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Ciro propõe volta da maquiagem fiscal via BNDES

Ciro Gomes tem defendido publicamente, e incluiu no seu plano de governo, a volta da TJLP como referência em repasses do Tesouro ao BNDES. O principal impacto da medida seria permitir que o governo federal omita gastos do orçamento e drible metas fiscais.
Por  Pedro Menezes
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Segundo cálculos do Ministério da Fazenda, o subsídio implícito vinculado à TJLP custou R$ 240 bilhões entre 2007 e 2016, sem que tal gasto fosse discutido no Congresso junto com o resto do orçamento. Em seu plano de governo, Ciro Gomes promete trazer de volta este mecanismo de maquiagem fiscal, cujo uso nos governos Lula e Dilma tem sido destacado por economistas entre as causas da crise econômica.

240 bilhões de reais bancam quase toda a universalização do saneamento básico, orçada em pouco R$ 300 bilhões pelo Instituto Trata Brasil. Também daria para construir algumas centenas de quilômetros de metrô, suficientes para deixar São Paulo e talvez também o Rio de Janeiro com um sistema metroviário tão extenso quanto o de Londres.

Boa parte desse valor financiou a expansão do BNDES que, segundo mais de uma estimativa, em nada estimulou o nível de investimento do Brasil e beneficiou principalmente grandes empresas. Sérgio Lazzarini e co-autores mostraram que os subsídios ao BNDES não aumentaram a produtividade ou investimentos das empresas beneficiadas, apenas diminuíram o custo de crédito de empresas em boa situação financeira, que conseguiriam o mesmo financiamento com fontes privadas. Outro estudo, de Marco Bonomo e co-autores, encontrou impacto nulo para o investimento na economia brasileira. Boa parte desse dinheiro virou lucro dos acionistas, o que não é exatamente a função do BNDES.

O Estado gastou bilhões de reais subsidiando o lucro privado, mas a relação custo-benefício desses 240 bilhões não foi discutida pelo Congresso Nacional na elaboração do orçamento, nem considerado nas metas de responsabilidade fiscal, em detrimento das várias alternativas possíveis que poderiam surgir para aqueles recursos. O drible nas instituições foi permitido pelo uso exaustivo de subsídios implícitos (em outras palavras, escondidos) para financiar o BNDES.

As críticas a esta maquiagem fiscal nos governos Dilma e Lula levaram a uma reforma no ano passado, que eliminou os subsídios implícitos vinculados ao BNDES. Em seu plano de governo, Ciro Gomes promete trazer de volta o mecanismo de maquiagem fiscal.

Feita a introdução, é importante entender do que trata a TJLP, o que mudou e qual o impacto da proposta de Ciro.

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Como o BNDES se financia?

Para financiar suas operações, o BNDES tem duas fontes de recursos principais: Tesouro Nacional e Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Em ambos os casos, a origem do dinheiro está no bolso do cidadão brasileiro.

O Tesouro Nacional é, basicamente, o departamento financeiro do governo federal, o caixa, vinculado ao Ministério da Fazenda. O FAT arrecada (forçadamente, é claro) uma parte do salário de todos os trabalhadores brasileiros e, por determinação legal, 40% do fundo é repassado ao BNDES.

Com o dinheiro, o BNDES realiza diversas operações de crédito orientadas pelo bem-estar social – em tese, claro. Posteriormente, o banco devolve o valor ao Tesouro e ao FAT, corrigido por juros. A TJLP, ou Taxa de Juros de Longo Prazo, determina quanto o BNDES precisa retornar aos pagadores de impostos e trabalhadores assalariados.

Em alguns casos, o governo federal pode desejar que o BNDES faça operações com juros ainda mais baixos do que a TJLP. Para isso, é necessário incluir no orçamento federal a diferença, que seria considerada um subsídio explícito. Este tipo de incentivo, levado em consideração nas metas de resultado primário, correspondeu a R$ 45 bilhões entre 2007 e 2016, apenas 15% dos subsídios envolvendo a TJLP.

