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6 questões essenciais sobre o déficit fiscal

Embora o ministro Paulo Guedes tenha prometido há um tempo, sabemos que zerar o déficit primário em 2019 é tarefa praticamente impossível
Por  Guilherme Tinoco -
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

O debate fiscal continua quente. As discussões sobre a reforma da previdência, as novidades em relação à sua tramitação, o encaminhamento pelo governo das diretrizes orçamentárias para 2020, o andamento da agenda de privatizações e até mesmo o desempenho da atividade, influenciando as receitas do governo, são tópicos que vêm sendo monitorados de perto por analistas econômicos.

Aproveitando esse gancho, nesta coluna, pretendo responder algumas perguntas relacionadas às perspectivas para nosso cenário fiscal. Vamos lá!

  1. 1. O governo vai zerar o déficit primário em 2019?

Não. Embora o ministro Paulo Guedes tenha prometido há um tempo, sabemos que é tarefa praticamente impossível, mesmo na hipótese de um volume elevado de receita não recorrente. O déficit do governo central foi de R$ 120 bilhões em 2018 e deve ficar próximo a R$ 100 bilhões em 2019, podendo ser menor se houver a receita da cessão onerosa, cujo leilão está programado para outubro, mas que pode acabar ficando para depois.

Em todo caso, o importante não é necessariamente zerar o déficit primário com pressa e com receita extraordinária, mas reequilibrar receitas e despesas recorrentes de maneira sustentável. Respeitar o teto de gasto é um bom começo.

  1. 2. O teto de gasto será respeitado? Até quando?

O teto será respeitado em 2019, mas a partir do ano que vem seu cumprimento vai ficar cada vez mais difícil. A partir de 2022, ficará praticamente impossível sem reformas importantes pelo lado do gasto. As projeções apresentadas no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) 2020 mostram um cenário muito negativo para as despesas discricionárias, o que claramente é insustentável. Por isso a urgência na reforma da previdência, que pode adiar em 2 ou 3 anos a possibilidade de estouro do teto.

  1. 3. Quando o governo voltaria a ter resultados primários positivos?

Se o teto for cumprido, o primário pode se tornar positivo a partir de 2022 ou 2023 sem depender de receitas extraordinárias em volumes fora do normal. Não há uma urgência em ter superávit per se, o importante é caminhar em direção ao superávit e que este seja obtido de maneira recorrente e sustentável.

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Como teto está dado, caso ele seja respeitado, o superávit será alcançado via crescimento da receita. Assim, temos um aparente paradoxo: a reforma da previdência ajudaria o resultado primário pelo lado receita, refletindo um crescimento maior, uma vez que a despesa ficará no teto. Contudo, é a reforma que viabiliza o cumprimento do teto.

  1. 4. A dívida bruta ainda vai subir?

A dívida bruta, que já está acima de 77% do PIB, deve subir pelo menos até 2022 ou 2023, quando alcançará cerca de 80% do PIB. A partir daí, contudo, no caso de cumprimento do teto e obtenção de superávits primários, essa relação pode começar a cair. Sobre dívida, duas coisas importantes, uma ruim e uma boa. A ruim é o fato de o Brasil ter uma relação dívida/PIB muito maior que outros países emergentes e isso é preocupante.

A boa, é que, para um dado nível de dívida, a trajetória parece ser bem mais importante do que o próprio nível. Isto é, se a trajetória futura indicar queda, não estaremos tão mal, mesmo com dívida elevada para padrões internacionais. Ou seja, nem tudo está perdido!

  1. 5. O teto de gasto prejudica o investimento?

O teto de gasto parece ser mal entendido no debate. O investimento cai muito mais pela situação fiscal em que nos encontramos do que pelo teto – que, aliás, vem sendo cumprido com folga. Ou seja, o investimento poderia ser maior mesmo com a vigência do teto, indicando que este ainda não foi a restrição. Outra forma de ver diz respeito aos estados: o investimento colapsou apesar de não haver um teto de gasto como o da União.

O investimento cai mais devido ao aumento de outras despesas do que em razão do teto de gastos. Querendo ou não, já são 5 anos de déficit primário no governo federal. Um dado interessante, trazido pelo economista Pedro Nery em coluna recente: no âmbito federal, apenas a variação anual das despesas com previdência já equivale ao nível do investimento público. Talvez este seja, portanto, um dos grandes culpados pela queda do investimento.

6. As privatizações podem resolver o problema fiscal?

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O problema fiscal é muito mais relacionado a fluxos do que a estoques. Ou seja, é impossível resolver a situação sem reequilibrar receitas e despesas do governo de maneira recorrente. Além disso, privatizações têm uma ordem de grandeza diferente dos desequilíbrios fiscais. Nos últimos 4 anos, por exemplo, o déficit primário ficou acima de R$ 100 bilhões. Uma Eletrobras, por sua vez, poderia ser vendida por cerca de R$ 12 bilhões: cobre 10% do déficit primário de um ano.

Aquele número mencionado pelo ministro Paulo Guedes, quando ainda estava em campanha – de que as privatizações poderiam gerar uma receita em torno e R$ 1 trilhão – é completamente irreal. Em suma, a agenda das privatizações é importante, mas muito mais por questões de eficiência do que para o ajuste fiscal. Para o ajuste, é melhor nos concentramos no fluxo, especialmente na previdência.

Guilherme Tinoco Guilherme Tinoco é especialista em contas públicas, com diversos trabalhos publicados na área. Foi vencedor do Prêmio Tesouro Nacional em 2011. É economista pela UFMG e mestre pela FEA/USP.

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