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Turbulências ainda não acabaram para as distribuidoras de insumos agrícolas

Algumas das principais empresas do setor, ouvidas pelo IM Business, esperam que o cenário se normalize apenas no ano que vem

Fernando Lopes

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O pior já passou para as distribuidoras de insumos que atuam no país, mas os reflexos das turbulências que começaram no início da pandemia, em 2020, e se aprofundaram com a invasão russa na Ucrânia, em fevereiro de 2022, ainda ecoam nos balanços. O cenário tende a se normalizar apenas no ano que vem. É o que esperam executivos de algumas das principais empresas do segmento ouvidos pelo IM Business. Eles preveem até lá maior equilíbrio de estoques, aumento das vendas e recomposição de margens e esperam que o recente recrudescimento da guerra não resulte em novo descarrilamento no ramo de fertilizantes.

“Este é um ano de ajustes. Na pandemia, os preços de ingredientes ativos de defensivos que o Brasil importa subiram com a paralisação de fábricas na China e depois os fertilizantes mais que dobraram com a invasão russa, elevando os custos agrícolas na safra 2022/23. No segundo semestre do ano passado, as cotações de grãos [como soja e milho] começaram a cair, bem como a dos insumos, e toda essa situação acabou resultando no crescimento do inventário de agroquímicos, a custos exorbitantes. Cerca de 30% do volume ficou parado”, afirma Welles Pascoal, CEO da AgroGalaxy, uma das líderes nesse mercado, com participação de aproximadamente 6%.

Para Welles Pascoal, CEO da AgroGalaxy, este é um ano de ajustes. (Foto: Divulgação)

Com essa conjunção, no primeiro trimestre do ano a receita líquida da companhia com insumos caiu 6,8% ante o mesmo período de 2022, para R$ 1,6 bilhão, e a receita líquida total teve redução de 11,4%, para R$ 2,8 bilhões. Como também faz originação de grãos, a empresa sofreu duplamente com a queda de preços, que influenciou a capacidade de compra de insumos de seus clientes e a sua própria comercialização de grãos. O lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda) ajustado diminuiu 55% na comparação, para R$ 58,6 milhões. Houve prejuízo líquido de R$ 97 milhões e a carteira de pedidos em 31 de março somava R$ 2 bilhões, 41% menos que um ano antes.

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Pascoal adiantou, em entrevista no dia 14 de julho, que o balanço do segundo trimestre, que será divulgado no dia 3 de agosto, ainda refletirá uma realidade difícil. Mas, no mês passado, a AgroGalaxy concluiu o processo de renegociação com fornecedores e o seu caixa agora está “saudável”. Essa condição tem facilitado as conversas com produtores rurais inadimplentes, que cresceram em número na temporada 2022/23. “A hora é de cuidar da organização. Nosso plano anual tem que ser entregue, mas sem agressividade”, disse o CEO da empresa, controlada pela gestora Aqua Capital.

Em relatório recente assinado pelos analistas Leonardo Alencar e Pedro Fonseca, a XP Research estimou para a AgroGalaxy resultados fracos no segundo trimestre, graças à queda dos preços de fertilizantes e defensivos e ao baixo nível de comercialização, por parte dos produtores, dos grãos da safra 2022/23 no período – a empresa também atua nas áreas de originação, produção de sementes, armazenagem e prestação de serviços.

Boa parte dos esforços para devolver a companhia à estrada que a transformou em uma das principais consolidadoras do segmento nos últimos anos, agora está a cargo de Eron Martins (ex-Lavoro Agro, Adama, Agrex e Grupo Saint-Global). Ele acaba de assumir o cargo de CFO no lugar de Mauricio Puliti, que renunciou e assumiu uma cadeira no conselho de administração. Em maio, a empresa concluiu a emissão de um Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA) no valor de R$ 150 milhões, voltado a financiar seus clientes, o que pode ajudá-la a arredondar os negócios.

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Embora descarte novas compras de redes nos próximos meses, Pascoal reitera que o plano é abrir entre 11 e 16 novas lojas até o fim do ano, ampliando uma cadeia que, no fim de março, contava com 167 unidades no país. Uma vez superado o período definido pelo executivo como “ônibus em estrada de terra”, a perspectiva é retomar as aquisições. “O ano que vem ainda será difícil, mas há boas companhias no segmento”, afirmou.

Mesmo com o acelerado processo de consolidação do mercado brasileiro de revendas de insumos nos últimos anos, liderado por companhias como AgroGalaxy, Lavoro Agro, Belagrícola, Agro Amazônia, Nutrien e Syngenta, entre outras, ainda há cerca de 7,2 mil empresas no segmento, segundo dados da Associação Nacional dos Distribuidores de Insumos Agrícolas e Veterinários (Andav). Como a pulverização continua elevada, especialistas afirmam que a tendência é que o movimento de aquisições volte a ganhar força à medida que o cenário se normalizar.

“Da mesma forma que indicamos a consolidação como uma tendência, também é possível afirmar que há mercado para todos (…) projetamos que aproximadamente 900 lojas de distribuição de insumos serão abertas nos próximos três anos, apenas entre o nosso grupo de associados”, afirmou Paulo Tiburcio, presidente da Andav, que representa mais de 2,7 mil empresas.

