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O jogo do Banco Central com as Fintechs

O que o Banco Central fará com o marco regulatório das Fintechs é regular o mercado de modo que tudo continue como está, com os bancos de varejo atuais no controle do processo e com teias regulatórias capazes de impedir a entrada de novos competidores ou de competidores independentes.
Por  Alexandre Pacheco
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Não é novidade que os bancos brasileiros estão atentos aos movimentos das Fintechs, tal como foi noticiado neste Portal aqui. O objetivo dos bancos é claro: aproximarem-se das Fintechs e garantirem o aprendizado necessário para reagirem rapidamente a esses novos empreendimentos segundo os seus interesses.

Agora, finalmente entrou em campo nesse jogo o Banco Central, que publicou, em 30/08/2017, um Edital de Consulta Pública contendo proposta de regulação do mercado de Fintechs de crédito, como podemos ver aqui e aqui. Na proposta, constam, por exemplo, a exigência de capital social mínimo de R$ 1 milhão, autorização prévia do Banco Central para funcionamento e constituição do empreendimento na forma de S/A´s (sociedades anônimas).

O que o Banco Central quer com as Fintechs?  

O Banco Central não “compete” com os interesses dos bancos – mas com eles “colabora” muito. Os bancos têm privilégios regulatórios que lhes asseguram reserva de mercado e, portanto, a garantia de spreads elevados; o Banco Central, por sua vez, é o dono da bola, garantindo esses privilégios regulatórios, de modo a escolher, na prática, com quem quer jogar e sob quais regras.

Logo, as vítimas da “disrupção” causada pelas Fintechs são os próprios bancos e o Banco Central. De fato, as Fintechs somente existem porque bancos e Banco Central cooperam no mercado de modo que o resultado de suas ações encarece o crédito com a preservação de margens contra o consumidor em montantes muito superiores às que outros jogadores estão dispostos a ganhar para emprestarem dinheiro e prestarem serviços financeiros.

Mas o que o Banco Central ganha com a regulação?

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O poder controlar o fluxo da moeda – essa é a principal razão de existir do Banco Central, e que consiste em uma das ferramentas de controle mais importantes dos Estados modernos, por atingir os agentes econômicos. Sem o controle da moeda, os Estados revelam-se materialmente o quê são de fato – Poder Judiciário, Polícia, Forças Armadas e o resto (inúmeras fontes de desperdício de dinheiro público). 

O Banco Central, de seu lado, declarou suas intenções na minuta de regulação. Afirmou que a proposta de marco regulatório das Fintechs de crédito sob consulta “visa a aumentar a segurança jurídica no segmento, elevar a concorrência entre as instituições financeiras e ampliar as oportunidades de acesso dos agentes econômicos ao mercado de crédito” – ou seja, defender os interesses dos consumidores.

Com todo o respeito que devemos aos melhores funcionários públicos que o Brasil tem, alocados que estão em sua grande parte no Banco Central, sabemos que essa instituição, apesar de suas múltiplas funções, não defende os interesses do consumidor – e se tenta fazer, não consegue. Basta olhar para a realidade, e acredite nela quem quiser.

O que o Banco Central fará com o marco regulatório das Fintechs é justamente o contrário – ou seja, irá regular o mercado de modo que tudo continue como está, com os bancos de varejo atuais no controle do processo e com teias regulatórias capazes de impedir a entrada de novos competidores ou de competidores independentes. Tudo isso, claro, como subproduto da sua função de garantir o poder do Estado sobre o fluxo da moeda.

No longo prazo, então, a história tende a se repetir no mercado de Fintechs: o Estado vai manter seu poder sobre o fluxo de capitais, os grandes operadores do mercado financeiro de hoje vão se perpetuar no mercado, um ou outro grande player agressivo e persistente vai se estabelecer e alguns vão conseguir vender bem uma boa ideia e passarão uma temporada nas Bahamas. Mas o consumidor, como sempre, não terá os benefícios prometidos de maior concorrência e menor preço, nem nós abriremos as portas de um mundo em que seja possível viver uma vida com menos Estado e liberdade econômica.

Podemos manter uma pequena e prudente boa expectativa nesse tema: a de que essa força disruptiva liberada pelas Fintechs não seja, por conta da internet, totalmente controlada pelos bancos e pelo Banco Central, o que pode vir a atenuar os efeitos dos privilégios regulatórios que existem hoje no mercado financeiro – e que são fortes componentes que mantêm os preços altos praticados na venda de produtos bancários.

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A “desbancarização” prometida pelas Fintechs é da máxima importância para o consumidor, pelo potencial de redução do custo do dinheiro que ela pode trazer. Que uma migalha desses benefícios seja partilhada com o consumidor por meio de alguma competição trazida pelas mais inovadoras Fintechs é o que se espera como fruto desse processo, para melhoria do ambiente de negócios financeiros no Brasil.

Alexandre Pacheco é Advogado, Professor de Direito Empresarial e Tributário da Fundação Getúlio Vargas, da FIA, do Mackenzie e da Saint Paul e Doutorando/Mestre em Direito pela PUC.

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Alexandre Pacheco Professor de Direito Empresarial e Tributário da FGV/SP, da FIA e do Mackenzie, Doutor em Direito pela PUC/SP e Consultor Empresarial em São Paulo.

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