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Possibilidade de calote da dívida entrou no radar: mas há motivo para pânico?

O fato de haver o questionamento já é, por si só, má notícia, com impacto nos preços de ativos, mas probabilidade de calote é muito baixa
Por  Celson Placido
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

A possibilidade de um calote da dívida pública entrou no radar de analistas e investidores. Diante da grave crise fiscal e da dinâmica insustentável da dívida pública na ausência de ajuste fiscal, é natural que surja este temor, este agravado pelos rebaixamentos da nota de crédito da dívida interna. O fato de haver o questionamento já é, por si só, má notícia, com impacto nos preços de ativos. No entanto, avaliamos que a probabilidade do calote nos títulos da dívida interna brasileira é muito baixa. Não há razão para pânico.

A crise fiscal é grave e há várias razões para isso. Os excessos e equívocos da política econômica dos últimos anos jogaram o Brasil em uma armadilha de recessão/baixo crescimento e inflação elevada que impede reduções na taxa de juros pelo Banco Central. Além da sensível queda da arrecadação, inclusive por conta do aumento de renúncias tributárias, há preocupação crescente com os chamados “passivos contingentes”, que podem resultar da necessidade de a União socorrer empresas estatais financeiras e não financeiras e entes subnacionais.

Este quadro agravou bastante a inerente fragilidade do regime fiscal brasileiro, que sofre com elevada rigidez de gasto, impulsionando o crescimento da dívida pública como proporção do PIB. Reformas estruturais se tornaram ainda mais urgentes, inclusive pelo envelhecimento da população, que pressiona os gastos previdenciários.

A reação do governo, porém, não tem correspondido ao tamanho do desafio. O governo carece de uma agenda de ajuste fiscal de longo prazo. O contraponto positivo é a intenção do governo de promover a reforma da previdência. O risco de execução, porém, é grande, pois há resistência dentro da própria base aliada, especialmente em ano de eleição. Mas o debate começou.

A combinação de crise fiscal e fraqueza política acende a desconfiança de poupadores e investidores quanto à capacidade futura de o governo honrar sua dívida.

Todas essas questões não passaram despercebidas pelas agências, que questionam inclusive a convicção do governo na necessidade de conduzir o ajuste fiscal. O aviso das agências de rating é claro e grave. O Brasil perdeu o selo de bom pagador em moeda local, pois se identifica o risco de dinâmica explosiva da dívida.

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O estoque da dívida pública como proporção do PIB já é elevado quando se compara com países pares. O quadro se agrava pela velocidade de crescimento. Se nada for feito, a dinâmica será explosiva. A dívida saltou 15 pp em 24 meses atingindo 66% do PIB ao final de 2015. Analistas projetam algo como 80%-90% para 2018.

O desconforto dos investidores já começa a impactar a administração da dívida pública. Ao longo de 2014 houve uma inflexão em alguns indicadores da dívida: (a) o aumento da dívida indexada à taxa Selic (o estoque de LFTs atingiu 10,6% do PIB em dez-15 ante piso de 7% em set-14); (b) o crescimento das operações compromissadas do BC, que têm liquidez diária e remuneração pela taxa Selic (15,8% do PIB em dez-15 ante média de 10,7% em 2012, quando o BC interrompeu a política de acúmulo de reservas); e (c) o incremento da taxa de juros dos títulos da dívida de longo prazo, muito além do sugerido pelo comportamento das taxas de juros internacionais (o Global 2017, por exemplo, que é um papel denominado em US$, abriu um spread de mais de 5 pontos percentuais em relação ao US Treasury de 10 anos, o que supera o prêmio do auge da crise global de 2008).

É natural que em momentos de incerteza e instabilidade ocorra deterioração do perfil da dívida. O Tesouro busca evitar custos mais elevados impostos pelos papéis prefixados. Mas é importante que seja algo passageiro. O ritmo de deterioração do perfil da dívida requer atenção.

Apesar da gravidade do quadro acima, é crucial ponderar que o calote é, em última instância, uma decisão política. E o custo político é alto, vide o preço pago por Collor por conta do confisco de 1990. Pela própria experiência do passado, é provável que um governante no Brasil, antes de uma decisão extrema de calote, tentará exaurir outras possibilidades.

Na ausência de ajuste fiscal, a inflação seguirá em aceleração. Trata-se de financiamento inflacionário do déficit público. É importante ressaltar o risco de espiral inflacionária neste contexto. O Brasil já viveu esta experiência nos anos 1980 até o Plano Real. Que as dores da experiência passada contribuam para afastar este cenário.

Em um quadro extremo, com inflação aguda, em que politicamente não há mais espaço para elevação da inflação e expedientes como adiamentos de despesas e “pedaladas”, o governo acabará sendo forçado a algum ajuste fiscal. Em nossa avaliação, é mais provável o país avançar na reforma da previdência do que tomar a difícil decisão de não honrar a dívida pública.

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