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Quando 100 mil são outros quinhentos

O alarido gerado durante a tarde de ontem precisa ser analisado com as devidas ressalvas. Pelo menos no que diz respeito às perspectivas oferecidas pelo cenário político no Brasil
Por  Mario Vitor Rodrigues
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Eis que o índice Ibovespa ultrapassou os 100 mil pontos. Fechou abaixo, é bem verdade, mas finalmente a marca simbólica foi atingida. Digo finalmente porque se tratava de um momento esperado — e que já poderia ter acontecido, por exemplo, sem o advento dos mandatos de Dilma Rousseff, ou, no início do ano, a tragédia em Brumadinho. Todavia, o alarido gerado durante a tarde precisa ser analisado com as devidas ressalvas. Ao menos no que diz respeito às perspectivas oferecidas pelo cenário político no Brasil.

Ou seja, pode-se falar na expectativa de que o Fed (Federal Reserve) mantenha taxas de juros básicas e em toda sorte de ecos vindos do exterior. Vale até apelar para a simples torcida, o desejo de que tudo corra bem de modo a justificar tamanho otimismo. Só não cabe maquiar a realidade e enxergar a aprovação da reforma da Previdência como favas contadas.

Em princípio, não se trata de um fato atrelado ao inquestionável amadorismo que marca o atual governo, mas de uma constatação conjuntural: desde a reabertura democrática, a nossa política nunca ofereceu calmaria. Bem ao contrário, inclusive os momentos de pretensa estabilidade foram bombardeados por escândalos atiçados pela oposição ou graças a patinadas provocadas pelos próprios governos.

Falo aqui de desequilíbrios capazes de derrubar presidentes ou, na melhor das hipóteses, feri-los de morte. A tal ponto que seus mandatos terminaram de maneira melancólica, arrastando consigo pautas importantes para o país. Ora essa, Rodrigo Janot, Marcelo Miller, os irmãos Joesley e o ex-presidente Michel Temer estão aí que não me permitem mentir.

Depois, porque, deixando de lado Paulo Guedes e o seu desejo real de diminuir o Estado e desburocratizá-lo, tornando-o não apenas melhor para se viver como também mais atraente para o investidor estrangeiro, a verdade é que elegemos pessoas sem a menor ideia de como se faz para tocar a máquina pública. Além disso, mostram-se incapazes de conduzir a articulação política necessária para encaminhar as reformas — as quais, vale destacar, historicamente jamais defenderam. Muito pelo contrário.

Assim, indo direto ao ponto, o que se vê é um presidente da República mais preocupado em manter excitada a sua militância, em comprar brigas com a imprensa e em proteger as nossas bananas do que em levantar a bola da reforma da Previdência. Que dispensa pouco tempo defendendo a sua importância e é capaz de diminuir a idade mínima da mulher sem nem mesmo a pauta ter começado a ser debatida no Congresso.

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Por outro lado — tanto na Câmara, quando da derrubada do decreto assinado pelo vice-presidente Hamilton Mourão, que ampliava a lista de servidores com capacidade para classificar documentos como sigilosos — quanto na derrota da deputada Janaina Paschoal (PSL) para a presidência da ALESP, os recados foram claros: não existirá pressão na base do grito ou via militância nas redes sociais capaz de substituir o exercício da política propriamente dita.

Hoje, a probabilidade maior é de que a reforma passe no fim do ano. E, ainda assim, bastante desidratada, se levarmos em conta a economia estimada por Paulo Guedes de R$ 1,3 trilhões em dez anos. As fontes com as quais conversei me garantem que o texto poderá ser preservado em, no máximo, 70% da sua versão original.   

Pode ser pouco, entretanto tiraria da mesa um tema espinhoso e abriria campo para que Guedes tratasse das demais reformas. Seja como for, o momento pede cautela em vez de otimismo exagerado. Na verdade, criar uma expectativa demasiadamente positiva agora pode representar o atalho mais rápido para a frustração depois.

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