “Para estabelecer tais autorizações se levará em conta o grau de desemprego existente”, lê-se.

Já a remuneração pode ser determinada tanto de acordo com o tempo trabalhado como atrelada a resultados: comissão individual ou coletiva, prêmios, participação em receita, entre outros. Segundo a lei, é possível que até 20% da remuneração seja paga em “espécie, habitação ou alimentação”. Em nenhum caso o pagamento total pode ser inferior ao salário mínimo, e há pisos salariais negociados por categorias.

As férias são medidas conforme o tempo trabalhado. O período vai de 14 dias corridos para aqueles que trabalham há menos de 5 anos até 35 dias corridos aos que trabalham há mais de 35 anos. As férias completas são garantidas àqueles que trabalharam mais da metade do ano. Caso não seja cumprido esse requisito, faz-se o cálculo de 1 dia de descanso a cada 20 trabalhado.

Paula Zogbi

Analista de conteúdo da Rico Investimentos, ex-editora de finanças do InfoMoney