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99,4% dos brasileiros não conhecem o conceito de juros compostos e isso é preocupante

As pessoas não têm a verdadeira compreensão do que seja uma taxa de juros e isso é preocupante, escreve Anderson Pizzutti Bortolotto, do Terraço Econômico
Por  Terraço Econômico
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

*por Anderson Pizzutti Bortolotto

SÃO PAULO – Recente reportagem publicada pela Folha de São Paulo [1] mostra uma pesquisa elaborada pelo diretor da Anefac (Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade), que mostra o tamanho do desconhecimento dos juros compostos e sua aplicação por parte da maioria dos brasileiros.

As pessoas não têm a verdadeira compreensão do que seja uma taxa de juros e isso é preocupante. Como professor de física e matemática, já constatei várias vezes isso, não só com alunos do ensino médio, mas também alunos de ensino superior e.até de pós graduação. O mais triste também foi com profissionais ligados a finanças, que não tinham entendimento de vários cálculos financeiros e as empresas perdiam em lucratividade por ignorância de seus gestores.

Um exemplo clássico é o cartão de crédito: apesar de toda mídia bater firme sobre os juros estratosféricos, ainda assim as pessoas pagam o mínimo ou parcial. Mas qual o motivo a fazerem isso? Um dos motivos está ligado a finanças comportamentais, outro é o total desconhecimento dos juros composto. Alguns anos atrás ajudei uma pessoa com suas finanças pessoais, especialmente com o cartão de crédito, além de orçamento doméstico fiz também uma tabela do fluxo de pagamentos do cartão:

Saldo devedor =  Saldo Inicial + Despesa – Pagamentos + Total de Juros

Fluxo pagamento do Cartão de Crédito

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Obs.: Taxa de juro mensal de 14% a.m

O leitor pode notar um fato delicado. No período de 12 meses, ele gastou o total de 18.650 reais e pagou 14.500 reais. Como era bastante distraído, pagava de acordo com o próprio fluxo de caixa. E veja que nele já estavam abatidos os 14.500 reais pagos no decorrer do período. Uma coisa que pouca gente está vendo, a não ser que esteja usando lupa, ou esteja acostumada com as artimanhas dos “duendes banqueiros”, é a pequena taxa de juro. Pequena só no corpo da letra, pois ela é bem significativa: 14% a.m. Assim ela a responsável pela mágica da multiplicação do saldo devedor.

Como se pode constatar, os juros se reproduzem de forma similar a uma bactéria. Esse fenômeno é chamado de juros compostos ou, como é popularmente conhecido, ‘juros sobre juros”. Como dizia Einstein “juros compostos é a força mais poderosa do universo”. Do saldo devedor de 10.783.81,35 reais, os juros representavam 6.633,81 reais. A lógica desse exemplo pode ser aplicada para o uso indiscriminado do cheque especial.

Vamos imaginar a seguinte situação: com a taxa de 14% a.m. sobre os 10.783.81,35 reais, em mais um ano (suponha que durante esse período não seja contraída nem paga dívida nenhuma), ela teria de desembolsar a bagatela de:

Saldo devedor (t+12) = Saldo devedor (t) x (1 + taxa)12

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Saldo devedor (t+12) =  10.783,81 x (1,14)12

Saldo devedor (t+12) = R$ 51.955,38

Não é à toa que os bancos lucram tanto no país, uma das razões é a má educação financeira, na qual se aplica a matemática financeira como um todo, pois se as pessoas não conhecem juros compostos, também não conhecem outros cálculos. Isto entra outra pesquisa que saiu em 06/07/2016 [2], na qual o Brasil é um dos piores na qualidade de ensino matemático. Não adianta nada sermos bombardeados diariamente sobre como deve ser gasto ou investido o dinheiro se a maioria das pessoas não sabe nem calcular porcentagem. Isso é extremamente preocupante, pois quem perde é a sociedade toda.

Não só as pessoas estão perdendo dinheiro, mas as empresas também. Outro problema que enfrentei pela falta de conhecimento em matemática financeira foi em uma empresa que prestava serviço na área de controladoria, onde fui analisar como o departamento de compras fazia suas cotações. Apesar do procedimento ser correto, como avaliar o menor preço, e a qualidade do produto, havia um pequeno problema: o comprador não levava em conta o prazo de pagamento, só o custo do produto. Exemplo:

 

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Ao ver esta tabela, logo conclui que o comprador estava comprando do Fornecedor A. Para saber se as compras estavam corretas, pedi ao departamento financeiro qual era a taxa que eles estavam pagando com desconto de duplicatas (esta empresa não estava nada bem financeiramente): era em torno de 3% a.m. a taxa de desconto. Fiz um cálculo dos juros economizados em relação ao  prazo de pagamento conforme a tabela abaixo, assim descontado do valor inicial do custo do produto, assim chegando a estes novos valores:

 

Então conclui que o fornecedor mais viável era o B, pois baseado nos juros economizados do custo financeiro, a empresa economizaria. Este produto era o segundo em consumo pela empresa, por causa deste erro a empresa perdeu em torno de R$ 35.000 em um ano.

