“Vítima” da Selic e ações descoladas, Bradesco gera ansiedade antes do balanço

Mercado espera perdas com "marcação a mercado" no balanço do 2º tri, que sairá na próxima segunda-feira; somado a isso, ações ON e PN apresentam maior descolamento desde 1998

Thiago Salomão

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SÃO PAULO – Uma das maiores e mais sólidas empresas do mercado brasileiro, o Bradesco tem vivido momentos conturbados na Bovespa, bem diferentes daqueles vistos há pouco, quando em 22 de maio sua ação preferencial (BBDC4) atingiu seu maior patamar da história (R$ 34,73, considerando o ajuste de dividendos pagos). Dois motivos ajudam a explicar esta turbulência: além da cada vez mais forte expectativa de perdas milionárias em operações de tesouraria, devendo impactar o resultado do 2º trimestre – que, aliás, será divulgado na manhã da próxima segunda-feira (22) –, o mercado tem visto o “descolamento” entre as ações ordinárias (BBDC3) e preferenciais do banco atingir os menores níveis dos últimos 15 anos, embora o motivo para isso ainda seja desconhecido.

A começar pela perda operacional. O que há algumas semanas era tratado como mais um rumor de mercado hoje já se tornou fato quase que consumado: o Bradesco deve sofrer com a “virada de mão” do Banco Central, que em abril deu início ao ciclo de alta de juros. De lá pra cá, o Copom (Comitê de Política Monetária) se reuniu por três vezes e elevou a Selic em todos os encontros, jogando a taxa básica brasileira de 7,25% para os atuais 8,50% ao ano.

A explicação para a queda vem da chamada “marcação a mercado” que os títulos de renda fixa sofrem quando há uma mudança de cenário na política monetária. Basicamente, a marcação a mercado consiste na readequação dos preços de um determinado título de renda fixa ao novo fluxo de caixa. Com as altas nos juros anunciadas pelo Copom, houve um aumento na taxa de desconto utilizada para trazer este fluxo de caixa para o valor presente, diminuindo o valor de face do título – resumindo: a Selic subiu, o preço do título caiu.

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Segundo um operador que pediu para não ser identificado, as perdas do Bradesco não devem ser dramáticas, porém suficientes para deixar o resultado final aquém do que era esperado pelo mercado. Contudo, este mesmo trader ressalta que o banco brasileiro não foi o único a perder neste novo cenário. “Bancos internacionais também sofreram com marcação a mercado de bonds neste trimestre”, disse.

Impacto milionário, bilionário ou nulo?
O real impacto destes erros de estratégia divide opiniões. Em relatório divulgado pelo Deutsche Bank na última quinta-feira (18) apresentando as prévias de resultados trimestrais para o setor financeiro, os analistas Mario Pierry, Tito Labarta e Marcelo Cintra esperam que as perdas com a marcação a mercado façam o lucro do Bradesco crescer abaixo da sua média histórica, fechando o 2º trimestre em R$ 3,131 bilhões – alta de 9% ante o mesmo período de 2012. Um dia antes, o JPMorgan havia reduzido as estimativas de lucro para o banco, além de também ter cortado o preço-alvo esperado para as ações preferenciais ao final de 12 meses de R$ 40 para R$ 33 – o ativo BBDC4 fechou o último pregão a R$ 28,22.

Mas, neste caso do Bradesco, o buraco pode ser mais embaixo. Segundo informações divulgadas na Revista Exame, uma perda na casa dos bilhões com estas operações malsucedidas é “dada como certa” pelo mercado, mas ela não se refletirá no resultado deste trimestre por conta de ajustes contábeis promovidos pelo banco – como boa parte dos investimentos permanece na carteira do banco, o prejuízo obtido com a depreciação do valor de face dos títulos ainda não se materializou.

A nota da Exame diz que o Bradesco não se pronunciou sobre o caso. Procurada pelo InfoMoney, a assessoria de imprensa do banco disse na manhã desta sexta-feira (19) que não procede a informação de que a perda será bilionária.

