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Os presidenciáveis estão otimistas demais (ou mentindo para você)

Ciro, Alckmin e Bolsonaro prometem um cenário para o déficit público mais otimista do que os cenários mais otimistas de especialistas. Mais contido, Haddad se alinha com as projeções otimistas.
Por  Pedro Menezes
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

O descolamento entre o discurso governista e as projeções de analistas independentes foi um dos pontos mais criticados da política fiscal de Dilma Rousseff. Ainda em 2012, a The Economist pediu a cabeça de Guido Mantega por conta das estimativas pouco críveis. Dilma respondeu os pedidos por credibilidade acusando o imperialismo da revista.

A depender das promessas de presidenciáveis, podemos esperar uma repetição desse filme. A visão dos candidatos para os próximos anos tem sido muito mais otimista do que a previsão de analistas independentes.

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Para muitos especialistas, o discurso pré-eleitoral nem deve ser considerado nas análises. Segundo a tese, quem hoje é candidato tomará uma dose de realismo ao vestir a faixa presidente. Nesse caso, o presidente corrigirá um erro do primeiro mandato de Dilma com um erro do segundo mandato, se alterar as metas imediatamente após prometer o contrário na eleição.

Para provar meu ponto, uso aqui as previsões da Instituição Fiscal Independente (ou IFI), ligada ao Senado. O IFI foi criado em 2016, como resposta à maquiagem política dos dados nos anos anteriores.

O órgão possui uma equipe técnica, cujo cotidiano é bem menos submisso aos interesses presidenciais do que os colegas economistas do Ministério da Fazenda, por exemplo. A demissão de economistas do IFI é bem menos provável no caso de desagrado ao presidente.

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Trata-se de um tipo de reforma que vem se tornando comum ao redor do mundo. Felipe Salto, diretor-executivo do IFI, ressaltou em apresentação recente que o número de instituições fiscais independentes (em minúscula, referindo-se a instituições linhas gerais de atuação do ) praticamente quadruplicou ao redor do mundo, saindo do redor dos 10 para cerca de 40.

Uma das funções do IFI é apresentar previsões realistas – admitindo espaço para o erro e trabalhando com previsões intervalares, como é dever de qualquer bom técnico. Por ser uma instituição de Estado, seus economistas são obrigados a divulgar critérios e detalhes em relatórios regulares.

As projeções existem para 3 cenários: otimista, base e pessimista, que funcionam como uma espécie de “intervalo de confiança”. No caso otimista, o país cresce mais e os governantes são mais duros nas reformas, especialmente com uma transição curta para a previdência. No caso pessimista, a conjuntura econômica é ruim e o presidente é fiscalmente irresponsável. Sendo assim, as previsões já incorporam variáveis políticas, inclusive eventuais quebras do Teto de Gastos.

Três dos quatro candidatos são excessivamente mais otimistas do que o cenário otimista do IFI. É principalmente o caso de Bolsonaro, que promete déficit zero no primeiro ano de governo. Em doses menores, também é o caso de Alckmin e Ciro, que prometem o mesmo para o segundo ano de governo.

 

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Nesses três casos, a janela a se fechar é superior à centena de bilhão de reais. Conclusão semelhante aparece se compararmos com as projeções do Prisma Fiscal, relatório do Ministério da Fazenda (gráfico abaixo), do setor privado. Não faz muito sentido, portanto, alegar que o IFI tem “cabeça fechada” por ser estatal.

grafprisma

No caso de Haddad, a previsão para o déficit primário é levemente inferior à margem otimista do IFI, mas superior aos cenários base e pessimista. Outra característica do candidato petista é a defesa de moderação na reforma previdenciária, oposta à expectativa do melhor cenário do IFI, que espera reforma dura antes de 2020.

O ex-prefeito de São Paulo poderia fechar a conta promovendo um crescimento econômico mais vultoso através de políticas de estímulo, mas essa promessa também dificultaria o otimismo sobre as trajetórias do gasto. O mesmo pode ser dito sobre o dólar e curva de juros, pois, dadas as experiências recentes do PT com políticas voltadas ao curto prazo, é provável que o setor privado cobre bem para financiar uma reedição dessas ideias.

Sendo assim, assumindo que o leitor votará num dos quatro primeiros colocados nas pesquisas, as opções para justificar a fé devem vir com profundas evidências. É improvável que exista uma conspiração envolvendo dezenas de especialistas dispostos a distorcer previsões para prejudicar alguém. Se, no caso, o leitor acredita que seu presidenciável é diferenciado a ponto de reverter essas expectativas. Para Alckmin e Bolsonaro, pouco simpáticos a aumentos de imposto, essa crença precisa ser ainda mais forte.

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Sempre é possível adotar essa última opção e ter muita fé num candidato. Mas previsões extraordinárias exigem evidências extraordinárias de que os outros estão errados – e hoje, não as vejo.

Os melhores profissionais são muito bem pagos para enganar o eleitor, vendendo futuros mais bonitos do que parece razoável. É importante manter as orelhas em pé e se informar, ter excelentes evidências antes de mostrar tanta fé num candidato. Quem evita cautela geralmente descobre, ano depois, que tamanha fé num político era só talento pra ser feito de otário.

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Pedro Menezes Pedro Menezes é fundador e editor do Instituto Mercado Popular, um grupo de pesquisadores focado em políticas públicas e desigualdade social.

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