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O lado ‘bom’ das tarifas de Trump e da chegada das chinesas para o varejo brasileiro

Para o cofundador da plataforma de software de comércio eletrônico VTEX, há um lado bastante positivo da chegada das gigantes chinesas para o varejo brasileiro

Mariana Amaro

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Mudanças globais estão impactando o varejo brasileiro. Recentemente, as empresas nacionais passaram por dois grandes momentos: 1) o desembarque de gigantes internacionais, em especial, as chinesas; e 2) as tarifas americanas que chacoalharam o cenário internacional.

Para Mariano Gomide, cofundador e coCEO da VTEX, plataforma de software de comércio eletrônico, ambas situações tiveram um impacto positivo no varejo brasileiro. Em conversa exclusiva ao InfoMoney Entrevista, Gomide falou sobre este e outros temas. Confira a entrevista na íntegra no canal do Youtube do InfoMoney e leia, abaixo, trechos editados desta entrevista.

InfoMoney: O Brasil, assim como vários países do mundo, foi afetado pelas tarifas impostas pelo governo americano mais recentes. Ainda que não de maneira direta, a VTEX sentiu esse impacto por meio dos clientes? Quais são os efeitos dessas tarifas para o varejo brasileiro?

Mariano Gomide: Existem dois efeitos principais. O principal efeito, na minha visão, é o que eu estou chamando de ‘efeito halt’ [pausa]. Na incerteza, as pessoas e empresas deixam de lançar produtos, deixam de investir em marketing. Até as grandes marcas – uma Samsung, uma Oppo, uma TCL, uma Electrolux – tomaram a decisão de esperar um pouquinho para fazer lançamentos, simplesmente porque não sabiam com que preço esse produto ia entrar. E esse atraso, na prática, é uma perda da janela. O lançamento de produtos para essas empresas é muito importante. E o varejo sofre nesse sentido. 

No outro lado, que é a importação e a exportação do Brasil para os Estados Unidos, os nossos clientes sofreram muito pouco. Porque o cross border para as operações latino-americanas, para os Estados Unidos são muito pequenos. É insignificante. Na prática, os volumes se dão nos mercados locais. 

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IM: Mas alguns dos seus clientes nos Estados Unidos sofreram e continuam sofrendo? 

MG: Alguns, sim. Porque estes, sim, pagam a conta de importar bens de todo mundo a um nível de tarifa muito maior. Então, o juros nos Estados Unidos era 0,25% e foi para 4,5%. E isso traz um um peso de dívida dentro do varejo americano muito maior que existia antes, considerando que a média do varejo americano de lucratividade – tirando Walmart e Amazon – é em torno de 5% ou 6% das empresas abertas. É muito pouca margem para um aumento de custo de capital que, na prática, era 1% ou 2% e, agora, está em torno de 7% ou 8%. 

Com isso, as empresas americanas estão sofrendo e vão sofrer. E entra junto disso uma inflação de tarifa, que é somente no primeiro momento, mas, ainda assim, assusta a população e o supermercado. A carne bovina chegou nos Estados Unidos a preços que nunca tinha batido antes. É um momento muito delicado, de assentar, de se ajustar.

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Eu não acredito que as tarifas sejam um dano permanente. O mundo vai se assentar. Por exemplo, presidente Trump colocou tarifas sobre a soja brasileira. A China comprou o excesso que ia aos Estados Unidos e a soja brasileira não sofreu. Com isso, os  fazendeiros americanos que vendiam para a China estão sofrendo, o que causa uma inversão de valores do que se pretendia com as tarifas. 

É um momento de volatilidade e não vai passar rápido. Ainda vem mais uns seis meses até um ano de muita conversa sobre essas tarifas, mas, no final das contas, acho que o mundo se assenta num nível super sustentável de tarifa e que não afeta as operações locais de cada uma das marcas, de cada um dos varejos. 

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IM: Com a ideia de ser uma empresa global, como a empresa está se posicionando com as mudanças políticas que estão acontecendo no mundo?

MG: O mundo está caminhando para um tribalismo e um isolacionismo dos países. Minha geração viveu uma busca da globalização quase utópica, de se querer a globalização pelo bem da sociedade. Agora, vemos, na prática, o mundo indo para um lado inverso. Com o tribalismo imperando: os países preferem fazer acordos bilaterais a negociar em blocos. Isso é perigoso. 

Essa instabilidade política no mundo é perigosa, mas talvez não seja evitável. Então, já que não é evitável, a classe empresarial e os executivos devem extrair o que tem de melhor, que é preparar as empresas para a turbulência. 

