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ICMS, comércio eletrônico e Protocolo 21: mudanças à vista?

Após plenário do STF declarar inconstitucional o Protocolo 21, que instituiu cobrança de ICMS a favor de unidade federada de destino em operações interestaduais em que consumidor final adquire bem de forma não presencial, Câmara dos Deputados aprova em primeiro turno a "PEC do comércio eletrônico", que prevê a alteração gradual da atual repartição de receitas, de forma que, ao final de cinco anos, ICMS será integralmente atribuído ao Estado de destino
Por  Ana Carolina Monguilod
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Aprovada em primeiro turno pela Câmara dos Deputados, a Proposta de Emenda à Constituição nº 197 prevê alteração gradual da atual repartição de receitas. No artigo abaixo, que escrevi com a minha parceira de Levy & Salomão Juliana Alioti Passi, resumimos o desenrolar dessa questão até o momento.

Em 1º de abril de 2011, alguns Estados[1] e o Distrito Federal, reunidos no Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), firmaram o Protocolo ICMS nº 21 para instituir a cobrança de percentual deste imposto[2] a favor da unidade federada de destino em operações interestaduais em que consumidor final adquire mercadoria ou bem de forma não presencial (por meio de internet, telemarketing ou showroom).

O protocolo era inconstitucional, pois a Constituição Federal assegura ao Estado de origem a integralidade do ICMS incidente sobre as operações interestaduais destinadas a consumidor final não contribuinte do imposto[3]. Nada poderia ser cobrado pelo Estado de destino.

O assunto foi levado ao Supremo Tribunal Federal (STF) por meio das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 4.628 e 4.713, assim como do Recurso Extraordinário (RE) 680089, com repercussão geral. 

Em fevereiro de 2014, na ADI 4.628, o Ministro Luiz Fux concedeu liminar para suspender os efeitos do protocolo.

Em setembro último, o plenário do STF declarou, de forma unânime, a sua inconstitucionalidade. Os efeitos da decisão foram modulados de forma a valer a partir da data de concessão da medida liminar relatada pelo ministro Fux (ressalvadas as ações já ajuizadas). Ou seja, somente valores indevidamente recolhidos a partir de fevereiro de 2014 podem ser reclamados. Uma enorme decepção, pois cobranças desavergonhadamente inconstitucionais ficarão protegidas pelo manto da modulação[4].

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Aparentemente, no entanto, há mudanças à vista.

A Câmara dos Deputados aprovou em novembro de 2014, em primeiro turno, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 197, de 2012. Chamada de “PEC do comércio eletrônico”, o texto prevê a alteração gradual da atual repartição de receitas, de forma que, ao final de cinco anos, o ICMS será integralmente atribuído ao Estado de destino (e nada mais ao Estado de origem)[5]. O texto deve ainda passar por nova votação em segundo turno na Câmara para posterior envio ao Senado, onde será também votado em dois turnos.

É difícil antecipar se e quando a PEC será aprovada pelo Congresso. Este é mais um capítulo da “guerra fiscal”, que será negociado junto com outros tantos assuntos envolvidos na discussão, tal como a redução da alíquota interestadual, a criação de fundos de compensação e até a atualização da dívida dos Estados, dentre outros.

Para os contribuintes, o mais importante é a segurança jurídica. Que neste e em outros capítulos da “guerra fiscal” seja garantida a justa repartição do ICMS entre as unidades da federação sem que sejam eles, contribuintes, cobrados duas vezes por um mesmo tributo, de forma totalmente contrária ao texto constitucional. Como diz o velho provérbio africano, when elephants fight the grass gets hurt.


[1] Acre, Alagoas, Amapá, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Roraima, Rondônia e Sergipe.

[2]
Equivalente à diferença entre a alíquota interna do Estado de destino e (i) 7% para as mercadorias ou bens oriundos das Regiões Sul e Sudeste, exceto do Estado do Espírito Santo ou (ii) 12% para as mercadorias ou bens procedentes das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e do Estado do Espírito Santo.

[3] Art. 155, §2º, VII.

[4] A decepção parece não ser somente nossa.  No julgamento, o Ministro Marco Aurélio registrou sua opinião: “Continuo convencido de que apenas se avançará culturalmente quando emprestar-se concretude maior à Carta da República. Toda vez que o Tribunal modula certa decisão, estimula procedimentos à margem dessa mesma Carta da República. (…) Por isso, entendo que o caso mostra-se emblemático quanto à impossibilidade de chegar-se à modulação. E, perdoem-me a expressão carioca, houve uma cara de pau incrível, no que se estabeleceu esse protocolo, colocando-se, em segundo plano, o documento básico da República, a Constituição Federal, que precisa ser mais amado, principalmente pelas unidades da Federação. Que se aguarde a reforma tributária, porque proceder-se a essa reforma mediante simples protocolo é passo demasiadamente largo.”

[5] O texto dispõe que o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual será partilhado entre os Estados de origem e destino, na seguinte proporção: (i) para o ano de 2015: 20% para o Estado de destino e 80% para o Estado de origem; (ii) para o ano de 2016, 40% para o Estado de destino e 60% para o Estado de origem; (iii) para o ano de 2017, 60% para o Estado de destino e 40% para o Estado de origem; (iv) para o ano de 2018, 80% para o Estado de destino e 20% para o Estado de origem; e (v) a partir de 2019, 100% para o Estado de destino.

Ana Carolina Monguilod Ana Carolina Monguilod, sócia do i2a Advogados, Mestre em Direito Tributário Internacional (LL.M) pela Universidade de Leiden, na Holanda, coordenadora do Grupo de Estudos de Políticas Tributárias (GEP), diretora da ABDF (braço da International Fiscal Association no Brasil), co-Chair do WIN (Women of IFA Network) Brasil e professora de direito tributário do Insper.

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