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LAVORO

Com ações listadas na Nasdaq, nos Estados Unidos, 215 distribuidoras no Brasil e na Colômbia no fim de 2022, além de presença no Uruguai, a Lavoro Agro, controlada pelo Pátria Investimentos, também viu os resultados piorarem entre janeiro e março, o terceiro trimestre de seu atual exercício. Mas acredita que há bons fundamentos que tornam o cenário ainda positivo para o segmento, no qual tornou-se um peso pesado também graças a uma série de aquisições nos últimos anos.

De janeiro a março, as vendas consolidadas da companhia caíram 2,6% em relação ao mesmo período do exercício passado, para US$ 486 milhões – US$ 426,5 milhões no “cluster” Brasil, queda de 1,3% . O Ebitda ajustado recuou 43,5%, para US$ 25,2 milhões, e o resultado líquido ajustado foi negativo em US$ 7,3 milhões, ante lucro líquido de US$ 15,1 milhões um ano antes.

“Estamos em um momento de transição. Tivemos três ou quatro anos de commodities agrícolas em alta, e agora vivemos um ciclo de preços mais baixos, embora ainda historicamente elevados e rentáveis para o produtor. Junto com isso, vivemos complicações pontuais de curto prazo, que tiveram como consequência o atraso das vendas de soja e milho na safra 2022/23 por parte dos agricultores e também o atraso nas compras de insumos para a safra 2023/24. Mas não haverá redução de área plantada e o volume de vendas de insumos vai crescer”, afirmou Ruy Cunha, CEO da Lavoro.

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No Brasil e no mundo, lembrou, os canais de vendas vêm de um elevado nível de estoques, formados sob o receio de que houvesse falta de produtos, principalmente fertilizantes. A escassez de fertilizantes não aconteceu no país, daí por que os novos ataques da Rússia na Ucrânia preocupam menos o segmento – a Rússia é um dos principais países exportadores de fertilizantes ao Brasil, que é um dos maiores importadores do mundo.

Cunha observa, ainda, que as produtividades das lavouras brasileiras de grãos foram boas em 2022/23 e que, se o El Niño permitir, o ciclo 2023/24 também ajudará os produtores a pagarem suas contas e a investir. No que tange à Lavoro, que desde maio tem como CFO Julian Garrido Del Val Neto (ex-Alpargatas e SKY), a captação bruta de US$ 134 milhões com a abertura de capital na Nasdaq, em março, fortaleceu o caixa e ajudou em mais uma aquisição (Cromo Química, em junho). Outro reforço de caixa veio da entrada da companhia americana de propósito específico TPB Acquisition Corporation em seu capital.

“Nosso modelo de negócios é diferenciado e vamos continuar crescendo”, disse Cunha, lembrando que as vendas da divisão de produtos biológicos do grupo, a Crop Care, continuam dobrando ano após ano. No momento, ainda, há uma nova aquisição da Lavoro em análise no Conselho de Administração de Defesa Econômica (Cade): trata-se do controle da gaúcha Referência Agroinsumos, que conta com nove pontos de distribuição no Rio Grande do Sul.

Alberto Araújo, presidente da Belagrícola, acredita que o mercado voltará ao normal no ano que vem, desde que o clima não seja um problema para a próxima safra de grãos. (Foto: Divulgação)

BELAGRÍCOLA

Alberto Araújo, presidente da Belagrícola, controlada pela chinesa Pengdu, está no time dos que acreditam que o mercado voltará ao normal apenas no ano que vem, desde que o clima não seja um problema para a próxima safra de grãos. A empresa, que conta com 56 revendas de insumos no Paraná, em Santa Catarina e em São Paulo, ainda teve que vender, no primeiro semestre, produtos comprados a preços mais elevados no ano passado, mas os novos negócios já estão sendo fechados com produtores a valores mais baixos.

“A volatilidade no mercado de grãos ainda está muito acentuada, o que afeta tanto o ritmo de comercialização dos produtores quanto as vendas de insumos para a safra 2023/24”, disse Araújo. Nesse mercado, as operações de barter (troca de insumos por colheitas futuras) têm grande peso e a instabilidade, que nas últimas semanas refletiu problemas climáticos nos Estados Unidos, atrapalha o fechamento desse tipo de operação.

Mesmo assim, a Belagrícola prevê repetir em 2023 a receita líquida que registrou em 2022 (R$ 8,1 bilhões, 25% provenientes das vendas de insumos). A companhia tem nas operações de grãos a parte mais importante de seu faturamento – a originação deverá atingir 3,1 milhões de toneladas este ano –, e também conta com uma marca própria de sementes, a Bela Sementes.

Araújo realça que as turbulências geraram um aumento de inadimplência nas vendas aos produtores rurais, mas que esse aumento foi pequeno e as perspectivas são de normalização. Quando as águas estão calmas, os pagamentos vencidos a mais de 90 dias costumam representar pouco menos de 0,4% das vendas, e esse índice bateu em 1,1% este ano. Na safra 2016/17, quando o clima foi vilâo, o percentual superou 5%. Em boa medida, lembra o executivo, isso não aconteceu agora porque os produtores vinham de pelo menos três safras de boas margens de lucro.

Fernando Lopes

Cobriu o setor de energia e foi editor do semanário Gazeta Mercantil Latino-Americana até 2000. Foi editor de Agro no Valor Econômico até fevereiro de 2023