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A boa reforma “previdenciária” das Forças Armadas

As primeiras reações ao projeto parecem ter sido mais negativas do que positivas. É necessário, porém, que a proposta seja analisada de forma desapaixonada, sem mitos nem slogans que, em geral, mais confundem do que esclarecem*
Por  Paulo Tafner -
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Foi apresentada dia 20/03 a proposta de mudança no sistema de proteção social dos militares. Trata-se do PL 1.645/2019. O projeto trata de dois aspectos: (i) faz ajustes na questão propriamente “previdenciária” e; (ii) faz correções remuneratórias e ajustamentos específicos da carreira militar.

As primeiras reações ao projeto parecem ter sido mais negativas do que positivas. É necessário, porém, que a proposta seja analisada de forma desapaixonada, sem mitos nem slogans que, em geral, mais confundem do que esclarecem.

Não pretendo me deter sobre a questão remuneratória, nem tampouco discutir em profundidade se ambos os aspectos deveriam ou não estar em um mesmo projeto. Não posso, no entanto, simplesmente passar ao largo dessas questões. Então, brevemente, vamos a elas.

É certo que a carreira militar está sub-remunerada. Keynes afirmava que o trabalhador luta não apenas por salário nominal, mas também por uma “hierarquia” remuneratória. Esse último ponto é particularmente relevante quando se discute a remuneração militar.

Vejamos: um coronel das forças armadas ganha menos do que um coronel da PM em pelo menos 18 das 27 unidades federativas. Esse mesmo coronel – que é um posto elevado dentro das forças armadas – ganha menos do que um juiz ou um procurador em início de carreira.

São exemplos que chocam pela irracionalidade remuneratória do setor público. Há que se considerar ainda que, de fato, as Forças Armadas têm especificidades únicas e devem ser tratadas com zelo pela sociedade e, sobretudo, pelas lideranças do país.

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É nesse contexto que devem ser entendidas as alterações no adicional de habilitação, a criação do adicional de disponibilidade militar, a gratificação de representação e o aumento da ajuda de custo ao ser transferido para a reserva.

As estimativas governamentais indicam que essas alterações importarão em um custo adicional de R$ 86,8 bilhões em 10 anos, anulando em parte, a economia a ser realizada com as mudanças “previdenciárias”. Há que se destacar que as Forças Armadas há alguns anos vêm fazendo significativa alteração em seus quadros, de modo a reduzir o número de militares intermediários na carreira militar permanente, o que reduzirá bastante o custo previdenciário futuro.

Dito isso, vamos às alterações propriamente “previdenciárias”. O que propõe o projeto?

O primeiro aspecto, e muito positivo, é que há efetiva universalização da contribuição para os membros das Forças Armadas. Assim é que pensionistas dos atuais 3,5% passarão a contribuir com 14% de seus vencimentos; alunos das escolas de formação – que até o momento nada contribuem – passarão a contribuir com 10,5%; cabos e soldados passarão dos atuais 3,5% para 14% e, finalmente, todos os demais membros das FA contribuirão com 14%, aproximando-se da contribuição dos servidores públicos civis. O aumento da alíquota terá uma transição rápida e, em 2022, estará plenamente implantada.

O segundo aspecto da reforma é o aumento do tempo de serviço ativo: aumenta dos atuais 30 para 35 anos. Destaque-se aqui que homens e mulheres já têm condições iguais e assim permanecerão com a mudança. Não há feminismo para os membros das forças armadas.

Essa mudança traz impactos significativos nas idades-limite para a passagem para a reserva, elevando-se do atual mínimo de 44 anos para 50 anos. Também nesse caso, está prevista uma transição para os atuais ativos: um pedágio de 17% para o tempo remanescente. Apesar de positivo, poderia ter sido mais ambicioso.

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O terceiro aspecto diz respeito ao rol de dependentes. Há uma significativa redução neste rol, mantendo-se apenas aquilo que é realmente essencial a um sistema de proteção social.

Esse conjunto de medidas produzirá em dez anos uma redução da despesa “previdenciária” estimada em R$ 97,3 bilhões. Trata-se de um impacto fiscal elevado. E mais importante: duradouro. Para que o leitor tenha uma ideia mais precisa do impacto fiscal da reforma “previdenciária” proposta, a redução de despesa em dez anos é 2,2 vezes o déficit financeiro estimado para 2019 com pagamento de benefícios das Forças Armadas. É bem potente a proposta.

Há, por fim, um efeito derivado de extrema importância para os Estados: ao vincular regras para as Polícias Militares, a proposta alivia, de forma significativa, os Tesouros Estaduais, com impacto estimado (sempre para 10 anos) de aproximadamente R$ 52 bilhões. Trata-se de medida que reflete a preocupação muito louvável da equipe econômica em propor uma reforma da previdência que não trate exclusivamente da União, deixando os entes subnacionais de fora.

Se pudesse resumir meu sentimento (e entendimento) acerca da proposta apresentada pelo governo, diria que ela é extremamente positiva sob a ótica “previdenciária”. Trata adequadamente dos principais aspectos da questão e de forma bastante correta. Há uma falha técnica e dois outros senões, um de natureza legislativa e outro de natureza política.

A falha técnica é a manutenção da integralidade e da paridade. Conceitualmente o benefício de “aposentadoria” deve repor a renda média do trabalhador ou, se preferirem, o somatório de depósitos ao sistema ao longo da vida laboral. Esse deve ser um princípio a ser perseguido. Poder-se-ia fazer uma transição lenta para que não houvesse descontinuidade nos vencimentos das diversas gerações de membros das Forças Armadas.

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O primeiro senão é trazer no mesmo projeto dois temas que, apesar de interligados, são independentes: “previdência” e carreira & remuneração. Volto a insistir: é mais do que justo e devido fazer uma correção das remunerações dos membros das Forças Armadas.

Assim como tenho defendido que não se deve misturar as discussões sobre reforma da previdência e reforma tributária – mesmo afirmando que é necessário rever em profundidade nosso sistema tributário e suas incontáveis renúncias fiscais –, minha tendência é apoiar a ideia de que deveriam ser projetos apartados. Em síntese, não me parece boa técnica legislativa.

O segundo é que, ao trazer para a discussão da reforma da previdência a justa e correta correção salarial das Forças Armadas, o governo pode acabar por poluir o debate e fazer com que outras categorias condicionem a mudança previdenciária a novas correções salariais. Algumas deles – e muito bem aquinhoadas – anteciparam-se e, sob enorme pressão política, conseguiram recentemente polpudo reajuste salarial que se espraiou inclusive para os entes subnacionais, comprometendo ainda mais as combalidas finanças estaduais.

É natural, portanto, que haja um legítimo clamor dos militares. O governo, sem sombra de dúvida, teve a coragem de apresentar à nação a proposta de correção salarial, mas pode ter trazido ao debate – que deveria ser mais sóbrio e desapaixonado – uma avalanche de demandas salariais, podendo ser estendida também para os governos estaduais que estão em franca e acentuada trajetória de tragédia fiscal.

Caberá ao governo e suas lideranças despoluir a discussão e bem conduzir o debate. A ver.

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* Usarei sempre os termos previdência e previdenciário entre aspas porque para as Forças Armadas, legalmente, não há que se falar de um sistema previdenciário, mas tão somente de um sistema de proteção social.

Paulo Tafner É economista, doutor em ciência política e diretor-presidente do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social (Imds). Especialista em previdência, publicou diversos livros, entre eles, "Reforma da previdência: por que o Brasil não pode esperar?", escrito em conjunto com Pedro Nery

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