Fechar Ads

Os políticos devem ser tratados como cidadãos de segunda classe

As regras e princípios legais devem ser aplicados de forma mais dura contra a classe política, seja na coleta de provas, seja nas investigações, e até mesmo no agravamento de penas. Significa dizer que a classe política deve sempre ser vista e tratada com desconfiança, não sendo prudente dar-lhe garantias plenas, como presunção de inocência e sigilos bancário, fiscal e telefônico. O político acusado com provas razoáveis deve ser afastado imediatamente do cargo e se defender fora do poder, seus bens devem ser imediatamente bloqueados e sua prisão preventiva deve ser decretada como regra, e não como exceção.
Por  Alexandre Pacheco
info_outline

Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Duas grandes falácias estão circulando pela imprensa, por conta da Lava Jato:

– estaríamos passando por um processo de “criminalização da política”, o que poderia ameaçar a democracia;

– as autoridades judiciárias estariam desrespeitando garantias constitucionais nas suas investigações e no uso das prisões preventivas, sendo que isso representaria uma ameaça ao Estado de Direito, de forma que um dia tais supostas arbitrariedades poderiam voltar-se contra o cidadão comum, com riscos para todos nós.

Essas afirmações não têm conexão com a realidade, nem resistem ao bom senso.

Colocar na cadeia os bandidos fantasiados de políticos que estão aí não significa, de modo algum, “criminalizar a política”. Todos nós sabemos que políticos são um mal necessário – mas também sabemos que eles deveriam custar muito menos, trabalhar muito mais, ser fiscalizados com maior rigor e ser rapidamente punidos quando cometem crimes usando dinheiro público.

O que a Sociedade quer e precisa é “criminalizar os criminosos políticos” e encarcerá-los todos. Infelizmente, são muitos, mas isso não pode ser um problema. Se todos os bandidos forem presos, o custo do encarceramento para a Sociedade será muito menor do que os prejuízos que possam ser causados caso eles permaneçam soltos. E ninguém está defendendo a criminalização dos políticos inocentes, sendo que todos os que foram presos têm sobre si uma avalanche de sólidas provas – nenhum caso de erro judiciário aconteceu nas prisões da Lava Jato.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

A indevida afirmação de que está havendo a “criminalização da política” é amparada na constatação verdadeira de que muitos políticos ocupam-se de atividades criminosas; porém, quem diz isso tenta disseminar a falsa suposição de que essa seria a regra do jogo, para, com isso, defender a absurda solução de anistiar parte deles – os que, por exemplo, roubam “somente” para financiar campanhas eleitorais. Quem defende uma coisa dessas, a bem da verdade, não quer perder o seu círculo de poderosas amizades que foi formado antes da Lava Jato, pretendendo salvar alguma coisa do seu capital de relacionamento. Porém, se essa ideia passar, a maioria será feita de boba em benefício exclusivo de alguns.

Em segundo lugar, as garantias individuais dos cidadãos existem nas Constituições para protegê-los principalmente contra o Estado, e não para proteger bandidos que usam o Estado contra os cidadãos.

A vontade do Estado é formada justamente pelas autoridades públicas. E a classe política influencia significativamente até mesmo nos atos do Poder Judiciário e dos seus órgãos auxiliares de investigação e de acusação. Em última análise, a classe política é uma elite de cidadãos que cria as leis, assim como influencia quase que irresistivelmente na interpretação e na aplicação dessas mesmas leis pelo Poder Judiciário, pelo Ministério Público e pelas Polícias. Para quem acha que isso é exagero, basta acompanhar o noticiário…

Não é preciso ser jurista para entender que a Constituição nunca pode ser usada para defender o Estado contra a Sociedade – pelo contrário, a Constituição serve principalmente para defender a Sociedade CONTRA o Estado, e portanto contra a classe política e contra as autoridades que dirigem o Estado.

Por essa razão, é ingenuidade acreditar que essa categoria especial e diferenciada de cidadãos, formada pela classe política, deve se submeter às mesmas regras e princípios que são aplicados aos cidadãos comuns. A classe política “é” o Estado, de forma que não cabe aplicar garantias individuais, que servem para defender o cidadão contra o Estado, em favor de quem justamente “é” o Estado.

A posição ocupada pelos políticos é extremamente perigosa, por dispor de poder e de meios de ação quase que infinitos. É óbvio, portanto, que as regras e princípios legais devem ser aplicados de forma mais dura contra a classe política, seja na coleta de provas, seja nas investigações, e até mesmo no agravamento de penas. Significa dizer que a classe política deve sempre ser vista e tratada com desconfiança, não sendo prudente dar-lhe garantias plenas, como presunção de inocência e sigilos bancário, fiscal e telefônico. O político acusado com provas razoáveis deve ser afastado imediatamente do cargo e se defender fora do poder, seus bens devem ser imediatamente bloqueados (como se pratica com administradores de instituições financeiras sob intervenção) e sua prisão preventiva deve ser decretada como regra, e não como exceção.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

Chega a ser patético ver os políticos usando do seu poder ilimitadamente, e de forma escancarada, para conseguirem privilégios para si e para seus amigos no meio empresarial, como se estivessem acima das leis – mas, quando pegos em flagrante, virem a invocar em seu favor as mesmas garantias que são destinadas aos reles mortais. Ou seja, querem privilégios, quando lhes interessa; mas querem igualdade, quando lhes convém. E ainda temos que ver os amigos dos poderosos no meio intelectual e na imprensa afirmarem que o fato dos políticos serem tratados com especial rigor representaria um risco para o cidadão comum, como se estivéssemos tratando da mesma categoria de cidadãos… Só inocentes caem nessa conversa.

