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Recuperações judiciais e litígio entre credor e devedor avançam a nível recorde em 2023

Temporada foi marcada pelo endividamento elevado das varejistas, como a Americanas, que descobriu uma fraude contábil em seus balanços

Felipe Mendes

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O ano de 2023 vai ficar marcado pelo aumento expressivo dos casos de recuperação judicial no Brasil. De janeiro a outubro, esse volume avançou 61,8%, com 1.128 processos requeridos, segundo levantamento da Serasa Experian – a previsão da entidade é que a temporada se encerre com mais de 1.400 processos, um recorde desde o início da série. Houve ainda 38 recuperações extrajudiciais homologadas e 896 falências requeridas no mesmo período.

Especialistas ouvidos pelo IM Business apontam a elevada taxa básica de juros e o aumento da inadimplência como dois dos principais fatores para esse movimento. Além disso, pode-se dizer que a nova Lei de Falências, homologada no fim de 2020, trouxe maior proteção às recuperandas, que passaram a ver a recuperação judicial como um caminho natural no processo de reestruturação. 

Embora o movimento ascendente nas RJs neste ano fosse algo até previsível para os especialistas – como um “efeito rebote” dos incentivos fiscais oferecidos pelo governo durante a pandemia -, algumas empresas acabaram “puxando a fila”, prejudicando, inclusive, alguns de seus credores.

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Foi o caso da Americanas, com cerca de R$ 50 bilhões em dívidas descobertas após uma fraude contábil ser deflagrada pelo ex-CEO da varejista, Sergio Rial, e 9,4 mil credores. Outras gigantes como a Light, com dívidas estimadas em R$ 11 bilhões, o Grupo Petrópolis, com endividamento estimado em R$ 5,6 bilhões, e reincidente Oi, que ingressou com uma segunda recuperação judicial (com um passivo de mais de R$ 43 bilhões) logo após ver seu primeiro processo encerrado, também fazem parte da lista.

Na esteira do “caso Americanas”, o comércio varejista é o mais atingido pelo instrumento de reorganização neste ano. Segundo a Serasa, o setor viu os pedidos avançarem 86,5% nos primeiros nove meses de 2023 frente a igual período do ano anterior. “A gente sabe que o varejo é um setor problemático no Brasil há décadas. É um setor que sofre muito com as taxas de juros e com o avanço do desemprego, porque isso dilui o poder de compra do consumidor. Como as margens delas são ajustadas, a despesa financeira acaba corroendo os ganhos operacionais que elas poderiam ter”, afirma Luiz Rabi, economista-chefe da Serasa Experian. 

Ainda que o Banco Central tenha optado por diminuir a taxa de juros ao patamar de 11,75% ao ano e os níveis de desemprego e inflação estejam controlados, a previsão é que o instrumento de reestruturação ainda seja bastante utilizado pelas empresas em 2024. “A recuperação judicial reflete mais uma realidade passada do que presente. A gente só vai começar a ver a inadimplência cair daqui a seis meses. Com isso, o número de RJs não deve diminuir em um ano”, complementa Rabi. “A recuperação judicial é como se fosse o último vagão de um trem. É o último a sair e o último que vai parar.” 

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A sócia de reestruturação judicial da consultoria KPMG, Osana Mendonça, corrobora essa tese e destaca que algumas empresas se endividaram com o intuito de se prepararem para a “retomada” após a pandemia de Covid-19. “Algumas empresas acreditaram que haveria   um grande volume de consumo de passagens aéreas e hotéis pós-pandemia, não se estruturaram bem, e acabaram indo pelo caminho da recuperação e da falência”, diz ela, em alusão a companhias como 123 Milhas e Hurb (ex-Hotel Urbano). 

Para a executiva da KPMG, a dificuldade de lidar com o aumento dos custos em um período pós-Covid-19 também tem levado empresas a solicitarem uma segunda recuperação judicial, fenômeno visto no caso da Oi, que teve seu primeiro processo encerrado em dezembro de 2022 – o primeiro pedido foi feito pela companhia de telecomunicações em 2016, quando apresentou um passivo de R$ 65 bilhões, na maior recuperação judicial da história do país naquele momento. “Isso também demonstra uma mudança cultural. Os empresários estão compreendendo que a recuperação judicial não é o fim da vida, não é uma UTI para a empresa, mas sim uma ferramenta de reestruturação e reorganização”, afirma Mendonça. 

Há casos, no entanto, malsucedidos, como o da construtora Coesa, subsidiária da Metha (ex-OAS), que tentou uma segunda recuperação judicial este ano, mas viu um recurso da Gerdau levá-la à falência. 

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Instituída no fim de 2020, a nova lei que rege as recuperações judiciais e falências no Brasil facilitou o acesso das empresas a investimentos por meio do DIP Financing, um empréstimo extraconcursal, e trouxe mais robustez para os processos de vendas das chamadas unidades produtivas isoladas, ou UPIs. “Existe um mercado muito promissor de se fazer fusão e aquisição com empresas em recuperação judicial, com um ativo estressado. Em um passado recente, isso era mais modesto. Hoje, a gente vê operações mais elaboradas e disputas mais acirradas pelos ativos”, complementa Mendonça.  

Mas Renata Oliveira, sócia da área de reestruturação e insolvência do escritório Machado Meyer Advogados, destaca algo preocupante na nova legislação: o aumento nos pedidos de tutela cautelar antecedente à recuperação judicial. Um exemplo disso veio da Americanas, que, em janeiro, antes de entrar com o pedido de recuperação, entrou na Justiça com o pedido de tutela para proteger seu caixa e evitar “iminente dano irreparável” com eventuais cobranças de credores. A medida desencadeou em uma situação litigiosa da varejista com diversos bancos. “A gente está começando o processo de recuperação judicial no qual, em vez de a empresa sentar para negociar o plano com os credores, começa uma briga por conta dessas cautelares. E isso traz um contencioso intenso, brigas entre credores e devedores antes de se pensar em como a empresa irá pagar sua dívida. Isso me preocupa”, aponta a especialista.

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