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Como a Atento evitou a Recuperação Judicial

Após hedge malsucedido, companhia reestrutura passivo com credores trocando a dívida por equity

Lucinda Pinto

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A Atento, empresa de customer service – mais conhecida no Brasil pelos seus call centers –, encerrou no fim de 2023 um duro capítulo de sua história: a reestruturação de um passivo de cerca de US$ 760 milhões, parte dela emitida no mercado internacional de dívida. Esse processo veio para resolver os efeitos negativos de um hedge cambial malsucedido, que impactaram a capacidade de pagamento da companhia, sua receita e, por pouco, a colocaram no caminho da Recuperação Judicial.

Mas o desfecho das negociações, que duraram alguns meses e culminaram em um acordo assinado no dia 27 de novembro de 2023, foi outro. Os credores, detentores de um montante de US$ 500 milhões em bonds, aceitaram trocar essa dívida por equities. Ou seja, de bondholders, passaram a ser acionistas. E, de posse das ações, concordaram em injetar mais US$ 113 milhões na empresa.

A operação tirou um peso enorme do balanço da empresa: a alavancagem saiu de um nível de cerca de 8 vezes dívida/Ebitda para um patamar de 0,8 vez. E abre agora espaço para que a companhia se volte com mais força para a transformação tecnológica que vem implementando nos últimos anos, necessária diante da nova realidade desse mercado.  “A gente sempre foi uma empresa operacionalmente super sadia. Essa reestruturação veio tirar um problema importante sobre o balanço, que estava altamente ruim”, explica o CEO da Atento, Dimitrius Oliveira.

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Dimitrius Oliveira, CEO da Atento (Divulgação)

A história da companhia ganhou contornos preocupantes em 2021, quando a antiga gestão da empresa, que tem operações no Brasil, Estados Unidos e Europa, decidiu fazer uma operação de proteção cambial de uma dívida emitida no mercado internacional de crédito privado. Trata-se de um bond, lançado em 2013 pela Atento S/A, com sede em Luxemburgo, no valor de US$ 500 milhões. O papel, emitido logo depois que o fundo Bain Capital comprou a Atento da Telefónica, em 2013, tinha vencimento em 2026, e juro de 8% ao ano.

Durante muitos anos, a proteção cambial era feita apenas para cobrir o serviço da dívida – pago duas vezes por ano, nos meses de fevereiro e agosto. Mas, no meio da pandemia, quando os juros globais caíram e o dólar passou a mostrar mais volatilidade, a companhia decidiu fazer um hedge também do principal da dívida, por meio de um contrato de swap indexado ao CDI +3,5%. À época, a Selic estava em 2,50%. E foi aí que a disparada da taxa, que atingiu 13,75% ao ano, tornou o juro pago na operação de hedge ainda mais alto do que o da própria dívida, e obrigou a empresa a partir para a reestruturação.

Durante o ano de 2022, a Atento arcou, mesmo com dificuldades esse custo elevado. E viu a situação se apertar em fevereiro de 2023, data do pagamento dos juros aos bondholders. “Pagamos os US$ 20 milhões com geração de caixa operacional, mas a gente não tinha mais caixa para pagar os US$ 32 milhões, relativos ao swap”, lembra o executivo.

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Diante disso, a empresa organizou um fundraising junto aos bondholders, que colocaram US$ 39,6 milhões – usados para honrar o custo do swap. Nesse momento, preocupados com o vencimento da parcela seguinte, em agosto do ano passado, os acionistas optaram pela reestruturação do balanço, negociação concluída no dia 27 de novembro – data da homologação do acordo pela corte inglesa.

Quando a renegociação começou, em fevereiro de 2023, os bonds da Atento já estavam sendo negociados com um grande desconto, expressando uma probabilidade de mais de 25% de default, segundo informações da Bloomberg, assim como as agências de rating classificavam os papéis na  no território ‘junk’.

Nesse momento, o endividamento total da Atento somava US$ 760 milhões – US$ 500 milhões em bonds, US$ 120 milhões do custo do hedge, US$ 43 milhões de um empréstimo junto ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o restante junto a bancos comerciais em diferentes praças. Desse total, US$ 663 milhões foram convertidos em equities. Os US$ 90 milhões restantes se referem ao fundraising, de US$ 40 milhões, e a linhas de crédito bancário, que não foram incluídas na negociação.

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No processo de reestruturação, os acionistas que compraram a posição da Bain Capital na Atento em 2020 – HPS, GIC, Farallon e KYNA – foram  todos diluídos.  Na  nova configuração, os fundos Aquiline, Mundi e Kite Lake, antes boldholders, passaram a deter 75% da companhia. Os novos acionistas injetaram US$ 113 milhões na empresa, sendo que grande parte dos recursos foi destinada aos custos do processo – advogados, advisors etc.

“Esses credores enxergaram uma empresa operacionalmente saudável e com um potencial enorme. E viram que a empresa estava operando com um valuation ridículo, ou seja, fizeram a conta de um grande upside”, diz Oliveira. No auge da crise, a Atento chegou a ser negociada a um valuation de US$ 15 milhões na bolsa de Nova York. O processo acabou levando a empresa a optar pela deslistagem.

A volta ao mercado, diz Oliveira, deve ser um processo natural depois que a companhia conseguir se reorganizar. “Um IPO é uma discussão, mas para ser feita a partir de 2025”, afirma. Um caminho possível, diz, é uma dupla listagem – em São Paulo e em Nova York, por exemplo. Mas o foco em 2024 é retomar a agenda de crescimento. 

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Mesmo com a operação preservada e com o apoio de muitos dos grandes clientes – o que contou a favor do acordo com os credores -, a fase de incerteza acabou levando a uma perda de receita de cerca de 10% em 2023 em nível global. O Brasil foi responsável pela maior parte desse recuo. O país, que já respondeu por 45% da receita global da empresa, tem uma participação de 38% atualmente, ainda assim superior à parcela vinda de Estados Unidos e Europa, de 32%.

“Houve clientes que saíram, outros reduziram a concentração na companhia, é parte natural do processo”, diz. “Mas foi muito importante conseguir evitar a recuperação judicial, porque acreditamos que, para empresas que atuam no B2B, uma RJ deteriora muito mais o valor da companhia”.

“A gente pode, eventualmente, até perder receita, mas podemos melhorar a margem”, diz. A agenda da companhia, para um horizonte entre três e cinco anos, envolve diversificação de receitas, automatização de processos internos e junto a clientes e transformação tecnológica. “Em cinco anos, vejo a Atento sendo uma empresa de tecnologia humanizada”, define.

Lucinda Pinto

Editora-assistente do Broadcast, da Agência Estado por 11 anos. Em 2010, foi para o Valor Econômico, onde ocupou as funções de editora assistente de Finanças, editora do Valor PRO e repórter especial.