Contra a classe política deve vigorar a desconfiança e o policiamento permanentes, de modo que somente se aventure a ser político quem não tenha absolutamente nada a dever e queira andar na linha. Somente assim selecionaremos aqueles que estão em condições de lidar com o nosso dinheiro e de influenciar nas nossas vidas, com menor risco de que os bandidos mais perigosos se encastelem nos cargos públicos e usem seu poder e seus meios de ação contra nós, como vem ocorrendo hoje.

A Constituição não admite expressamente esse tratamento de segunda classe para os políticos – justamente porque foram eles mesmos que a escreveram e que vêm alterando o seu texto ao longo dos anos… Mas é possível tirar dela elementos de interpretação que permitam tratar os políticos com maior rigor, a bem do interesse público, equalizando as forças entre esses poderosos e as autoridades judiciárias. E é justamente isso o que vem fazendo a Lava Jato – com muito custo, porque se trata de um pequeno órgão contra praticamente todo o corpo do Estado.

Encarcerar em massa políticos bandidos e submetê-los todos a impiedosas investigações permanentes, tratando-os com desconfiança e com prudência pelo tempo em que estiverem no poder: essa é a receita para manter um país livre da corrupção sistêmica.

Alexandre Pacheco é Advogado, Professor de Direito Empresarial e Tributário da Fundação Getúlio Vargas, da FIA, do Mackenzie e da Saint Paul e Doutorando/Mestre em Direito pela PUC.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

Siga Alexandre Pacheco no Linkedin, no Facebook e no Twitter

Alexandre Pacheco Professor de Direito Empresarial e Tributário da FGV/SP, da FIA e do Mackenzie, Doutor em Direito pela PUC/SP e Consultor Empresarial em São Paulo.

Compartilhe

Mais de Jogo das regras

Jogo das regras

Reforma Tributária: o peso das obrigações legais no Brasil e a chamada “simplificação”

Seria mais prudente manter a essência do sistema tributário como existe hoje, reduzindo obrigações legais e complexidades na apuração de tributos. Eventualmente, criando um tributo temporário, para rápida redução do déficit fiscal e do endividamento, uma vez que o corte de gastos não pode ser feito na velocidade que é necessária para alcançar o rápido equilíbrio das contas públicas.
Jogo das regras

O que impede a redução da carga tributária brasileira

Não é possível reduzir, neste momento, a carga tributária do país, infelizmente. O Brasil gasta muito mais do que arrecada e está no cheque especial. Se reduzir seus tributos, o déficit público poderá aumentar em uma velocidade maior do que os ganhos de produtividade que a redução da carga tributária seria capaz de trazer.
Jogo das regras

O que, de fato, há de errado com os tributos no Brasil?

Obviamente a carga tributária elevada do Brasil é um freio brutal para o desenvolvimento do país, massacrando a população em geral. É um redutor significativo do investimento nacional e estrangeiro, razão de fuga de capitais brasileiros para o exterior e causa de agravamento da pobreza não somente de empresários, mas também da população mais carente, que também paga pesados tributos, e que ainda sofre com o desemprego causado por esse cenário econômico ruim, agravado pela tributação.
Jogo das regras

Reforma Tributária: Guerra de vaidades em 5 fronts

Estamos assistindo a um desejo dos envolvidos na Reforma Tributária de mudar por mudar o sistema tributário, com a disputa pela autoria de ideias supostamente geniais, para que os nomes dos autores que vencerem essa disputa perigosa sejam colocados em uma placa, em manchetes de jornais ou em posts das redes sociais.
Jogo das regras

Os caminhoneiros querem uma dentadura na forma de óleo diesel

Não deixa de ser engraçado ver os críticos dessa situação atacando o Bolsonaro como se ele não tivesse sido eleito por eleitores chantagistas. E como se ele, ainda, não tivesse concorrido com outros candidatos que também prometeram suas dentaduras, em um país que se move por esse racional desde que se começou a praticar eleições por aqui.
Jogo das regras

A Reforma Tributária da Câmara dos Deputados virou pauta bomba

Não se faz Reforma Tributária apenas com ideias e com "articulação política": faz-se com a experiência do corpo técnico do Governo e com números oficiais. E esse ato de prudência é necessário porque uma mudança legislativa dessa envergadura vai afetar milhões de pessoas e milhares de empresas, além de sujeitar os cofres públicos a riscos de perdas arrecadatórias que, em um cenário de déficit fiscal, podem piorar as condições já ruins das contas públicas.
Jogo das regras

Presidente Bolsonaro caminha para a desastrosa tributação dos dividendos

Na eleição passada, quase todos os candidatos a Presidente defenderam publicamente a tributação dos dividendos. Podemos dizer, ainda, que tal solução conta com a simpatia da "classe falante", dos chamados "formadores de opinião". O que surpreende é que a tributação dos dividendos, sendo uma pauta do espectro político da esquerda, tenha sido adotada pelo Presidente Bolsonaro - por isso eu acredito que ele não percebeu as variantes dessa discussão, sendo que ainda há tempo para ele se informar a respeito e arquivar essa ideia ruim.