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Como o colapso nas finanças estaduais ameaça o ajuste fiscal

Em artigo exclusivo para o InfoMoney, o economista Guilherme Tinoco, especialista em finanças públicas, escreve que os estados podem precisar de um novo pacote de socorro da União
Por  Guilherme Tinoco -
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

A vida não está fácil para o ministro Paulo Guedes. Os erros de política econômica do primeiro governo Dilma, somados à grave recessão por que passamos em 2015 e 2016, deixaram como herança uma completa desorganização das contas públicas brasileiras. A dívida bruta, na casa dos 50% do PIB no início da década, se aproxima de 80% do PIB, podendo ultrapassar essa marca em 2 ou 3 anos. Para reverter esse quadro, há muito a fazer.

Na lista das prioridades, o topo fica, inevitavelmente, com a previdência, foco de maior pressão no gasto público. O ajuste em outras despesas do governo federal vem em seguida, englobando, por exemplo, o corte de subsídios e o controle de salários do funcionalismo. Não menos importante é a agenda de privatizações, com a qual o ministro pretende arrecadar cerca de US$ 20 bilhões somente em 2019, fora outras prioridades no campo da desburocratização e eficiência.

Se tudo isso já não fosse o bastante, há outra agenda que ainda vai dar bastante dor de cabeça este ano: a situação fiscal dos estados.

Não é novidade que os estados brasileiros vivem, em seu conjunto, uma situação fiscal bastante desequilibrada. Há algum tempo as despesas mal cabem nas receitas, resultando em salários atrasados, queda dos investimentos e retração na oferta de serviços públicos de qualidade.

A estatística que talvez melhor resuma a situação corrente é o comprometimento das despesas com pessoal em relação à receita total, que chega a 80% nos piores casos. Essa métrica é interessante por dois motivos: primeiro porque mostra que os estados gastam uma parcela muito elevada de sua receita com pessoal (ativos e inativos); e segundo porque torna evidente como nossas instituições foram deturpadas, uma vez que a Lei de Responsabilidade Fiscal era clara em definir o limite dessa relação em 60%.

A situação dos estados foi relativamente tranquila por muitos anos, desde a renegociação de dívida em 1997. Só mais recentemente, a partir da recessão, é que voltaram a dar dor de cabeça para a União.

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De lá pra cá, os estados passaram a conseguir mais benefícios e vantagens do governo federal. Primeiramente, mudaram o indexador de dívida com a União (em processos em que chegaram a pleitear juros simples em vez de juros compostos!), depois obtiveram o alongamento da dívida por mais 20 anos, com carência renovada por alguns meses, sem falar em alguns penduricalhos como uma subvenção ao Rio de Janeiro em 2016.

Por último, foi criado o Regime de Recuperação Fiscal, desenhado sob medida para atender aqueles entes em pior situação fiscal (até agora somente o Rio de Janeiro está no programa).

O problema é que tudo isso parece insuficiente. Para conferir isso, vamos dar uma rápida olhada nos dados de endividamento dos entes.

A dívida líquida dos estados fechou 2018 em 798 bilhões (11,6% do PIB), segundo dados do Banco Central, com alta nominal de 10,2% em relação ao fechamento de 2017. O maior credor é a União (68% do total), seguido por bancos e credores externos.

Em realidade, o montante de dívida é ainda maior. As estatísticas do BC não levam em consideração débitos como os depósitos judiciais, restos a pagar e precatórios, cuja conta pode chegar a R$ 100 bilhões a ser paga até 2024.

Fechado esse parênteses, voltamos aos números do BC, destacando um dado alarmante. Embora a maior parte da dívida seja longa, há um montante de quase R$ 170 bilhões a vencer nos próximos 5 anos (que pode chegar a R$ 300 bilhões quando considerados os itens destacados acima).

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Como sabemos, os estados estão vermelhos no fluxo primário. O boletim dos entes subnacionais destaca, por exemplo, um déficit de R$ 14 bilhões em 2017. A pergunta, portanto, é simples: como pagarão os juros e amortizações previstos para os próximos anos?

Tarefa bastante complicada. Infelizmente, achamos bastante difícil que a solução não passe por nova ajuda da União. Em todo caso, se assim for, que sejam cobradas todas as contrapartidas possíveis (inclusive institucionais, além do compromisso com as outras reformas), evitando que haja um novo colapso das finanças estaduais nos próximos anos.

Ou seja, mais uma tarefa árdua para a extensa lista do novo ministro. Enquanto esperamos a reforma da Previdência e as outras medidas, que não esqueçamos da questão dos estados. Boa sorte ao Paulo Guedes!

Guilherme Tinoco Guilherme Tinoco é especialista em contas públicas, com diversos trabalhos publicados na área. Foi vencedor do Prêmio Tesouro Nacional em 2011. É economista pela UFMG e mestre pela FEA/USP.

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