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Brasil acima de tudo; chinês, queremos o seu bolso

Toda restrição à China traz consigo o custo de complicar investimentos durante o período pós-crise e, em última análise, atrasa ainda mais a convergência entre os metrôs de São Paulo e Xangai. No momento, o dinheiro chinês pode ser usado para atender o melhor interesse nacional. Quem coloca o Brasil acima de tudo deve lembrar que toda transação internacional tem dois lados.
Por  Pedro Menezes
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Azul Linhas Aéreas, poços do pré-sal, o aplicativo 99 e Hulk estão entre os ativos brasileiros comprados por chineses nos últimos anos. Bolsonaro está preocupado com o assunto. Caso o discurso anti-China do presidente eleito afete a política econômica, o Brasil pode perder uma grande oportunidade de aliviar as dores da crise.

Caso o Brasil se abra a investimentos estrangeiros, é provável que os chineses puxem a fila. Eles tem o dinheiro que falta a muitos projetos brasileiros. Meu argumento aqui é bastante simples: comerciar com a China, permitir investimentos chineses, atende ao melhor interesse nacional e é muito importante para a retomada econômica. Preocupações geopolíticas devem levar isso em conta, pois envolvem custos para o bem-estar dos brasileiros.

Por que o investimento com dinheiro chinês é importante para o bem-estar dos brasileiros?

Resposta curta: porque poupamos pouco e precisamos importar poupança financiar investimentos.

O gráfico abaixo mostra a taxa de poupança e investimento do Brasil e China. A conclusão é gritante.

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Primeiro, vale a pena olhar para a poupança.

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Em anos recentes, a poupança bruta chinesa chegou a superar 50% da produção e foi maior que 40% do PIB em quase todos os anos desde 1991. Eis um desempenho notável, único no mundo, que explica o acelerado crescimento chinês.

O resultado foi alcançado por ditadura que tem a alta poupança como objetivo, e inclusive um sistema de previdência muito menos generoso que o nosso.

No caso brasileiro, a poupança caiu após o Plano Real até 1999. Esse é o ano do famoso tripé macroeconômico, que tinha como um dos objetivos aumentar o superávit primário, também conhecido como poupança do setor público. Antes disso e depois do governo Dilma, com a volta do déficit primário, o setor público passou a dar contribuição negativa para a poupança.

A assustadora taxa de poupança chinesa permite uma taxa de investimentos também assustadora. Os memes que comparam a evolução dos metrôs de São Paulo e Xangai são outra forma de visualizar o mesmo fenômeno. Os chineses constroem e investem muito mais do que os brasileiros, como resultado da poupança.

Um dado muito importante é o seguinte: o investimento chinês é consistentemente menor do que a poupança, enquanto o investimento brasileiro é consistentemente maior.

Isso significa que o Brasil precisa da poupança produzida no exterior para ter o nível presente de investimentos. Em outras palavras, os brasileiros precisam importar poupança estrangeira para investir; a China investe localmente menos do que poupa localmente, podendo liquidamente exportar poupança.

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Só importamos poupança porque o Brasil tem alta demanda por investimentos. A infraestrutura do país é evidência com a qual lidamos diariamente. Investimentos no Brasil podem ter alto retorno, dada a precariedade atual: nossos consumidores e produtores perdem muito com a precariedade da infraestrutura. Por outro lado, temos baixa oferta interna de poupança.

Sem absorver poupança externa, investiríamos ainda menos e uma série de projetos importantes deixaria de ocorrer. Seríamos mais pobres se não importássemos poupança. Deixar de atender à demanda por investimentos seria a pior alternativa. Como a política econômica tem se mostrado incapaz de elevar a poupança, o Brasil recebe poupança gringa.

O resultado se vê no saldo de transações correntes, número muito comum nos telejornais e presente no gráfico abaixo, cujo significado contábil é exatamente a diferença entre poupança e investimento. 

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Quais as implicações disso para a política econômica e externa?

Razões geopolíticas justificam parte do receio com o dinheiro chinês. Há também argumentos econômicos, frequentes em nacionalistas de Ciro Gomes às Forças Armadas: por que não produzimos aqui a poupança que o Brasil precisa, rompendo a dependência de poupança externa?

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Ainda que o leitor compartilhe dessas preocupações, todos devemos levar em conta que os investidores chineses tem demonstrado interesse pelo Brasil, inclusive em projetos públicos, e possuem um montão de dinheiro no momento. Se o governo federal está quebrado e sem dinheiro para investir no Piauí, eis a boa notícia: os chineses estavam poupando enquanto a gente gastava.

Em termos bastante concretos, restrições ao investimento chinês dificultam muito o investimento público e privado no curto prazo, pois retiram uma fonte farta de financiamento.

É importante que o Brasil reoriente a política econômica para poupar mais. Se Bolsonaro cumprir as promessas de ajuste fiscal, já fará muito nesse sentido. Mas nada retira o elefante da sala: no curto prazo, no duro curto prazo cheio de desempregados, o dinheiro chinês é importante para a infraestrutura pública e expansão de empresas nacionais. Agravar os sintomas não cura a doença.

Toda restrição à China traz consigo o custo de complicar investimentos durante o período pós-crise e, em última análise, atrasa ainda mais a convergência entre os metrôs de São Paulo e Xangai.

Se Bolsonaro tem preocupações sobre a segurança nacional, é importante que ele lide com o assunto através de regulações inteligentes sempre que possível, pois o custo de impedir negócios deve ser levado em conta. O presidente eleito tem a obrigação de ao menos tentar encontrar alternativas à hostilidade.

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Os Estados Unidos tem uma posição muito mais parecida com a brasileira: poupança semelhante, inferior ao investimento, o que torna os americanos repetidamente deficitários no saldo de transações correntes. Os EUA não podem ocupar o lugar estratégico da China, porque não possuem tanta poupança para exportar.

A crise fiscal dificultará por anos qualquer esforço de melhoria da infraestrutura através de impostos, além de dificultar ousadias no setor privado. A travessia será mais calma se o Brasil puder contar com o investimento chinês.

Quem coloca o Brasil acima de tudo deve pensar em como atender à demanda por investimentos no curto prazo. A resposta será bem mais difícil se os chineses não fizerem parte dela. Toda transação tem dois lados e as relações econômicas com a China são cruciais para o bem-estar dos brasileiros.

Pedro Menezes Pedro Menezes é fundador e editor do Instituto Mercado Popular, um grupo de pesquisadores focado em políticas públicas e desigualdade social.

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