Cerca de 85% (os já citados 240 bilhões de reais entre 2007 e 2016) correspondem ao subsídio implícito, que não é amplamente discutido pela sociedade e está imune à disputa parlamentar em torno do orçamento.

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O subsídio implícito corresponde à diferença entre a TJLP e a taxa Selic. Para não-economistas, a compreensão desse subsídio é mais complicada – o que explica a aceitação de uma medida dessas por parte da sociedade -, mas economicamente se trata de um gasto público como qualquer outro.

O que é o subsídio implícito – e por que, economicamente, se trata de um gasto

Para entender o subsídio implícito, precisamos lembrar do valor do dinheiro ao longo do tempo.

Imagine que o Tesouro pegue 100 reais emprestados e repasse o valor ao BNDES. Imagine também que daqui a um ano, o BNDES devolverá ao Tesouro os 100 reais acrescidos de juros determinados pela TJLP, assim como o Tesouro devolverá ao credor 100 reais acrescidos de juros determinados pela SELIC.

Se a SELIC estiver em 10% ao ano e a TJLP em 5% ao ano, o Tesouro pagará 110 ao credor e receberá 105 do BNDES, incorrendo em gasto. Essa diferença de 5 reais representaria um gasto que não passa pelo orçamento público.

Esses valores são fictícios, mas o exemplo retrata a dinâmica geral do subsídio implícito. De fato, como mostra o gráfico abaixo, a TJLP tem estado abaixo da Taxa SELIC nos últimos anos:

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selic_tjlp

Graças a uma reforma do ano passado, o subsídio implícito está acabando. Ao longo dos próximos anos, a TJLP convergirá gradualmente para a nova TLP. A principal diferença é que a TLP será indexada a títulos da dívida pública, tornando praticamente nula a diferença entre as taxas de financiamento do BNDES e do Tesouro.

Cálculos de Marco Bonomo, Luís Felipe Bento e Paulo Marques Ribeiro indicam que a dívida pública diminuirá em cerca de 100 bilhões de reais nos próximos anos, graças à mudança da TJLP para a TLP.

Outra função da TLP, além de acabar o subsídio implícito, é facilitar o trabalho do Banco Central. Como uma parcela substantiva do crédito não é afeta por alterações da SELIC, o Bacen é obrigado a aumentar os juros em mais do que o necessário, quando precisa diminuir a inflação. Quanto maior a porcentagem do crédito sujeita às taxas de financiamento do Estado, menos agressiva precisa ser a política monetária.

Ciro pode capitalizar o BNDES sem trazer de volta a TJLP, mas precisaria incluir no orçamento. O principal impacto de sua proposta, portanto, está na maquiagem fiscal que ela permite. 

Essa é a mudança que Ciro quer reverter, segundo a proposta 2.12 do plano de governo apresentado ao TSE. O candidato também declarou a intenção em inúmeros pronunciamentos públicos, como meio para capitalizar o BNDES.

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É importante notar que a introdução da TLP não impede o Presidente da República de capitalizar o banco. Um empréstimo com taxa de juros próxima à do governo já representa um belo subsídio, na comparação com o que seria possível num banco privado. Mesmo assim, o governo federal pode liberar a quantia que quiser, com a taxa que quiser, mas para isso deve declarar os subsídios no orçamento. A grande diferença está na possibilidade de gastar sem declarar os valores adequadamente ao público.

Durante a campanha, Ciro Gomes tem negado acusações de irresponsabilidade fiscal e associações com as medidas desastrosas do governo Dilma. A proposta de voltar com a maquiagem fiscal via TJLP traz graves problemas a esta narrativa.

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Pedro Menezes Pedro Menezes é fundador e editor do Instituto Mercado Popular, um grupo de pesquisadores focado em políticas públicas e desigualdade social.

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