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Períodos de turbulência vem. O ‘não normal’ foram os últimos 20 anos que vivemos de ‘não turbulência’. Não é desejável, mas é normal que guerras ocorram. A história prova isso. O que a gente sempre fez na VTEX é: executa a empresa como se na crise estivesse para que quando a crise venha você saiba navegar. 

Os números da VTEX apresentam isso: as melhoras de margem, tanto bruta quanto líquida, apresentam isso. E o fato da gente ter reagido à frente dos nossos competidores, de fato, apresenta VTEX como uma alternativa mais bem posicionada ao mercado do que estávamos há dois anos atrás. 

Mariano Gomide, cofundador e coCEO da VTEX, empresa de software de comércio eletrônico (Foto: InfoMoney)

IM: Você falou um pouco sobre a China e queria trazer o ponto da chegada das gigantes asiáticas que impactaram bastante o mercado nacional, como Temu, Shopee e Shein. Como que as empresas brasileiras precisam se preparar para navegar nesse novo cenário e que que impacto que você viu estando dentro da VTEX?

MG: A forma como você se prepara para isso é diluindo o risco. Em vez de esperar que outros que estejam mais capitalizados ou mais preparados ou com estruturas de custos melhores do que a sua entrem na sua área, você tem que se preparar em estrutura de custo, em estrutura de capital para entrar na área dos outros. O mundo do trade é global. Aberrações existem onde marcas são vivem e sobrevivem localmente, mas o mundo do trade é global. 

O varejo brasileiro estava preparado a uma entrada de Shein, Shopee e Temu? Não. Mas, agora, Magazine Luiza e Casas Bahia são empresas muito melhores em termos de operação do que eram antes, porque estavam adormecidas na necessidade de se modernizar.

Nesse sentido, é muito boa a entrada dessas outras empresas, porque, assim, o Brasil se tornou um país livre de fato, onde empresas de fora podem entrar e competir de igual para igual. Isso é maravilhoso, porque as empresas daqui, ao competir de igual para igual, criam talentos e carga nas costas que permite que você brigue lá fora. 

O Brasil é muito pequeno para as empresas brasileiras. Hoje, o jato privado mais vendido nos Estados Unidos é da Embraer. A Weg está presente em não sei quantos locais no mundo. A VTEX está em 43 países. Quantas mais?

Não devemos  ver a competição estrangeira como algo que não deveríamos ter. Isso me parece aquela coisa de uma mãe ou pai criando um superproteção no filho que não o deixa viver e, no fundo, quando o filho sair de casa, vai sofrer um baque danado. Eu sou a favor de abrir o mercado para que essas empresas entrem e forcem as empresas do Brasil a saírem também. Mas há outro lado.

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IM: Pode explicar?

MG: O outro lado da moeda é das marcas que entram construindo canais. Ou compram com custo de capital muito menor do que o custo capital brasileiro ou o custo de capital americano. E aí eu me pergunto, por que que também as empresas brasileiras não entram na China e exportam através da China pelos mesmos canais? São paradigmas operacionais que a gente tem aqui no Brasil e que tem que cair.

Vamos lembrar que não entraram apenas novos canais no Brasil. Você vê empresas como Oppo, TCL, Midea, empresas que têm na sua origem a a manufatura asiática, o custo de capital asiático e a forma de trabalhar asiática. Essas empresas serão as maiores empresas de marca nessas categorias no mundo, porque operam numa eficiência diferenciada do que as empresas do mundo ocidental. Dá para competir em termos de manufatura? Algumas sim, algumas não. Então, a gente vai escolher as manufaturas que o Brasil vai poder competir. Por exemplo, calçados. O Brasil é altamente competitivo em calçados e a gente deveria exportar calçados para o mundo inteiro. 

Tem um caso muito legal de uma marca de dois brasileiros, incrível, que está fazendo um sucesso danado e que ninguém sabe que é do Brasil, a Larroudé. Exportam 98% do Brasil para fora e estão conquistando Estados Unidos.

Mais e mais empresas daqui tem que aproveitar o fato de outros virem para cá para a gente também ir lá para fora. E o varejo não perde muito com essa diversidade de marcas. Quanto mais marca tiver, mais acesso à mercadoria, a um custo bom, o consumidor brasileiro vai ter. O varejo e as empresas do setor ganham com essa diversidade de marcas. 

O mundo macro muda muito rápido. O que não muda é a capacidade operacional de uma empresa. Nesse sentido, falta um dever de casa dos empresários e executivos em eficiência, para que as empresas possam escolher sobre o futuro delas.

Mariana Amaro

Jornalista com experiência na cobertura de negócios e empreendedorismo. Apresenta o podcast Do Zero ao Topo