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Imprensa distorce mudanças de MP no trabalho aos domingos

A MP de Liberdade Econômica facilita a abertura de empresas aos domingos, mas não como tem sido noticiado pela imprensa. Para o empregador, não basta substituir o domingo por outro dia, sem qualquer hora extra adicional, ao contrário do que noticia a imprensa. No texto aprovado pela Câmara, quem trabalhar aos domingos ganha pagamento em dobro ou uma folga extra, além do descanso semanal.
Por  Pedro Menezes -
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A MP de Liberdade Econômica facilita a abertura de empresas aos domingos, mas não como tem sido noticiado pela imprensa. Não será possível simplesmente substituir o domingo por outro dia. No texto aprovado pela Câmara, quem trabalhar aos domingos ganha pagamento em dobro ou uma folga extra, além do descanso semanal.

Os dispositivos da MP de Liberdade Econômica que alteram regras do trabalho aos domingos tem sido noticiados incorretamente pela imprensa. Há um erro crasso em circulação, que passa a falsa imagem de redução dos direitos de trabalhadores.

Segundo tem sido noticiado, o pagamento de hora extra pelo trabalho aos domingos poderia ser dispensado caso o trabalhador descanse noutro dia de semana. É o que aparece no G1, portal da Rede Globo: “o benefício (do pagamento em dobro), no entanto, pode ser dispensado se a folga for determinada para outro dia da semana”.

Até a Agência Brasil, estatal, descreveu as mudanças da MP da seguinte forma: “o benefício(do pagamento em dobro), no entanto, pode ser dispensado se a folga for determinada para outro dia da semana”.

Sim, a reportagem da Agência Brasil e da Globo usam as mesmas palavras, apesar de serem assinadas por pessoas diferentes. Isto diz muito sobre como essas notícias são produzidas – em massa, sem muito cuidado com detalhes.

Em ambos os casos, a reportagem dá a ideia de que o pagamento em dobro pelo domingo pode ser evitado caso o domingo seja substituído por outro dia. Nenhuma delas ressalva que, caso o pagamento em dobro não seja feito, a empresa precisa substituir o domingo por dois outros dias de  descansos semanais. Não basta um.

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Eu poderia citar vários outros veículos que relataram da mesma forma, mas seria cansativo. Praticamente toda a imprensa tem dado a entender a mesma coisa, o mesmo erro: que basta substituir o domingo por outro dia de folga e o pagamento em dobro já não seria necessário.

Segundo integrantes da equipe econômica e juristas consultados pelo blog, não é bem assim. O pagamento em dobro só poderá ser dispensado caso o domingo seja substituído por dois dias de descanso na semana. Ou o trabalhador ganha em dobro por trabalhar no domingo e descansa noutro dia, ou ele recebe normalmente pelo domingo e descansa durante dois dias da semana.

A origem da divergência

Alguns leitores não vão gostar desta constatação, mas provavelmente não se trata de uma conspiração contra o governo. O problema maior, na minha visão, foi tentar descrever o projeto sem consultar especialistas (o que não foi o caso deste blog).

A MP de Liberdade Econômica, em sua versão aprovada na Câmara, modifica o artigo 70 da CLT para que ele vigore com a seguinte redação:

“Art. 70. O trabalho aos domingos e nos feriados será remunerado em dobro, salvo se o empregador determinar outro dia de folga compensatória.”

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A interpretação da imprensa decorre da leitura literal deste artigo. Para leigos em direito, pode fazer sentido. O problema é que esta menção a “outro dia de folga compensatória” não pode ser confundida com o direito já assegurado de descanso semanal por um dia, segundo dois juízes ouvidos pelo blog. Isto é, a folga compensatória representa um dia extra em relação ao que já é assegurado na Constituição.

Segundo a juíza do trabalho Ana Fischer, do TRT da 3ª região (Minas Gerais), o trabalho aos domingos “deverá ser remunerado em dobro se não houver uma folga compensatória além do descanso semanal remunerado”. A juíza ressalta que “a folga compensatória [presente no artigo 70] é justamente pra fazer face a esse pagamento em dobro”, e não para substituir o descanso semanal remunerado que já é regido por outros artigos da CLT.

Outra vantagem da nova legislação, segundo Fischer, é que “agora essa remuneração em dobro está prevista expressamente no novo artigo 70 da CLT”. Apesar do pagamento de 100% da hora extra vigorar em muitos casos, este valor atualmente não é expressamente previsto na CLT.

Também conversei com Bruno Bodart, juiz do TJ-RJ, mestre em Direito pela Harvard Law School e vice-presidente da Associação Brasileira de Direito e Economia (ABDE). Na visão dele, sequer há problemas na redação da proposta, pois “o texto da MP é claro o suficiente se forem seguidos os preceitos básicos de hermenêutica”.

Bruno ressalta que “uma regra básica de interpretação jurídica é a de que se deve conferir ao texto um sentido que não o esvazie”. O novo artigo 70 da CLT não faria sentido, caso a interpretação da imprensa estivesse correta. “Você tem que pagar em dobro, mas se quiser pode pagar normal e dar um direito que o empregado já tem de qualquer maneira?”, indaga Bodart, antes de complementar: “essa interpretação não faz sentido”.

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Afinal, o artigo 70 afirma que o pagamento em dobro pode ser substituído por uma falta compensatória. Porém, artigos anteriores da CLT já indicam que todos têm direito a um dia de descanso semanal remunerado, direito que não pode ser suprimido pelo pagamento em dobro.

Por isso, Bodart endossa a interpretação de Ana Fischer: “o artigo 70 diz que se o repouso não for no domingo, o empregador tem duas alternativas: o trabalho nesse dia será remunerado em dobro; ou será concedida uma “folga compensatória”, que tem que ser em acréscimo ao repouso semanal remunerado, senão a alternativa de pagamento em dobro não faz sentido algum”.

Esta, por sinal, também é a interpretação da equipe do Ministério da Economia que redigiu a proposta e de outros juristas que foram ouvidos pelo blog. Apesar do erro ser compreensível, a interpretação majoritária da imprensa sobre a MP de Liberdade Econômica continua sendo simplesmente errada.

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Pedro Menezes Pedro Menezes é fundador e editor do Instituto Mercado Popular, um grupo de pesquisadores focado em políticas públicas e desigualdade social.

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