Outro exemplo clássico são os empréstimos realizados pelos bancos, que “maquiam” as taxas de juros. As instituições financeiras começaram a divulgar uma taxa de juros e a embutir uma série de custos no valor financiado. Assim, você ia tomar o dinheiro e eles informavam que a taxa era de 2% ao mês, por exemplo, mas na hora de liberar os recursos, em lugar de R$ 1.000,00 líquidos na conta para você pagar R$ 1.020,00 no final do mês, eles creditavam apenas RS 950,00, informando que os R$ 50,00 eram custos diversos (tarifas, impostos, seguros etc.). Logo, a “taxa de juros” estava certa, mas o custo  efetivo total era bem maior do que o que dizia a “taxa de juros”, chegando a mais de 7,3% ao mês, neste caso hipotético (RS 950,00 comparados com RS 1.020,00).

O resultado disso é que a instituição financeira, ao conhecer tal comportamento do consumidor, tem informação para administrar melhor o preço do crédito, aumentando ou diminuindo sua margem.

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Resumindo: há três fatores decisivos para definir qual o “tamanho” das taxas de juros para os tomadores:

  • Variedade de oferta de recursos (concorrência);
    Baixo risco do banco em não receber os recursos de volta (baixa inadimplência);
    Conhecimento sobre empréstimos (cálculos matemáticos) e sobre funcionamento do sistema financeiro (educação financeira).

No Brasil, somado à nossa ignorância matemática ainda há o nosso sistema “bizarro” tributário que faz surgir determinados fatos difíceis de acreditar, como o IOF (imposto sobre operações financeiras) ser maior do que os juros. Ele depende da taxa de juros e do prazo em que você fizer a operação de empréstimo. A taxa do IOF atualmente é de 1,10% sobre a operação. Vamos supor o seguinte: que você fique  com 1 dia no limite da conta, (lembrando que é muito normal as pessoas deixarem descobertas suas contas,   não pela falta de dinheiro mas por esquecimento, eu mesmo já cometi várias vezes este erro) , sabendo que a taxa de juros é 7,6 % a.m., o juros pagos em 1 dia será de 0,24%, no qual é um valor menor que o IOF que é de 1,10%,, ou seja, você pagará mais imposto do que juros na primeira configuração!

O empréstimo das instituições financeiras brasileiras é uma das mais claras encarnações do que diz a Bíblia no capítulo 22, versículo 7, de Provérbios: “O rico domina sobre o pobre, e o que toma emprestado é servo do que empresta”

É fácil constatar que o conhecimento é muito importante para traçar uma linha divisória entre as pessoas que conseguem aproveitar as oportunidades e aquelas que não sabem o que está acontecendo, seja com a própria conta bancária — microeconomia —, seja com a economia nacional ou internacional — macroeconomia. Este conhecimento é o processo pelo qual os indivíduos melhoram sua compreensão sobre os produtos financeiros, seus conceitos e riscos, de maneira que possam desenvolver habilidades e confiança necessários para a tomada de decisões fundamentadas e com segurança, melhorando seu bem-estar financeiro.

Notas:
[1] http://m.folha.uol.com.br/mercado/2015/11/1706851-brasileiro-desconhece-juro-que-dobra-valor-da-compra.shtml?
[2] http://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,brasil-e-um-dos-piores-em-qualidade-de-ensino-de-matematica-e-ciencias,10000061150

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*Anderson Pizzutti Bortolotto é formado em Física pela UEL e Administração de Empresas pela FECEA, como especialização em Engenharia de Produção e Educação Matemática pela UEL. Consultor em Finanças e Controladoria, além de ser professor de Física. Possui mais de 12 anos de experiência na área financeira e controladoria de empresas de grande e médio porte pelo Brasil. Também atuou no Mercado financeiro como Analista de Investimentos em um Fundo de Investimentos. Apaixonado por números, investimentos e cortar custos, além de mudar a sorte das empresas, principalmente aquelas com graves problemas financeiros.

Terraço Econômico O Terraço Econômico é um espaço para discussão de assuntos que afetam nosso cotidiano, sempre com uma análise aprofundada (e irreverente) visando entender quais são as implicações dos mais importantes eventos econômicos, políticos e sociais no Brasil e no mundo. A equipe heterogênea possui desde economistas com mestrados até estudantes de economia. O Terraço é composto por: Alípio Ferreira Cantisani, Arthur Solowiejczyk, Lara Siqueira de Oliveira, Leonardo de Siqueira Lima, Leonardo Palhuca, Victor Candido e Victor Wong.

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