ON e PN: menor “relação” desde 1998
Passando para o mundo das ações, o Bradesco também começa a ganhar evidência neste mês pela diferença de rentabilidade apresentada pelas suas duas classes de ativos listados na Bovespa, diferença esta que começou a tomar corpo quando as ações ordinárias do banco começaram a ganhar os olhos dos investidores – embora ainda não haja uma explicação muito precisa para o descolamento atual.

Incluída na virada de abril para maio na carteira quadrimestral do Ibovespa, a ação ON do Bradesco ganhou bastante liquidez desde o final do ano passado, quando entrou no MSCI (Morgan Stanley Capital International) em novembro, um dos principais “benchmarks” para o mercado mundial de ações. Em maio, as duas ações do banco tiveram uma performance parecida – alta de 3,1% para BBDC3 e de 4,4% para BBDC4. Em junho, os dois também sofreram de forma semelhante ao pior mês da bolsa no ano, com queda de 13,7% e 15,4% para as ações ON e PN, respectivamente. 

Agora em julho, a situação tem saído do normal. Até o fechamento da última quinta-feira (18), enquanto as ações ordinárias do Bradesco somavam valorização de 4,2%, os papéis preferenciais apresentavam queda de 1,9%. A diferença fica mais clara pelo “ratio” das ações – que nada mais é do que a divisão entre o preço de BBDC4 por BBDC3. Ao final de maio e junho, essa relação ficou em 0,96 e 0,94, respectivamente, mas agora está em 0,89. Vale mencionar que neste mês este ratio chegou a bater em 0,85, seu menor patamar desde janeiro de 1998. O número cada vez mais distante de 1,0 mostra que o preço de BBDC3 está cada vez maior em relação ao de BBDC4 (veja o gráfico abaixo).

BBDC4/BBDC3: relação vem diminuindo desde o fim de 2012

Fonte: Nelogica

Percebe-se no gráfico acima que, até janeiro deste ano, o “ratio” estava acima de 1 – ou seja, a ação BBDC4 tinha um valor de face maior que BBDC3. A mudança desse patamar para abaixo de 1 ganhou forças em novembro do ano passado, época em que a ação ON do Bradesco foi incluída no MSCI. Essa inclusão faz com que aqueles fundos de investimentos que precisam acompanhar o benchmark comprem as “novas” ações para adequar sua carteira ao índice. Para avaliar a força da pressão compradora, estima-se que atualmente há cerca de US$ 30 bilhões sob gestão destes fundos passivos ao MSCI.

Com isso, mesmo que a preferencial tenha acompanhado esse movimento positivo – já que ambas ações refletem a mesma empresa –, o avanço foi menos significativo do que da ordinária. Somado a isso, a inclusão no Ibovespa em maio acaba tendo o mesmo efeito comprador dos fundos de ações atrelados ao índice.

Prêmios de consolação?
Talvez o que sirva de consolo para a instituição nos últimos dias foi o prêmio concedido pela revista britânica Euromoney, que pelo 2º ano consecutivo elegeu o Bradesco como o melhor banco do País no Euromoney Awards for Excellence 2013. A publicação destacou o desempenho do Bradesco no primeiro trimestre deste ano na evolução dos ativos totais, melhoria do índice de eficiência operacional e bom desempenho no índice de inadimplência.

O banco também recebeu uma honraria da Apimec (Associação dos Profissionais de Investimentos e Mercado de Capitais), que na 40ª edição do prêmio Companhia Aberta elegeu o Bradesco como a melhor companhia da bolsa em 2012. A instituição já havia vencido a competiação em 1988, 1993, 2003 e 2011, e agora torna-se a maior vencedora do prêmio ao lado do seu principal concorrente privado no mercado brasileiro, o Itaú Unibanco (ITUB4).

Thiago Salomão

Idealizador e apresentador do canal Stock Pickers